Quinta de la Rosa | A semente sem medo da neve
"Alguns dizem que o amor é um rio que afoga a erva macia. Outros dizem que o amor, é uma navalha, que deixa a tua alma a sangrar. Alguns dizem que o amor é fome, uma necessidade dolorosa que nunca acaba. Eu digo que o amor é uma flor..."
A rosa, André Rieu
Quem acompanha o facebook do blogue já percebeu que parte das minhas férias deste ano foram passadas a regar a paixão que tenho pelo Douro e pelas suas gentes. Em dois desses dias tive a oportunidade de conhecer a incrível Quinta de la Rosa. Uma enigmática propriedade duriense situada no Pinhão, em pleno Douro Património Mundial da Humanidade. Famosa pelos seus vinhos do Porto e do Douro, rejuvenesceu agora com a casa de hóspedes, o espaço de enoturismo, uma espectacular sala de provas e o restaurante Cozinha da Clara.
A história desta quinta, co-propriedade de Sophia Bergqvist e carregada de rosas começa no inicio do século XIX, intimamente ligada à compra e venda de vinho do Porto. Mais tarde, a quinta de La Rosa foi oferecida à avó de Sophia, Claire Feuerheerd, como presente de baptismo (1907). Com a grande depressão dos anos 30 chegaram também as dificuldades financeiras e a solução encontrada para a sobrevivência da quinta foi a venda de uvas à Sandeman e à Croft. Foi o tempo em que a semente da de la Rosa teve de hibernar para aguentar a neve amarga do inverno.
Essa semente brota finalmente uma flor meio século depois, quando a quinta começa a produzir os seus próprios vinhos do Porto e Douro. Chega aos nossos dias resplandecente, carregada de prémios e reconhecimento. Penso que com esses tempos de dificuldades aprenderam que neste (como noutros negócios) parar é morrer. Daí estas novas apostas...
Como a viagem entre o Minho e o Douro ainda é longa, sobretudo quando se viaja com uma bebé, chegamos à quinta cheios de vontade de petiscar.
As asinhas de frango, a alheira com queijo e as batatas bravas foram o tónico extra que o estômago precisava para deixar de reclamar :-P
O passeio pela propriedade transporta-nos para a nostalgia do antigamente com as mordomias do presente. A generosidade e hospitalidade pairam no ar, há quem diga que é este o legado de Claire.
Foi o primeiro banho da Bia com vista para o Douro, o difícil foi mesmo conseguir que saísse da piscina... Fisicamente até pode ser parecida com a mãe, mas turístico-eno-gastronomicamente é totalmente ... pai :-P
Depois, ao jantar foi o tempo de conhecer a Cozinha da Clara. Um nome carregado de significado uma vez que é também uma homenagem à avó de Sophia Bergqvist. O grafismo do logótipo do Cozinha da Clara reporta-nos precisamente para a caligrafia de Claire Feuerheerd, uma grande mulher com um gosto nato pela cozinha.
Inspirada por grandes nomes da gastronomia, deixou uma herança em forma de aromas e sabores que este restaurante agora eterniza.
Começamos com os cumprimentos do chefe, um gaspacho de tomate coração de boi e fio de azeite La rosa, muito fresco, rico e saboroso. Não sou muito fã de gaspachos de tomate, mas este estava muito bom e sem exageros ao nível do tempero. Simples e eficaz :-P O tomate iria ser o denominador comum deste jantar uma vez que a Cozinha da Clara participou este ano no concurso do “Tomate Coração de Boi do Douro”, do qual resultou este menu. O prato seguinte foi uma salada de tomate com escabeche de sardinha. Existia uma harmonia muito engraçada entre a doçura da cebola confitada, a acidez do azeite e o sabor intenso da sardinha.
Foi acompanhada por um surpreendente Quinta de la Rosa Reserva 2016, seco, complexo e com aroma a flor de citrinos aliado a suaves notas de fruta tropical. É um vinho com pulso, e só um vinho com pulso aguentaria a intensidade desta sardinha.
Enquanto esperava pelo prato de carne visitei a cozinha da Cozinha. Ao seu leme está o chefe Pedro Cardoso, a fazer dupla na sala com Pedro Esteves. São os rostos mais visíveis de uma vasta equipa. Dois jovens que trabalharam juntos durante uma década no restaurante do Aquapura Douro Valley, actual Six Senses e que apostam na gastronomia de raiz portuguesa, privilegiando produtos locais e sazonais, mas complementada e sem esquecer a herança gastronómica da família, com pratos do receituário da avó Clara.
Resumindo, uma cozinha cuja filosofia é alimentada pela simplicidade mas com requinte. Já estava com vontade de por o palato no Lombelo de porco com milhos de tomate em duas texturas e jus, mesmo antes de estar na mesa :-P Cozinhado no ponto, o corte grosso permitiu que depois de cozinhado o lombo se mantivesse húmido e bastante agradável. É um prato que funciona em conjunto. Foi harmonizado com um Quinta de La Rosa Reserva Tinto 2014, carregado de fruta preta e vermelha muito madura e gulosa, baunilha, cacau e frutos secos.
