Feira do Douro 2016 | De portas abertas para as vinhas do tempo
"Saboreio este dia,
Fruto roubado no pomar do tempo.
Sabe-me a novidade,
Deixa-me os lábios doces.
Tem a polpa de sol, e dentro dele
Calmas sementes de outro sol futuro.
Cheira a terra lavrada e a maresia.
E tão livre e maduro,
Que quando o apanhei já ele caía." Miguel Torga
“De portas abertas para mostrar o melhor da região”. Foi assim que os Douro Boys (Quinta do Vallado, Quinta do Crasto, Niepoort, Quinta Vale D. Maria e Quinta do Vale Meão) , apresentaram a Feira do Douro 2016 que decorreu nos dias 25 e 26 de Junho na Quinta de Nápoles.
Esse mote não desiludiu...
Nesta feira o Douro mostrou todo o seu esplendor nas suas deliciosas frutas e vegetais, na riqueza e suavidade que deu às carnes tenras, no inverno que emprestou aos enchidos e os queijos tradicionais de confecção artesanal, e no sol com que pincelou a doçaria regional e os pães cozidos a forno de lenha segundo receitas ancestrais.
Além da prova e compra destes produtos tradicionais e dos vinhos das respectivas marcas dos Douro Boys, ao som da DJ Cláudia Madur, o programa incluiu ainda Master Classes (“10 anos de Vinhos Douro dos Douro Boys” e “Tawnies Velhos e Vintages Novos”) e vários Workshops.
Em destaque, estiveram ainda os pratos e showcookings de um ex-estrela Michelin (Vítor Matos) e de um futuro estrela Michelin (Rui Paula), a preços que só mesmo num evento destes é possível encontrar.
Depois de toda esta apresentação da feira, passemos ao mais importante, os vinhos :-P
Vou falar-vos de um néctar por cada produtor...
Quinta do Vallado reserva field blend 2011:
Sem dúvida, um dos meus vinhos favoritos. Tão livre e maduro...
Possuí uma cor rubi fantástica e um nariz delicado bastante concentrado com notas balsâmicas, madeira, figo, amora, tabaco e claro ... a giesta fabulosa dos vinhos da Quinta do Vallado. Na boca ainda é muito jovem e aguerrido, marcado pelos frutos vermelhos e uma agradável sensação floral de violetas e esteva. É bastante voluptuoso, com taninos maduros e redondos. O final é elegante, mineral, muito persistente, complexo e como eu gosto ... harmonioso.
Quinta do Crasto Tawnie 1997:
A sua cor âmbar brilhante com polpa de sol, quase fluorescente fez logo prever o que ia mostrar no nariz, mel e frutos secos roubados do pomar do tempo, não deixou no entanto de surpreender pela sua densidade e conjugação com as especiarias e casca de toranja. Estes últimos deram-lhe na boca um início com uma acidez e frescura espectaculares. Esse inicio elegante, evoluiu mais tarde para um vinho carnudo de textura bastante complexa e composta por taninos delgados. Um vinho deveras envolvente que termina de forma fina e muito persistente. Ainda sinto os lábios doces :-P
Niepoort Colheita 1957:
No copo exibiu-se logo com o seu fantástico vermelho-tijolo mas verde na aureola, resultante do envelhecimento em garrafa. No nariz uma brisa a casca de laranja seca, tabaco e citrinos. Na boca é tão ... mas tão bom e elegante, com chocolate preto, damasco e caramelo. Transporta uma acidez e intensidade notáveis, revela-se fino e muito bem estruturado, com um final firme e persistente.
Vinha da Francisca da Quinta Vale D. Maria 2013:
Para mim, a maior surpresa da feira, soube-me a novidade. É dono de uma enorme profundidade de cor, violeta escuro, quase a querer esconder-se.
No nariz mostra muito carácter, personalidade e vigor, surge também a fruta madura que mais tarde se mostra bastante concentrada no palato, com frutos vermelhos, cereja, cassis e ameixa, aos quais se junta também a elegância da framboesa. O envelhecimento em barricas de carvalho francês concentrou os taninos e poliu a sua garra, originando um vinho muito elegante, complexo, rico, com grande equilíbrio e subtileza, terminando longo, extravagante e frutado.
Quinta do Vale MeãoTawnie 1999:
Como é obvio, o Meão tem vinhos melhores, bastantes melhores. Mas este tem qualquer coisa...
No copo mostrou-se bastante tímido e pálido, ainda avermelhado mas já com reflexos atijolados, passando para o nariz com damascos secos e caramelo bastante subtil. Na boca mostrou aquilo que mais me ficou na memoria, grande frescura e acidez, uma amêndoa gulosa, quase exagerada, quase (;-)), numa estrutura bem definida e persistente, conduzindo a um final longo e complexo. Como já disse anteriormente estes "artistas do Meão", mesmo que quisessem não conseguiriam fazer maus vinhos, mais umas rugas resultantes do envelhecimento nesta acidez e algo de extraordinário vai aparecer, primeiro estranha-se depois ... entranha-se.
Foi um dia verdadeiramente arrebatador, passou tão rápido que quando o tentei prolongar já ele caía, contudo ainda me sabe a novidade, deixou-me com os lábios doces e polpa de sol do meu coração.
A alma??? Essa regressou com sementes de outro sol futuro.
Um grande obrigado a todos os envolvidos neste projecto, por cuidarem tão bem desse património nobre e avassalador que é o Douro, os seus vinhos e as suas gentes!!!
Obrigado também ao André e à Olga por partilharem estes momentos de felicidade e "quando se está feliz a solução : é fácil: repetir" :-P
Thanks for the invitation Katharina and Julia Ernst... I still have the sweet on lips from the wine made with the time-enchanted grapes ;-P