Quinta Madre de Água | O milagre segundo Benjamin Franklin
"As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano e o movimento circular das estrelas. No entanto elas passam por si mesmas sem se admirarem." Santo Agostinho
Tudo tem uma história. Como nasce, como cresce, e como chega até nós. As quintas também as têm. A desta começa em 2007, por entre bagos e vinhedos, com um regressar às origens, através de um projecto sustentado que respeita a natureza, o homem, as artes e as tradições. Insere-se num local pitoresco e com paisagens deslumbrantes, autênticos quadros vivos onde predominam vales de terras férteis, vinhas, árvores e animais selvagens.
O sonho da Quinta Madre de Água começou com a compra de 16 hectares de terreno, onde existiam algumas construções em pedra granítica, uma parcela de vinha com 40 anos, muitas oliveiras, carvalhos, castanheiros, pinheiros, cerejeiras centenárias, formações rochosas da era Glaciar e muitos poços de água: daí o logotipo da quinta exibir uma representação dos cristais da água.
A Quinta conta agora com uma queijaria, uma adega, uma coudelaria, um hotel de charme com 10 quartos, uma piscina e um restaurante, no qual se recebem os hóspedes em ambiente familiar e descontraído, onde são servidos, entre outros, os melhores néctares da Madre de Água. Os quartos são amplos e de traços despretensiosos, originando espaços de charme onde a concepção contemporânea abraçou o conforto tradicional, num ambiente de intimidade e paz.
Mal chegamos ao nosso, com vista para a piscina, a Bia começou logo a exigir energéticamente a "Bah, bah, bah!!!" que no dialecto dela significa água :P Quanto a mim, conhecendo já o Madre de Água Touriga Nacional 2011 com os seus aromas a violetas, frutos silvestres, ameixa, cassis, taninos redondos e concentrados, a estruturarem a sua frescura, complexidade e elegância, estava já muito curioso para conhecer os restantes vinhos da Quinta.
Seriam apenas mais 8 ;) Iriam acompanhar os pratos do jantar, num restaurante onde impera uma cozinha de fusão harmoniosa das carnes e enchidos da região, intensa de sabores e experiências, inevitavelmente conjugados com os legumes, as hortaliças, o azeite e o queijo, também produzidos na propriedade.
O Chefe Filipe Pinto, para além de ter nascido na grande colheita de 1983, procura manter as raízes tradicionais da região, promovendo criações gastronómicas com evidente marca de autor através de experiências sensoriais únicas e paladares muito particulares. Os pratos vêm para a mesa, leves e coloridos, com uma apresentação muito simples mas requintada.
A Bia inaugurou as hostes com uma sopa de legumes. Para variar queria arroz para acompanhar. Sem termos tempo sequer para fazer o pedido à amável chefe de sala Vanessa Santos, já o arroz se encontrava na mesa, feito na hora. Para os adultos o repasto começou com um folhado de Queijo Madre de Água, misto de salada, frutos secos e mel de urze.
Uma espécie de rissol serrano em que a voluptuosidade do queijo era compensada pela acidez e doçura do mel de urze. Foi acompanhado pelas violetas, rosas, lima e pinha do Terras Madre de Água Encruzado 2017. Um equilíbrio quase perfeito entre açúcar e acidez, originando um vinho muito sério, untuoso e elegante.
O menu do restaurante inclui diversas especialidades, sendo a mais procurada o Cabrito Assado à Madre de Água, que tivemos o privilégio de experimentar. As batatas assadas fizeram-me lembrar as da minha sogra, muito bem confeccionadas mas sem ganharem aquela capa crocante, tendo com isso absorvido alguns dos sucos da carne. A crocância foi trazida pelos legumes. O cabrito estava carregado de sabor, intensidade, tenrura e suculência. Percebe-se claramente o porquê da sua fama :-P
Dos tintos que acompanharam a carne, acho que aquele que resultou melhor foi o Terras Madre de Água Touriga Nacional Tinto 2012. Um parente "mais pobre" que o Madre de Água Touriga Nacional 2011, mas em que notas de rosmaninho e tosta engrandeceram o prato, não o ofuscando.
Para a sobremesa fomos brindados com uma triologia, gelado de pistáchio, arroz doce e leite creme. Um mix de frescura e conforto que resultou muito bem. Foi acompanhado, e sei que aqui não vou ser consensual, pelo melhor vinho da refeição, e já agora, pelo melhor vinho da Quinta Madre de Água, o Experimentum Syrah 2016. Adorei os aromas de amoras, ameixa e mirtillos aliados às notas de pimenta, menta e cacau. Também combinaria muito bem com a carne, mas acho que acrescentou irreverência à sobremesa, dando-lhe a mão enogastronómica através da canela.
Na manhã seguinte, ainda houve tempo para conhecer o resto dos cantos da casa. O projecto engloba também uma queijaria, que alia a tradição às novas tecnologias na arte de produzir o famoso queijo da Serra da Estrela certificado, um ovil e um rebanho de 500 ovelhas da raça bordaleira (que enquanto comem ou são ordinhadas ouvem musica clássica) e uma coudelaria que enaltece e preserva o cavalo de pura raça Lusitana.
Escusado será dizer que a Bia adorou esta parte da visita. Existem muitas outras coisas para conhecer nesta quinta, ainda haveria muito para contar, mas a publicação já vai longa. Gostaria apenas de acrescentar que, e como tem de ser, todo este "produto" Quinta Madre de Água é assente na qualidade dos vinhos que ali são produzidos. E não deixa de ser curioso que ela personifica uma saudável relação, existente já deste os templos bíblicos, entre a água e o vinho.
Todos nós já ouvimos falar da conversão de água em vinho nas bodas de Caná. No entanto, esta transformação não cessou aí, é feita todos os dias, colheita após colheita, diante dos nossos olhos. Começa com a chuva que desce do céu sobre as vinhas, para entrar depois nas raízes das videiras, sendo finalmente transformada em vinho. Segundo Benjamin Franklin, esta é uma prova constante de que Deus nos ama e gosta de nos ver felizes. Concordo com ele ;)