Magnum Sushi Bar | Pérolas de mil colares
"Ora, à esquina de certa rua, na zona nobre da cidade, há uma igreja, a de São João Baptista e do Santíssimo Sacramento. Os casamentos são frequentes, ali, por ser chique a paróquia e imponente a igreja. O arroz chove às cabazadas em cima dos noivos, à saída da cerimónia, num grande estrago de alegria. Depois dos casamentos, o sacristão ou porteiro da igreja, de cigarro ao canto da boca, varre o arroz para dentro das grades, por comodidade. Volta e meia há casório, sobretudo no bom tempo, ou aos domingos. É um desperdício de arroz, não sei donde vem o costume: talvez seja um prenúncio votivo de abundância, ou um símbolo do «crescei e multiplicai-vos» (como arroz). Aquela chuva de grãos atravessa as grades, resvala no plano inclinado do respiradouro, e, se não adere à sujidade pegajosa ou à pastilha elástica, ressalta para dentro do subterrâneo. A primeira vez que viu aquele arroz derramado no chão, e sentiu os bagos a estalar-lhe debaixo das botifarras, o limpa-vias não fez caso; varreu-os com o resto do lixo para dentro do saco cilíndrico, com um aro na boca. O arroz limpo e polido brilhava no escuro da galeria. O homem matutou: donde é que viria tanto arroz? O arroz vinha do Céu, como a chuva, a neve, o sol e o raio" Arroz do Céu, José Rodrigues Miguéis
Começo com um enxerto de um dos contos que mais me marcou enquanto criança. O Arroz do Céu de José Rodrigues Miguéis retrata a vida de um imigrante de leste, muito pobre, com sete filhos, a viver nos Estados Unidos da América e a trabalhar no metro e que sustentava a família com o arroz que caia pelos respiradouros do metro, desperdiçado pelos "ricos" de Nova Iorque. Este conto sempre me foi muito próximo porque falava, como já perceberam, de arroz. Confesso que já não o (re)lia há algum tempo, mas sempre que percorro as suas linhas, viajo para a minha infância, para uma noite fria de inverno, sentado à mesa, vendo o arroz preparado pela minha mãe a fumegar. Acho que é daí que vem a minha "panca" pelo arroz. O arroz é um belo alimento. É bonito quando cresce, linhas precisas de hastes verdes brilhantes perdendo-se no horizonte quente do verão. É bonito quando colhido, bagos de ouro recolhidos num celeiro. É bonito quando descascado provocando o surgimento de semente-pérolas. E é bonito quando cozido, branco puro e docemente perfumado.
E porque me voltei a lembrar deste conto? Aconteceu aquando de uma conversa com o chef Jefferson Silva, proprietário das duas casas do Magnum Sushi Bar – a de Leça da Palmeira, aberta em setembro de 2016, e a do Porto, inaugurada em dezembro do mesmo ano. Também ele tem uma relação muito próxima com o arroz. Enquanto criança habituou-se a comer feijão e arroz, comida mais modesta, durante a semana e aos domingos ao jantar, comia também arroz, no momento gastronómico alto da semana, o sushi. A família do Jefferson Silva fez parte da grande imigração japonesa para o Brasil, que começou oficialmente no início do século XX, e que fez com que o Brasil conte hoje com maior população de origem japonesa fora do Japão, com cerca de 1,5 milhão de nipo-brasileiros. Os japoneses levaram para o Brasil frutas, legumes e vegetais que não existiam na culinária brasileira e ainda o sushi. Com o mesmo espírito aventureiro da sua família, o chef Jefferson Silva fez com que o seu sushi atravessa-se o oceano atlântico, desembarcando em Portugal.
Após uns minutos de conversa com Jefferson somos logo cativados pela maneira apaixonada como fala e trata a comida. Respeito pelos ingredientes, critério na sua escolha e competência no seu tratamento. Procura juntar a tradição do sabor e confecção com a inovação da apresentação. A meio da conversa surge o arroz... O arroz de sushi não é um arroz comum em Portugal, como os nossos bem conhecidos carolino ou agulha, mas sim uma espécie cultivada no Japão ou na Califórnia (que estão há mesma latitude e com a mesma exposição solar) com um grão mais curto e com bastante goma que o mantém unido e saboroso após ser cozido. É das poucas casas em Portugal a usar o arroz correcto para a confecção do sushi, e pelo que mais tarde percebi, foi a primeira vez que provei este tipo de arroz. Tive o prazer de conhecer o Magnum Sushi Bar do Porto, no Campo Alegre, mesmo ao lado do Capa Negra II.
