Six Senses Douro Valley | O paradoxo de Galileu
"Há dias, muitos dias, em que ficamos zangados com o tamanho do nosso conjunto ilimitado. Porque queríamos mais números do que aqueles que provavelmente vamos ter, buscamos uma eternidade dentro dos nossos dias numerados. Alguns infinitos são maiores que outros… " John Green
Ao longo das últimas duas décadas, a Six Senses chamou para si o reconhecimento internacional como a cadeia hoteleira líder no sector de luxo, mantendo ao mesmo tempo o foco em questões ambientais e na preservação do terroir dos espaços onde constrói os seus resorts. Este peso pesado da hotelaria além-fronteiras escolheu a paisagem natural, preservada e Património Mundial do Vale do Douro para criar o seu primeiro hotel na Europa, procurando trazer para Portugal amantes do vinho, ansiosos para provar, cheirar, tocar e perceber o Vale do Douro. Esses turistas são também atraídos pela merecida reputação desta cadeia, por combinar eximiamente luxo e bem-estar.
Tive a honra e o prazer de conhecer o Six Senses Douro Valley na companhia das minhas duas princesas. Depois de percorrermos um longo caminho de acesso em paralelo, por entre socalcos e patamares cobertos de vinhas, encontramos um hotel onde até mesmo o mais pequeno detalhe foi cuidadosamente ponderado. A casa da quinta datada do Séc. XIX tem um design de interior hodierno onde se combinam elementos da arquitectura tradicional portuguesa e o inimitável estilo Six Senses. De Nova York chegaram as ideias para a decoração do seu interior, que fizeram sobressair a luz e a alma neste edifício. Da hospitalidade duriense bebeu inspiração o estilo intimista, confortável e sereno. Dos azulejos azuis e brancos, pisos de granito, tectos de cortiça e folhas de ouro nas paredes é relembrada a alma lusitana. Da arte moderna surgiu um toque contemporâneo que embala o ambiente.
Os funcionários e serviço são incríveis. Com uma simpatia assombrosa, sempre disponíveis e dotados de um saber-fazer com discrição, procuram que a nossa estadia seja nada menos que memorável. São imensos os pormenores (que se transformaram em "pormaiores") que vos podia falar para demonstrar essa fabulosa capacidade de bem-receber, no entanto vou destacar apenas 3. Quando perguntei a um dos funcionários se havia uma farmácia nas imediações do hotel para comprar um medicamento para a Bia, que estava constipada, o mesmo prontificou-se logo para ir buscar esse medicamento à Régua. Eu disse que preferia ir eu. Quando cheguei à entrada do hotel já lá se encontrava o carro, ligado, com a porta aberta e com a chave na ignição. Nos dias em que estivemos no Hotel quase todos os funcionários perguntavam se a "menina Beatriz já estava melhor". Tinha dito o nome dela apenas a um deles.
Andando nesta "coisa dos blogues" já há mais de três anos, começou a ser raro entrar num quarto de hotel e ficar completamente arrebatado e sem reacção, mas no Six Senses foi exactamente isso que aconteceu, não só a mim, mas também com o resto da família. Como uma das paredes é um vidro, parece que estamos num espaço que prolonga o quarto até ao rio, e nos traz o rio de volta até ao quarto. Em qualquer local, desde a casa de banho até à zona de convívio é possível ter essa vista encantada para o exterior e para as restantes partes do quarto. No chão há carvalho português, nas camas lençóis de algodão macios cobertos com tecidos de lã locais e na casa de banho sabonetes com menta e citrinos que perfumam todo o quarto com um aroma absolutamente divino.
A Six Senses criou ainda neste hotel aquele que provavelmente é o melhor spa em Portugal, pelo menos de entre aqueles que tive a oportunidade de visitar. Há uma piscina finita no tamanho mas infinita nas sensações que promove, ginásio, sauna, banho turco e salas de massagem com vista para os jardins do hotel. Há ainda um ginásio, um centro de estética e um espaço para ioga e pilates onde podemos ficar suspensos de cabeça para baixo nas árvores, presos por fitas. A Clarisse experimentou uma das massagens, regressou uns anos mais nova :P Enquanto isso, fui com a Bia até à Biblioteca do Vinho para uma prova de cortesia. Estas provas, em longas e belas mesas de madeira, acompanhadas por pedaços saborosos de presunto, queijo, bolachas e chocolates são um complemento perfeito para os winelovers.
