Adegga WineMarket Porto 2018 | Impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso
"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. Na verdade, isto não tem muita importância. O que realmente interessa, não é a noite em si ... são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado." William Shakespeare
A história desta publicação começa em 1867, ano em que a filoxera chega a Portugal, entrando pela região do Douro e rapidamente alastrando a quase todas as vinhas do país. Este insecto ataca a raiz da videira para se alimentar da sua seiva, provocando a morte lenta da planta. A filoxera destruiu por completo as vinhas de muitas regiões e vestiu de luto extensas áreas da paisagem rural. Aumentou significativamente os custos de produção do vinho e banalizou a cultura da vinha americana, contribuindo desta forma para a quebra de qualidade dos vinhos e respectiva desvalorização.
Amaldiçoou viticultores, obrigou à emigração de agricultores e dizimou muitas freguesias que tinham como fonte de rendimento o vinho. A forma de combater esta doença foi descoberta, quase por acaso, quando se constatou que as videiras americanas eram resistentes a esta praga. A partir dessa descoberta, as videiras portuguesas e grande parte das europeias passaram a ser enxertadas com raízes americanas, prática muito comum ainda nos dias de hoje.
Depois desta "quase extinção", duas grandes guerras mundiais e graves crises económicas sucessivas, os vinhos produzidos em Portugal, relembrando uma fénix renascida das cinzas, têm vindo a conquistar o seu espaço. São nomeações, prémios e conquistas internacionais, símbolos da sua qualidade e identidade.
E é também para celebrar esse renascimento das cinzas que o Adegga WineMarket Porto 2018 foi pensado. É um evento que nos reúne em torno do vinho, aproximando produtores e consumidores, através de experiências únicas.
Apesar de ser um evento de vinhos e de tudo gravitar à sua volta, num ambiente descontraído, este ano existiram algumas inovações, como a mesa do chef onde os vinhos eram harmonizados com a comida (parabéns Symington Family Estates e Chef Hugo Rocha do VINUM), o Adegga Rising Stars destinado a promover novos enólogos e projectos em ascensão e o Palco Adegga onde em 45 minutos foi possível descobrir novos produtos e produtores.
Foi uma tarde incrível de provas onde podemos conversar com os 50 produtores e descobrir os mais de 500 vinhos, dos quais destaco nos brancos, a fruta, notas florais de esteva, espargos e mineralidade do Real Companhia Velha Quinta do Síbio Field Blend Branco 2015. Equilibrado, complexo,intenso, longo e com uma excelente acidez.
Nos tintos, realce para o Pinot Noir português (:-P), o Niepoort Poeirinho 2015. No nariz mostra-se muito complexo com cerejas, morangos, amoras pretas, frutos silvestres e violetas. É muito aromático, puro e com classe. Mais tarde surgem notas minerais, mar e azeitonas. A excelente acidez e os taninos com garra fazem-nos antever-lhe uma excelente evolução em garrafa. O fim da boca é refrescante, longo e carregado de terroir.
E se a tarde já estava a ser incrível, estava prestes a tornar-se memorável com a subida à sala Premium, com 35 vinhos raros e especiais, topos de gama, brancos, tintos, Porto e Madeira antigos. A prova nesta sala foi superior e conhecedoramente acompanhada pelos sommeliers Pedro Ferreira (Restaurante Pedro Lemos) e Edgar Alendouro (Restaurante Euskalduna).
Faço já uma declaração de interesses, esta, foi para mim, a melhor edição do Adegga WineMarket Porto e também a melhor sala Premium, pelo que se torna um pouco difícil seleccionar os que mais me agradaram. No entanto, os 7 que vou destacar, para além de me terem conquistado já no dia da prova, foram também aqueles nos quais ainda continuo a pensar, por terem acrescentando alguma subjectividade às minhas notas objectivas.
Vinhas com mais de 80 anos originaram os aromas intensos e elegantes a lima, toranja, esteva, ameixa, salinidade e fumo ligeiro do Quinta Maria Izabel Vinhas da Princesa 2015. Estruturado e com excelente volume, é um branco complexo, com final suave e deliciosamente fresco.
Resultando do trabalho conjunto de 3 enólogos, Filipe Cardoso, Luís Simões e José Nunes Caninhas e de uvas Castelão provenientes de 3 casas, o Trois Castelão Tinto 2015 é surpreendente. Frutado, evidenciando compota de ameixa, framboesa, frutos silvestres, couro e pimenta preta. É também carnudo, intenso, encorpado e bastante longo.
