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No meu Palato

No meu Palato

Restaurante Casa de Chá da Boa Nova | O inesperado batendo à minha porta

"Não quero criar expectativas quanto ao que me espera, cansei de ilusões. Quero a plenitude daquilo que ainda não sei. Quero o inesperado batendo à minha porta. Algo bom, na fé! Não importa o que, só que seja bom." Angella Reis

Casa de Chá da Boa Nova

Começo com a maior sinceridade possível, tinha três ideias pré-concebidas sobre a Casa de Chá da Boa Nova:

1ª) Remodelada pelo prémio Pritzker Siza Vieira, o espaço tem de ser requintado e moderno.  Tem no entanto de ter um toque de romantismo, aliado à mais bonita tradição arquitectónica portuguesa;

2ª) Possui uma localização perfeita e arrebatadora;

3ª) O proprietário e Chefe Executivo Rui Paula é mais mediático que criativo.

Duas das três ideias estavam correctas...

Casa e Chefe Rui Paula

O restaurante encontra-se harmoniosamente inserido na paisagem, aconchegado pelos rochedos e alicerçado na beleza melancólica do horizonte marítimo.

O interior confortável, requintado e bastante funcional cria as condições para uma experiência única.

O som (das ondas), a luz (da lua, aquecedores a gás e iluminação subtil), o cheiro (a mar e sal) e o toque da brisa estimulam quatro dos sentidos, servindo de anfitriões para o quinto, o paladar...

 

Interior Casa de Chá

 

Rui Paula tem um estilo cuidadoso, artístico e harmonioso, cozinhando com produtos da mais alta qualidade, respeitando-os...

Todos os pratos demonstram competência, originalidade e tradição inovada com pinceladas certeiras de modernismo.
O serviço, desde a recepção, sala, entrega de pratos e escanção acompanha a qualidade do restaurante.

Duas pequenas críticas apenas, a divisão de tempo por outros espaços por parte do chefe Rui Paula e a carta de vinhos algo curta são pormenores que devem ser corrigidos. (Há coisas que só se podem fazer depois de já se possuir uma estrela Michelin).

Dito isto, passemos ao que interessa, aos pratos e aos vinhos :-P
 
O jantar começou com uma surpresa por parte do chefe, atum servido no sempre espectacular fumo de gelo seco, mas até aqui, nada de surpreendente...

Atum

Inesperadamente, o inesperado bateu à minha porta uns minutos depois...

 

Com as entradas, percebi logo a filosofia de Rui Paula, a francesinha com lavagante caviar e ovo de codorniz (Soalheiro Espumante 2013) e o foie-gras com presunto pata negra e figo (Rozés Late Harvest 2010) são combinações nada óbvias tocando até na linha do risco, no entanto foram completamente electrizantes, tendo o condão de me fazer querer conhecer mais...


Francesinha e Foi-gras

 

Os minutos de dúvida e salivação seguintes, que me pareceram horas (:-P) foram interrompidos pelos pratos de peixe; Cannelloni de bacalhau com puré de grão-de-bico e coentros (Chocapalha Reserva Branco 2013) e Caldeirada de peixe com rodovalho, mexilhão e lavagante (Principal Branco Reserva 2010).

O aroma fumado resultante da boa madeira, a fruta de grande qualidade com notas de laranja e abacaxi envolveram de uma forma bastante harmoniosa o bacalhau.  Este branco sedoso, fresco, com classe e personalidade foi a melhor companhia que o Cannelloni podia ter encontrado.

A caldeirada  combinada com o Principal é uma obra prima só ao alcance dos grandes mestres. O aroma elegante, a brisa cítrica e a mineralidade subtil do vinho conjugado com as pitadas de sabor de cada um dos peixes, é algo que ainda me faz suspirar, este foi certamente um  dos melhores momentos gastronómicos que tive...
As notas herbáceas, florais e tostadas do Principal alicerçadas na sua mineralidade e acidez extraordinárias levaram a um final duradouro, vigoroso e complexo, que melhor aplauso poderia ter esta caldeirada?


Cannelloni de Bacalhau e Caldeirada de Peixe

 

Na carne, dois pratos completamente reinventados por Rui Paula, o Arroz de pato, magret, aiguillette e cítricos (Ninfa Escolha Pinot Noir 2011) e o Porco preto à alentejana com amêijoa, faceira e molho de porco preto (Quinta do Penedo Reserva Tinto 2010).

O magret pedia um vinho estruturado, sofisticado, complexo, com alguma evolução e aromas terciários, o Pinot Noir para além disso, foi bastante generoso, ainda lhe deu notas de cogumelos, fruta vermelha e especiarias. O prato só ficou completo com o vinho, a gastronomia deveria de ter mais encontros destes.

O Porco preto à alentejana pedia um pouco mais de corpo ao Quinta do Penedo, no entanto as notas de fruta madura,  barrica, baunilha, notas fumadas e taninos discretos proporcionaram uma experiencia agradável. 
  

Arroz de Pato e Porco Preto

Já quase no final da noite, as sobremesas começaram por promover uma viagem pela Ásia (Porto Andresen 20 anos Branco), conjugando a acidez, cremosidade, riqueza e orientalidade dos gelados com a doçura, frescura e irreverência do vinho; para mais tarde provocarem um regresso alucinante ao nosso Portugal com o sabor a tradição do caramelo e frutos vermelhos, elevados a outro nível pelos sabores complexos a damascos secos e figos doces do Niepoort Colheita 2000 Tawny, acho que foi neste momento que comecei a olhar com outro nariz para os colheitas :-P

Viagem pela Ásia, Caramelo e frutos vermelhos

O que aprendi com isto tudo? Algo que a minha mãe já me dizia quando era pequeno: "Não critiques se ainda não provaste." :-)

 

Parabéns Chefe Rui Paula pela lição de haute cuisine que me deu, merece, sem dúvida, a estrela!!!

Quero, no entanto,  que me volte a surpreender com algo, "Não importa o que, só que seja bom".