Expressa de forma incrível o terroir do Douro, conjugando de forma magistral a adstringência dos taninos com a acidez e doçura das uvas. Voltando à comida, gostei bastante do contraste aromático que o chefe deu à doçura do milho e à frescura do molho. A carne estava densa mas suave, conferindo uma sensação de delicadeza ao lombelo, mas mantendo o sabor intenso à carne. Esta dictomia entre classe e tradição iluminou-me o prato e foi abrilhantada pela a intensidade e corpo do vinho.
Antes da sobremesa ainda houve tempo para dar um salto a uma lagarada, onde a familia Bergqvist, os funcionários da quinta, os hóspedes e alguns amigos marcaram presença. A lagarada é um dos momentos mais aguardados na época das vindimas. Marcada pela conversa, alegria, música e muita animação. Ali respirava-se literalmente vinho, ao som de música tradicional e gargalhadas; ali ainda se vive alma abnegadamente feliz das gentes do Douro.
Tanta euforia mascarada de tradição abriu caminho à sobremesa: O Tomate e o queijo na interpretação do chefe Pedro Cardoso. Muito equilibrada e complexa, quer ao nível do sabor, quer ao nível da textura. O aroma do sorvete de tomate era ainda mais saboroso do que eu esperava. Era realmente muito intenso. Doce, cremoso, suavemente condimentado e com muitas notas deliciosas de tomate "adocicado". Se fechasse os olhos, pensaria certamente que estaria a experimentar uma mistura de manga, morango e tomate. Foi enobrecida com a companhia de um Tawny Quinta de La Rosa 20 Anos. E sem exagero algum, digo-vos que foi dos melhores 20 anos que provei.
Emana aromas encantadoramente complexos, poderosos e densos a amêndoas, nozes, especiarias, mel e caramelo. As suaves notas a citrinos e a diversidade de aromas são resultantes dos 20 anos de envelhecimento em madeira nobre. No palato é rico e concentrado proporcionando um final suave, sedutor, complexo e longo. É um 20 anos vestido com traje de gala dourado, muito, mas mesmo muito bom. O chefe de sala Pedro Esteves, procurando imortalizar a noite, deu-nos ainda a provar o Quinta de la Rosa Vintage 2005, carregado de fruta preta em compota, taninos muito polidos e uma acidez vibrante.
É um vinho admirável ao nível da sua textura, comprimento, complexidade e harmonia. É daqueles com quem podemos conversar largos minutos, enquanto contemplamos o Douro. O espaço onde hoje se insere o restaurante, era inicialmente um armazém de vinhos, o que faz aumentar ainda mais o carácter sedutor do local. Ao utilizar matérias primas locais, como o xisto e a madeira, faz com que seja impossível não sermos arrebatados pela magia do espaço. Depois deste jantar incrível era tempo de ir dormir com um número na cabeça, 2005 :-P
O dia amanheceu sorrindo, com o sol na janela e a energia do Douro no ar. Depois de contemplar, mais uma vez, o cenário idílico onde a quinta se insere, voltei a provar o Quinta de la Rosa Vintage 2005 logo pela manhã. Nahhhhh, estou na brincadeira :-P O pequeno almoço buffet é servido no restaurante. A oferta é vasta, desde os produtos tipicamente regionais como os queijos e os enchidos até às frutas e aos deliciosos croissants passando pelas compotas caseiras e sumos naturais. Tudo aquilo que é necessário para que temperarmos a alma e afagarmos o estômago.
Antes de irmos embora, tivemos a oportunidade de conhecer o lagar e as caves. Aqui as sementes em forma de vinho também repousam, a passarem calmamente os invernos, até que a primavera chegue, e sejam engarrafados... Esta família tem uma tradição muito engraçada. Quando nasce uma criança, oferecem-lhe uma pipa de vinho do Porto, para que essa criança, ao longo da sua vida possa ir bebendo um vinho que nasceu no mesmo ano. As prendas nesta família são TOP :-P
A letra da música de André Rieu com que iniciei esta viagem pela Quinta de La Rosa, acaba com uma metáfora em que devemos pensar quando as coisas não nos estão a correr tão bem quanto queríamos: "no inverno, nos tempos difíceis, abaixo da neve amarga, descansa a semente que com o amor do Sol, na primavera será a rosa".
Quando me contaram a história desta quinta associei-a imediatamente a esta metáfora, ainda bem que o amor do Sol permitiu que a Quinta de La Rosa brotasse com esta magia contagiante, parabéns a todos os que souberam descansar, abaixo da neve amarga, até que a primavera chegasse!!!
Deixem-me só acrescentar mais uma coisa, o André Rieu diz que o amor é uma flor, para mim são duas, as minhas princesas, que tornaram este fim de semana ainda mais memorável.