Essência do Vinho Porto 2017 | Mais importante que a descoberta de uma constelação
"Um poeta certa ocasião disse: «O universo inteiro está num copo de vinho.» Provavelmente nunca saberemos com que intenção ele disse isso, já que os poetas não escrevem para serem entendidos. Mas a verdade é que, se olharmos um copo de vinho perto o suficiente, nós veremos o universo inteiro. Há coisas da física: o líquido rodopiante que evapora dependendo do vento e do clima, os reflexos no vidro, e a nossa imaginação acrescenta mais tarde os átomos. O copo é uma destilação das rochas da Terra, e em sua composição nós vemos os segredos da idade do universo, e da evolução das estrelas. Que estranho conjunto de substâncias químicas há no vinho? Como elas vieram a existir? Há os fermentos, as enzimas, os substratos e os produtos. Ali no vinho encontra-se a grande generalização: toda a vida é fermentação. Ninguém descobre a química do vinho, sem descobrir, como fez Pasteur, a causa de muitas doenças. Se as nossas pequenas mentes, por conveniência, quiserem dividir o copo de vinho, este Universo, em partes — física, biologia, geologia, astronomia, psicologia e tudo o mais — lembrem-se de que a natureza não sabe disso!
No entanto, o melhor é voltar a reunir tudo de volta, sem esquecer para que serve o vinho, afinal. Que nos conceda mais um último prazer: bebê-lo e esquecer tudo isto!" Richard Feynman
Sempre achei muita piada a este texto, relativo à descrição de um copo com vinho, achei piada por concordar com ela, mas também por discordar dela :-P
É um belíssimo relato "cientifico" do que é o vinho, mas o vinho é mais que isso, o vinho é paixão. O vinho é querer saber mais sobre uma determinada garrafa, é procurar a sua história. O vinho é família e amigos. É o calor que aquece o coração e o arrepio que arrefece a alma. Vinho não é só ciência, vinho é arte, é cultura, vinho é experiência. É um modo diferente de viver.
Sem uma história por trás, o vinho é apenas vinho e não podemos deixar que o vinho seja apenas vinho. Cada vez mais as pessoas querem saber mais, querem conhecer mais, querem sonhar mais. Eventos como o Essência do Vinho Porto 2017 são belas oportunidades para fazermos o bichinho (ou no meu caso o bichão :-P) crescer (ainda) mais...
Sendo o vinho família e amigos desloquei-me com eles, num dia espectacular de sol, para procurar-mos histórias sobre vinhos e vinhos com história.
E para quem anda à procura de histórias nada melhor que começar com o misterioso Coche Niepoort Branco. Um dos meus brancos favoritos. No 2015, tal como no 2014 a sua mineralidade faz lembrar um Chardonnay de topo. Amarelo dourado, revela enorme complexidade, aromas muito densos e elegantes a ameixa branca e pêra. O aroma a flor de citrinos conjugado com a tosta é arrebatador. Na boca tem uma acidez deliciosa, com pulso e irreverente. Senti também aquele cheiro a mar numa manhã de acalmia depois de uma noite de tempestade, com algas na praia. Longo e misteriosamente salgado...Este vinho noutra vida foi pescador :-P
Depois enamorei-me por um vinho com as mesmas castas do Barca Velha (e antes que comecem com coisas, isto é apenas e só ... uma coincidência :-P), o Quinta da Leda 2014. Um vinho TOP e que mostra bem o que é o terroir do Douro. Esta estrela brilhante ainda é muito jovem , mas tem a profundidade e estrutura que lhe garantem um brilho ainda mais intenso, seja qual for a constelação em que se encontre. É um vinho poderoso, com taninos aveludados, e em tudo está em equilíbrio. É untuosamente atraente e redondo, rico e complexo. Tem tudo, frutos vermelhos, pretos, resina, menta, chocolate, cedro, especiarias e sous-bois. A acidez deliciosa segura toda essa complexidade e harmonia. O final é bastante longo, rico e sedutor.