Neste espaço existem ainda ecrãs tácteis ligados ao Museu do Douro e à vasta informação sobre quintas e castas que o museu disponibiliza. Já à noite descobrimos o restaurante do Hotel, o Vale de Abraão, que é um problema ... para quem estiver de dieta. Especialista em pratos tradicionais portugueses exibe uma lista de vinhos que apresenta o melhor do Douro. Nele encontramos 3 ambientes distintos: uma Open Kitchen com forno de lenha, um Josper grill e uma lareira de grandes proporções, bem como espaços descontraídos onde podemos provar especialidades regionais às quais foram dadas um toque de inovação.
Quase todos os pratos são inspirados nas receitas tradicionais portuguesas e produzidos com ingredientes de origem local, mas os chefes acrescentam sempre um toque artístico, resultando numa apresentação contemporânea, bastante bonita. O primeiro desses pratos que tivemos o prazer de degustar foi uma Tempura do mar e da terra com maionese de caril e lima. Os cogumelos e algas muito crocantes tinham uma textura incrível, cujo sabor combinava na perfeição com o doce do caril e as suas 18 especiarias. Essas especiarias e picante preenchiam todo o palato, perfumando-o com uma certa orientalidade, que complexou todo o prato.
Da Bairrada chegou a frescura que equilibrou a bomba aromática que era a tempura, o Espumante Six Senses Extra Reserva 2015. De bolha muito fina, é bastante jovem no nariz, com notas de pão, alperce, maçã e pêra. Na boca, é fresco, elegante, intenso, complexo e bastante equilibrado. Seguiu-se um dos pratos que mais me marcou neste ano, a Tomatada de São João.
Uma roda viva de texturas, aromas, intensidades, cores e sabores. Como é que algo aparentemente tão simples se pode tornar em algo tão complexo? Pensem numa "salada de fruta" com diferentes tomates e pimentos, com diferentes niveis de confecção e "crocâncias". Muito intenso, rico, exuberante e festivo. Se houvessem sardinhas assadas diria que estavamos no S. João :-P Percebi nesse momento o nome dado ao prato...
A Couve flôr com caril chegou uns momentos depois e com ela vieram também o coco, as alcaparras e o exotismo. A couve serviu como uma "esponja" que absorveu todos os diferente aromas resultantes do processo de confeccção. Quer a couve, quer a tomatada foram acompanhadas pelo surprendente Six Senses Reserva Branco 2015.
A sua complexidade aromática completou a Couve flôr com caril, e a sua mineralidade e frescura crocante destacaram os aromas da Tomatada de São João. Este vinho promove ainda um interessante jogo entre a tosta da barrica e os aromas a maracuja, menta e citrinos. É muito delicado e persistente.
Se a tomatada foi dos pratos que mais me marcou, a Pá de cordeiro com arroz de miúdos, batata à murro e grelos é daqueles que dificilmente me esquecerei. Tem tudo, desde apresentação, sabor, terroir e aquela dose de espectáculo, que de vez em quando faz falta num restaurante. A batata assada algo doce cresceu em sabor com o molho de cerveja, a cebola caramelizada e a intensidade dos grelos. O caril no arroz fez todo o menu ter sentido e realçou o sabor dos miúdos.
Por sua vez, o arroz parece um risoto, mas mais "seco", sem aquela gordura característica, quase como se tivesse sido reduzido, ganhando desta forma, sabor e profundidade. O cordeiro confitado e após sangramento das veias, estava perfeito, com imenso sabor, carregado de aromas, sucos e elegância. A menta introduziu notas frescas que equilibraram todo o prato e fizeram uma agradável e bem pensada ponte enogastronómica com o Six Senses Douro Red 2014.
