"Não vás para esse trabalho que odeias. Hoje, faz algo que gostes. Anda de montanha-russa. Nada no mar nú. Gira um globo terrestre, para-o com o dedo e, em seguida, planeia uma viagem para aquele lugar. Mesmo que seja no meio do oceano, poderás ir de barco. Come alguma coisa exótica da qual nunca ouviste falar. Para um estranho e pede-lhe para te explicar em detalhe os seus maiores medos, as suas esperanças e aspirações secretas, e em seguida diz-lhe que tu te preocupas. Porque ele é um ser humano. Senta-te na calçada e faz desenhos com giz colorido. Fecha os olhos e tenta ver o mundo com o teu nariz, permite que o olfato seja a tua visão. Põe o sono em dia. Liga para um velho amigo que não vês há anos. Arregaça as pernas das calças e entra no mar. Assiste a um filme estrangeiro. Alimenta esquilos. Mostra-me que é possível ser adulto e também ser feliz!” Perdão, Leonard Peacock.
O livro de Leonard Peacock aconselha-nos a fazer alguma coisa... Qualquer coisa!!! Porque iniciamos uma revolução, decisão a decisão, toda a vez que respiramos.
Já pensaram em todos os dias que vivemos e dos quais não nos conseguimos lembrar de nada? Dias tão comuns que o nosso cérebro simplesmente não se dá o trabalho de memorizar. Centenas, talvez milhares de dias passam sem serem registados pela nossa memória. Isso não vos deixa malucos? Saber que muitos dos nossos dias não merecem sequer ficar guardados na nossa memória?!!? Para mim isso é assustador...
As sugestões feitas no pequeno excerto com que iniciei esta publicação, são óptimas para deixarmos mais dias guardados no baú da nossa mente, sobretudo a de conhecer o mundo com o nariz e permitir que o olfacto seja a minha visão. E como se faz isso? Com vinho é claro :-P
Como alguns de vocês já se aperceberam o meu inicio de 2017 foi espectacular, nasceu uma pequena princesa, chamada Beatriz, que me tem enchido os dias e preenchido o coração. Como o tempo agora escasseia, tenho aproveitado para fazer umas visitas, mais frequentes, à minha garrafeira para evitar que o palato se destreine :-P
Comecei pelos três vinhos portugueses melhor classificados na lista da WineSpectator de 2016 (um ano top :-P)...
O Quinta de Cabriz Dão 2014 surpreendeu-me pela conjugação das frutas pretas como a ameixa, a cereja e a amora com um toque adocicado do caramelo. Não é complexo e o corpo é mediano, mas as especiarias, o chocolate, a mineralidade e o toque picante dão-lhe uma harmonia bastante interessante.
Achei mais tarde que o Real Companhia Velha Douro Evel Tinto 2014 se destaca sobretudo pela qualidade e autenticidade da fruta como a ameixa e a framboesa. É macio, fresco e tal como o Quinta de Cabriz possui uma excelente mineralidade.
Quando cheirei o CARM Douro Reserva 2012 vi logo que era outra coisa... Muito intenso e denso com notas de mirtilos, ameixa, amoras e cerejas pretas conjugadas com pinceladas deliciosas de alcaçuz. Ou contrário dos outros dois, as notas perspicazes da madeira, coco e pimenta dão-lhe uma complexidade envolvente. Na boca, o vinho é fabulosamente concentrado, cremoso, com uma acidez extraordinária, apresentando taninos firmes e uma textura aveludada. O final não desilude, persistente, intenso e intrigante...
Uns dias mais tarde, voltei a visitar um velho amigo, o Reguengos Garrafeira dos Sócios 2008 que me apresentou o seu irmão mais novo nascido em 2012.
O 2008 continua a ser um dos meus vinhos favoritos, no copo não perdeu a cor vermelha rubi cristalina e límpida, com periferia atijolada resultante dos 8 anos de envelhecimento em garrafa.
No nariz continua a revelar fruta madura e ameixa evoluídas com especiarias, tabaco, sous-bois e baunilha. A madeira é elegante resultante de 8 meses em meias pipas de carvalho francês. Notei, ao contrário de provas anteriores, que surgiram aromas de avelã, noz, madressilva e couro, sinónimo de que o vinho ainda não atingiu o seu potencial máximo. Ainda bem que "sobraram" umas garrafas :-P
Na boca é suave, seco, robusto, com boa acidez, taninos finos e persistentes e com um final de boca longo e harmonioso. A acidez, álcool e taninos continuam relacionados de forma impecável.
O 2012 ainda é uma criança, a cor ruby ainda é carregada e sem qualquer indícios de envelhecimento. As especiarias, figos, coco torrado, baunilha e taninos elegantes mostram que o ADN deste vinho se manteve. Surgem ainda umas notas a café e cacau que enobrecem o vinho. Harmonioso, complexo e equilibrado, é preciso dizer mais alguma coisa? :-P
Num destes dias encontrei na garrafeira umas garrafas "perdidas" de Casas do Côro 2011, resolvi abrir uma garrafa e em boa hora o fiz... No nariz exibiu-se com frutos silvestres, amora, ameixas pretas e mirtilos. A madeira é subtilmente saborosa transpirando canela e baunilha. Os taninos já foram polidos pelo tempo criando um vinho com alguma complexidade.
Para comemorar o nascimento da bebé abri uma Quinta de Vargellas 2012 da Taylor's.
Veste uma cor ruby intensa opaca emanando morangos, cerejas, framboesas, esteva, violeta, giesta, chocolate e baunilha. Todos estes aromas estão extremamente bem equilibrados. No palato possui uma excelente acidez, uma austeridade vibrante e uma harmonia cativante. Tem tudo no sítio, é daqueles que parece feito com pinças :-P
É óbvio que ainda é um benjamim, vai precisar de muitos e bons anos para crescer na garrafa, no entanto já se mostra fino, delicado, complexo e poderoso. Este vinho é um hino à vida...
O perdão que Leonard pede no livro do qual retirei a citação com que comecei, é a essa mesma vida. Pede-lhe perdão por a ter desperdiçado, acho que, ao contrário do que acontece com os grandes vinhos, perdemos a capacidade de sermos felizes à medida que envelhecemos. Querem que ao longo deste ano vos mostre que é possível ser adulto e também ser feliz? Está combinado, a ver se consigo concretizar todas as sugestões constantes do excerto :-P