Só alguém que conhece o valor do seu trabalho e sabe a riqueza daquilo que produz é que arrisca num espaço contíguo a um best-seller de francesinhas. Se tudo correr como eu penso que vai correr, o Capa Negra II vai passar a ser conhecido como aquele restaurante que fica ao lado do Magnum Sushi Bar :-P
O ambiente dentro do restaurante é muito sereno, sóbrio, simples, mas com muito bom gosto.
O repasto começou com um folhado de legumes. Muito intenso, com uma riqueza aromática incrível, em que a combinação entre o salgado e o picante resulta muito bem. Seguiram-se os bolinhos (Temari) de salmão e queijo, o aroma a fumo e o azedo do queijo aliados ao sabor fresco do salmão concentraram sabores da terra e do mar no palato.
Depois de já ter o estômago confortável com as entradas, dei um passeio pelo restaurante e pude comprovar in loco o respeito com que os ingredientes são tratados naquela casa. O Chef Jefferson fala sempre com muito orgulho da exigência que coloca nas escolha dos produtos que mais tarde serve aos clientes, essa exigência é alicerçada em dois pilares (tenham calma, não vou fazer desenhos como o Nuno Espírito Santo :-P), a qualidade e a frescura. Penso que as fotos transmitem isso mesmo. O que iria acontecer a seguir iria abalar tudo aquilo que eu sabia, ou achava que sabia, sobre sushi.
O sushi, que é a junção do arroz com o peixe cru, foi criado pelos chineses, que o levaram mais tarde para o Japão. Porém, o primeiro sushi japonês de que existem relatos, o Nare-Zushi, era apenas uma forma de manter o peixe e o arroz conservados.
Como não existiam frigoríficos (estávamos no século 8 a.C.) os japoneses usavam arroz cozido para cobrir os peixes e conserva-los através do ácido láctico liberado pela fermentação. Depois de alguns meses, o arroz era totalmente descartado e somente o peixe era consumido. Para fugir do sabor forte da fermentação, foram adicionados temperos e condimentos, além de vegetais e conservas secas, dando origem ao sushi que conhecemos actualmente.
Pude também observar a preparação do arroz. Esta segue o método tradicional de preparar o arroz para sushi. Trata-se não só de conseguir a textura característica que vai lhe permitir ficar junto e estabilizado mas também de extrair o máximo de sabor e goma. Este maneira de preparar o arroz é mais longa e cansativa do que a maneira ocidental, mas é absolutamente fundamental para preparar um bom sushi.
No entanto, e infelizmente, o arroz ainda tinha de esperar, era chegada a vez da Guioza de frango e legumes. O fino invólucro de massa, que inicialmente foi vaporizado, depois selado e mais tarde frito estava delicioso. Crocante por fora, sumarento no interior. Muito, mas mesmo muito bom!!!
Antecedeu o Caldo Ramen com Ovo cozido a baixa temperatura acompanhado com vegetais e noodles. O caldo é muito voluptuoso e rico. Há uma mistura interessaste de sabores que discutem na boca, mas que convivem em plena amizade na alma. As sementes e o cebolinho seduzem o palato e as especiarias levam ao clímax. É quente na boca mas fresco no aroma, esta dicotomia está próxima da perfeição.
E depois, depois, finalmente ... arroz :-P
Que delicia!!! Mal se sente o arroz e a combinação de sabores do Uramaki é de chorar por mais. É daquelas coisas que nunca pensamos, mas na culinária japonesa o principal ingrediente do sushi é o arroz. 80% do sushi é arroz, por isso convém que seja do bom. O ideal para sushi, o gohan é mais resinoso que o convencional. Mas resinoso não significa empapado, o arroz tem de estar junto, mas ao mesmo tempo, cada grão tem de contar uma história diferente. Um pouco como acontece com cada instrumento de uma orquestra.