Nesta constelação dos vinhos tintos gostei também das notas balsâmicas, alcaçuz e da violeta no Quinta do Vesúvio 2014, da fruta e alcatrão do Reserva Pessoal Alves de Sousa 2008, do tabaco e esteva do Reserva Field Blend 2014 da Quinta do Vallado e de tudo no Abandonado 2013. Cada vez estou mais fã deste vinho. Um vinho muito estruturado, pintado com precisão, muito complexo, denso, elegante e equilibrado. No nariz mostra eucalipto, alcatrão, ameixa, mirtilos e amora silvestre. Junta músculo e elegância na mesma garrafa, o que não é fácil. É um guerreiro com alma (e coração) de menino.
Mais tarde revi alguns amigos, como o Quinta da Pacheca 2013 com a sua inconfundível baunilha, o pai Horácio 2013 com a sua fruta sumarenta, o gracioso D. Graça Grande Reserva 2011 e o Meruge 2014 com a sua finesse. Está tudo bem com eles e estão a evoluir em harmonia. A ver quando ocorre a nossa próxima conversa...
Depois de brancos e tintos era chegada a hora dos Porto...
Comecemos pelo Sandeman 30 anos. A cor damasco alaranjada fez vacilar o brilho das estrelas da noite que já se abatia sobre a cidade do Porto. Muito delicado e elegante. Nariz com caramelo, melaço, laranja confitada, nozes, damascos e avelãs. No palato entra com acidez extraordinária, cheio, doce e cremoso, sendo mais tarde embalado por uma textura aveludada com os sabores de tâmaras, nozes, figos e resina. Está totalmente integrado e bem equilibrado. Longo, rico e impressionante. Impressionante!!!
Dos Colheita o meu favorito foi o Dow's 1974. O nariz deste vinho é fabuloso. Telha de amêndoa, mel, baunilha, frutos cristalizados, violetas e menta. Mas o que verdadeiramente me conquistou foram umas notas subtis a tabaco, tão bom!!! A boca é como tem de ser, aveludada (menos :-P) com a acidez dos citrinos e um final incrivelmente longo e seco . Só lhe faltou uma coisa, um crumble de maçã para acompanhar :-P
Nos vintages surpreenderam-me as notas iodadas e a mar do Sandeman Porto The Hat and Cape Vintage 2000, já esperava o picante e os frutos aveludados do Quinta do Noval Vintage 2014 e voltei-me a apaixonar por algo extraordinário nascido em 1985. O doce, o picante e alcaçuz do Warre´s 1985 são deliciosos.
Saltando 2 anos...
Em 1983 não nasceu apenas o Every Breath You Take dos the Police, o Billie Jean do Michael Jackson ou a Portuguesa Bonita do José Cid, nasceu também um belo vinho, o Graham´s 1983. Excelente!!! O envelhecimento enobreceu este vinho que já conta 33 anos. O nariz é bastante rico, com as violetas e o eucalipto a juntarem-se às frutas pretas e vermelhas bastante maduras. O paladar é encantador, cheio e texturizado, com taninos redondos e uma óptima acidez que lhe dão um bom potencial enobrecimento. Muito doce, sensual, denso e complexo. É um vinho realmente muito bom e erudito. Disseram-me que em provas cegas, o Graham's 1983 supera invariavelmente os seus concorrentes, 1983 é assim :-P
Benjamin Franklin, político e fundador dos EUA, disse uma vez: “A descoberta de um vinho é um momento ainda mais importante do que a descoberta de uma constelação. O universo já está cheio de estrelas”.
Levantando a cabeça, olhando para a cúpula do Palácio da Bolsa e contemplando as estrelas do céu do Porto, com este 1985 no copo e na alma, fui obrigado a concordar com este estadista... É em vinhos como este que vemos os segredos da idade do universo e nos questionamos sobre a evolução das estrelas num copo.
Esta edição da Essência contou com mais de 20.000 visitantes, 30% deles estrangeiros, 1.2 milhões de alcance nas redes sociais, 100 compradores estrangeiros, 70 importadores e líderes de opinião convidados de 14 mercados.
Houve ainda uma prova vertical de Vinha Grande memorável, da qual falaremos depois...
Não digo "adeus" à Essência, porque dizer adeus significa ir embora, e ir embora significa esquecer....
Até para o ano, no sitio do costume :-P
Algumas das fotos foram tiradas pelo Renato, obrigadão!!!
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