Elegante e com boa acidez, de grande profundidade, com elevada densidade de aroma a cerejas, morangos e amoras, alguma ameixa e um delicioso toque fumado. A barrica amansou os taninos, suavizando o seu poder e originando um vinho equilibrado, voluptuoso e aveludado. Subtileza e elegância em forma líquida.
A refeição acabou com pompa e circunstância através do Queijo queimado. Uma espécie de cheesecake, com uma espécie de queimado de leite creme, resultando numa espécie de obra prima dos sabores. Quando o começamos a provar surgem primeiro as notas daquele crocante do pudim queimado, mais tarde aparecem os aromas do queijo que perduram no palato. Os frutos silvestres moderam um pouco a untuosidade do queijo. É guloso, fresco e fino.
O Porto Six Senses Tawny 10 anos fez com que os aromas a baunilha e frutos silvestres da sobremesa se prolongassem no vinho. Surgiram ainda nozes e uvas passas, num equilíbrio perfeito entre fruta e madeira. Encorpado, complexo e com um final longo, foi o parceiro ideal para este Queijo queimado.
O dia amanheceu bonito, umas horas depois. Após a Bia ter posto "em dia" os seus desenhos animados favoritos, era a chegada a hora do pequeno almoço que contemplava uma seleção de queijos e charcutaria portugueses, bem como, uma variedade de pratos quentes e inúmeros legumes produzidos no jardim orgânico do Hotel.
Existem ainda zonas de preparação equipadas com fogões - onde são confeccionados pratos com alimentos frescos, na hora e nos quais os hóspedes têm uma participação activa na escolha dos ingredientes. Estes pratos são completados com itens do buffet. Há ainda uma zona de pastelaria, com uma vasta oferta de pastéis oriundos de diferentes pontos da Europa. A Open Kitchen tem ainda uma estante repleta de pickles de vegetais e de fruta, confecionados no hotel, que preenchem a sala de cor e harmonia. Ljubomir Stanisic (que em 2011 integrou o painel de jurados da primeira edição do programa televiso Masterchef Portugal) ocupa o cargo de Consulting Executive Chef deste restaurante.
Conhecido pelo seu carácter forte, pela sua abordagem extremamente criativa e pelos maravilhosos sabores das suas criações, deixou uma marca clara nos menus disponíveis no Six Senses Douro Valley, até mesmo nos de pequeno almoço. Em maio de 2017, Luis Borlido foi promovido a Head Chef do Six Senses Douro Valley. Após uma agradável conversa matinal com o Luís percebi que a filosofia do Vale Abrãao consiste numa mistura de fine dining e tradição, com pratos compostos quase sempre por produtos sazonais, orgânicos, produzidos localmente, e processados o mínimo possível e que espelhem os valores da marca Six Senses: bem-estar, sustentabilidade ambiental e social e sensibilidade global.
Se, como eu, são amantes do Vale do Douro e dos seus vinhos, visitem pelo menos uma vez na vida o Six Senses Douro Valley, vão pensar que adormeceram e acordaram no céu que está reservado para os winelovers. Apaixonei-me por este hotel do mesmo jeito que alguém cai no sono: gradativamente e de repente, de uma hora para outra.
Para não dizerem que estou sempre a exagerar e a falar de amor nas minhas publicações, vou falar-vos de matemática. Existe uma quantidade infinita de números entre 0 e 1. Há o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma infinidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1000. é por isso que alguns infinitos são maiores que outros, este é o paradoxo de Galileu.
Há dias, muitos dias, em que ficamos zangados com o tamanho do nosso conjunto ilimitado. Queríamos mais números do que aqueles que provavelmente vamos ter. Queríamos mais dias, mais tempo, mais vida.
Estes dias no Six Senses Douro Valley deram-me uma pequena eternidade dentro dos meus dias numerados, e estou-vos muito grato por isso.
Alguns infinitos são maiores que outros, há também hotéis (excelentes) melhores que outros (também excelentes). Este é por muitos tido como o melhor hotel do mundo, disso não vos posso falar, mas é sem margem para dúvidas o melhor hotel em que estivemos...
Obrigado Joana van Zeller pelo convite e por esta bela lição de Matemática ;P