O resultado foi um arroz suave, saboroso, macio e levemente fresco devido ao vinagre de qualidade que lhe foi adicionado, é servido à temperatura corporal e funciona quase como que uma nuvem que explode no nosso palato. Estou com isto a tentar demonstrar o quão bom estava o arroz, mas por palavras não é fácil :-P
Seguiram-se o Gunkan de Dourada e Gunkan de Atum. O de dourada parecia uma combinação muito saborosa, delicada e rica entre o próprio peixe e a água onde ele tinha vivido. É um Gunkan muito espirituoso, com uma textura amanteigada, quase oleosa com um sabor fresco ousado e apetecível. O final levemente picante é bastante agradável. O Gunkan de atum derrete-se na boca, cremoso, suculento, doce e salgado. Esta textura e sabor fez-me lembrar uma boa peça de Filet mignon, e acho que é por isso que algumas pessoas o chamam de "bife do mar".
Mas o sushi não pode ser "apenas" saboroso, tem que conquistar os olhos antes de agradar ao palato. É por isso que o chef Jefferson não prepara os pratos de qualquer maneira, faz-lo com carinho e muita destreza para que se tornem belos e deliciosos, conseguiu-o com perfeição!!!
Os próximos a desfilar seriam os Nigiri de Salmão e Nigiri de Cavala, espectaculares!!! Degustados de uma vez só, inteiros, transmitem uma perfeita harmonia de peixe, arroz e wasabi.
Sei que muitas pessoas evitam comer cavala em restaurantes japoneses, "cheira demasiado a peixe", pedindo especificamente que o peixe prateado não seja incluído em nenhum prato de sushi. Esta má fama deve-se à sua tendência a ficar no palato durante longos períodos de tempo. O que a maioria das pessoas não sabe é que a cavala é um dos peixes com mais história no sushi tradicional japonês, e é trabalhando nela que os grandes sushimans demonstram todo o seu conhecimento e habilidade. Preparar este peixe requer uma aptidão para a arte de cozinhar e paciência, muita paciência. O resultado final é um perfil de sabor para o qual vale a pena esperar, fresco e untuoso. A que provei estava espectacular, marinada de véspera tinha um sabor muito rico e intenso que ganhava dimensão e complexidade quando misturado com o gengibre. Esse mesmo gengibre, entre o Salmão e a Cavala, permite limpar o palato, de modo a se poder tirar o máximo de sabor de cada um dos peixes.
O Nigiri de Salmão com sua linda cor laranja-pêssego é mais consensual, com uma brisa a peixe mais leve, muito rico e saboroso. As riscas brancas mostram que é um peixe com bastante gordura e que se derrete na boca como manteiga. O caviar dá origem a explosões salgadas na boca que enobrecem toda a experiência degustativa, brilhante!!!
Depois uma invenção do chef, Salmão camarão e abacate, parece uma combinação improvável mas resulta muito bem. Todos os três ingredientes carregam muito sabor e alto teor de gordura, tornando-se desta forma muito compatíveis e que contrastam um pouco com o sabor da soja. É agridoce, com fumo e gordura sedutores. Coloca em confronto sabores contrastantes, terra e mar, tudo em quantidades corretas e precisas para, no final, criar equilíbrio e harmonia. É um princípio fabuloso, do qual fiquei fã :-P
Este menu de degustação foi acompanhado por um Viosinho 2015 da Quinta de Ventozelo, já conhecia e apreciava a casta apaixonei-me pela quinta. É um vinho rico, expressivo e surpreendente. Maracujá, papaia, manga, maçã verde e citrinos no nariz e uma frescura e mineralidade espectaculares no palato. O seu final longo e levemente salgado foi o parceiro ideal para os pratos preparados no Magnum Sushi Bar.
Por falar no espaço e antes que me esqueça, quando entramos no Magnum Sushi Bar somos imediatamente recebidos com uma boa disposição fantástica. Desde a simpatiquissima (e bastante tímida :-P) Natália, até ao divertidíssimo e competente chef. As boas vibrações reinam lá dentro e são exímios na arte de bem receber. E é também por isso (a juntar à excelente comida) que acho que não vou conseguir ficar muito tempo sem lhes voltar a fazer uma visita.
Seguiu-se a melhor peça de sushi (a grande distancia de todas as outras) que já provei até hoje, Gunkan de robalo e foi gras, que coisa genial, uma obra prima!!!