Depois um vinho, que segundo me transmitiram, nasce do sonho, da vontade e do amor. É a homenagem a José Ribeiro Vieira e à sua obra. Uma evocação a alguém que acreditava na terra, nos afectos e no saber. À coragem de escrever o que pensava. Este vinho é a sua última Crónica. A que não escreveu, e a que a sua família escreveu por si, o Herdade do Rocim Crónica #328 Reserva tinto 2015.
Notas a sous-bois, resina, cedro, pinho, grafite mineral, noz moscada e alcatrão, numa mistura tímida e elegante. Sólido, fresco, gracioso, profundo e vivo. Gostei mesmo muito...
Depois de no ano passado me ter ensinado a pensar uma flor, tive a oportunidade de embarcar numa viagem no tempo e nas palavras de Álvaro Martinho, por um Douro mais agarrado à terra, explicado desde a raiz à extremidade da videira, tendo os aromas como protagonistas, com o Mafarrico “A Minha Vinha” 2015.
Um vinho elegante, com cerejas, frutos do bosque, ameixa preta, coentros e pimenta da Jamaica. Muito preciso, com identidade, delicadeza, elegância, frescura e persistência. O homem e a sua obra ficaram registados em simultâneo na foto acima ;-)
Ultima paragem antes dos fortificados: Robustus 2008, em versão magnum. Com aromas a frutos silvestres, amoras, ameixas pretas, violetas, esteva, cedro, tabaco, café, mel e com taninos muitíssimo bem integrados.
É rico, bastante complexo, equilibrado, harmonioso, incrivelmente fresco e saudosamente longo. O nome Robustus presta homenagem ao primeiro vinho de Dirk Niepoort com o mesmo nome mas que nunca chegou a ser comercializado. Dirk bebeu inspiração nos grandes vinhos velhos de antigamente, nos quais o estágio prolongado em barrica usada era utilizado para amaciar os taninos.
O Blandy’s 50 anos Malmsey, foi uma incrível surpresa. A Malmsey ou Malvasia, é uma casta que provém maioritariamente da região de São Jorge, situado na encosta norte da ilha da Madeira, sendo a mais afamada das castas brancas, rica em açúcares e acidez. Uma combinação perfeita para este estilo rico de vinho Madeira, que após meio século de evolução, originou um néctar com uma cor âmbar sob um véu verde. No nariz exibe-se cítrico, vibrante e com um floral doce, enquanto que na boca se metamorfoseia (esta palavra existe? ;-)) para um inicial seco, salgado, picante, com nozes e um final mais doce, mineral e fresco, com caramelo, compota de pêra e chocolate. É camaleónico, incrivelmente longo, untuoso e rico.
E depois ... o grande momento da tarde, o Quinta do Noval Nacional 2003. E para vos falar deste vinho, temos de regressar ao inicio da publicação e à filoxera. Uma pequena parcela de videiras de pé franco, no coração da vinha da Quinta do Noval, sobreviveu ao ataque impiedoso da praga. Estas uvas, plantadas em pé franco não são modificadas pelas características de um porta-enxerto americano. Desta forma, a qualidade e identidade das uvas melhoram a cada vindima, assim como são também reflectidas, com mais intensidade, as características do terroir de onde elas provêm. A denominação “Nacional” relembra isso mesmo, o facto destas videiras Portuguesas crescerem exclusivamente no Douro em solo Português, sem porta-enxerto Americano, e por isso, directamente enraizadas no solo lusitano, é algo nosso, algo impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso, um sonho, como refere Fernando Pessoa no Livro do Desassossego.
Um sonho de um ano quente, de noites quentes de Verão tórridas (45º durante o dia e 30º à noite), e com temperaturas anormalmente altas durante a vindima que originaram um vinho com qualidade excepcional. Com mar salgado, pimenta preta, ameixa, figos e amoras. Profundo, concentrado, ainda jovem, opaco, pouco conversador, com taninos maduros, densos e firmes. Um grande vinho com a frescura, pureza e longevidade da alma lusitana a emergir no final.
Acrescentando a tal subjectividade a estas notas, fez-me pensar no sorriso da minha filha quando acorda, ainda não está totalmente desperta, mas percebemos imediatamente que o decorrer do dia será, mais uma vez, deliciosamente bonito.
Obrigado ao Adegga WineMarket Porto 2018, especialmente ao André Ribeirinho, por mais uma ode ao que é nosso, ao que é impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso. O que realmente interessa, não é a pertença em si ... são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado, e que mais uma vez os recordamos e os celebramos juntos, com um copo de vinho na mão. À nossa ;-)