Bastou apenas uns segundos no palato para se transformar numa das maiores experiências gastronómicas que tive. O delicioso sabor do cremoso foie gras em cada pedaço do suculento robalo braseado, pincelado com o requinte do irreverente caviar é demasiado maravilhoso para se conseguir materializar em texto. Acho que é a sabores como este que os Japoneses chamam de umami, delicioso e apetitoso.
E voltando ao arroz, o último prato antes das sobremesas foi um belo de um risoto de cogumelos shitake e lima, quase a relembrar que Magnum Sushi Bar também é gastro italiano :-P Um prato com uma frescura extraordinária, bastante rico, cremoso, com o arroz al dente e que com certeza exigiu que o chef Marco (o responsável pelos pratos Italianos) lhe dedicasse dedicação e atenção. Os cogumelos terrosos complementam a acidez da lima e a textura do risoto. Um minuto de cozedura a menos e estaria cru, um minuto a mais, e estaria pastoso. Costumo dizer que um risoto perfeito deve funcionar como um petit gateau, deve manter a forma, mas quando pressionado deve fluir como que se de lava a sair de um vulcão se tratasse, este estava em estado iminente de erupção :-P
Seguiram-se as sobremesas, creme brulee de ameixa e cheesecake de chá verde. O creme de baunilha estava bastante leve e subtil, com muito sabor a ovo, açúcar caramelizado e ligeiramente queimado no topo. A ameixa torna este creme brulee ainda mais cremoso, original e requintado. Os sabores a fruta aparecem entrelaçados com a cremosidade proporcionando uma bela experiência no palato.
Ainda assim, nas sobremesas destaco, evidentemente, o cheesecake de chá verde. Fresco e cremoso é dinamizado com um redemoinho de notas aromáticas a chá verde. A combinação entre o aroma a terra do chá, a doçura do queijo e as especiarias da crosta é extremamente agradável. O aroma vegetal final deixa-nos com um sabor bastante refrescante e munidos de uma boa quantidade de antioxidantes no organismo. Saboroso e saudável, é possível querermos algo mais que isto?
Gostei de tantos aspectos deste Magnum Sushi Bar que esta publicação se tornou numa das mais longas do blogue. Mas este é um daqueles casos em que o conjunto é muito maior que as somas das partes. Sempre que parto para uma casa onde sou convidado, tenho sempre aquele medo de encontrar uma coisa que não goste, o que iria escrever se não gostasse? Graças a Deus as coisas têm corrido muito bem e tenho podido conhecer espaços maravilhosos como este.
Ainda assim, tenho de destacar o sushi e o arroz (preparados pelos chef Jefferson Silva e pelo chef Osvaldo). Enquanto preparava esta publicação li a seguinte frase de Anthony Bourdain, que por me ser bastante familiar a vou transcrever:
"A primeira vez que eu comi sushi, detestei. E a segunda vez não foi diferente, e então, aos poucos, eu comecei a amá-lo. Hoje realmente anseio por sushi. É uma das refeições mais saudáveis que podemos ter. Hoje percebi quantos anos são necessários para obter o arroz de sushi perfeito. É uma disciplina que leva anos e anos ... e anos. Então, deixo isso para os especialistas. Ah, e mais uma coisa, por favor, não mergulhe o seu nigiri no molho de soja. Não misture seu wasabi no molho de soja. Se o arroz é bom, o sushi não precisa de molhos"
O arroz aqui não é só bom, é completamente arrebatador. Quando a comida que nos é servida nos faz cheirar aromas da infância, como o arroz fumegante da minha mãe ou o belo conto de José Rodrigues Miguéis, podemo-nos sentir abençoados.
Com este arroz divinal, as tais pérolas de mil colares desfeitos, aliado à frescura e qualidade suprema dos ingredientes e alicerçado da mestria do chef Jefferson Silva, não tenho a mínima dúvida que este se vai tornar num dos espaços de referencia da cozinha Japonesa em Portugal.
Há um provérbio Japonês que diz "Treine enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham".
Obrigado pelo convite Jefferson, que possas viver aquilo que sonhas, sem qualquer mínima dúvida mereces!!!
Espero sinceramente que na próxima vez que vos ligue a tentar reservar uma mesa, ouça do outro lado: «infelizmente para hoje estamos com lotação esgotada» :-P
Magnum Sushi Bar
Rua do Cambo Alegre, Business Center Lj 1 e 2
Telm:910415777
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