Hotel da Música | Wanderlust de 1762
"Resumidamente, o conhecimento do pequeno Wolfgangerl quando saiu de casa é apenas uma sombra daquilo que é agora. É completamente inacreditável... Demos um concerto no passado dia 18 e todos ficaram surpresos. Ele está incrivelmente feliz, mas também muito desobediente. A pequena Nannerl já não vive mais na sombra do irmão e brinca com tanta habilidade que toda a gente fala dela e se maravilha com o seu sorriso."
Leopold Mozart, pai de Wolfgangerl Mozart
1762 é um ano que poucas vezes vimos relembrado e muito provavelmente, nem sequer foram os 12 meses mais efervescentes da história. Apesar destas premissas, é em 1762 que Jean-Jacques Rosseau escreve o seu "Contrato Social" e Catarina, que viria a ficar conhecida como "a Grande", se torna Imperatriz da Rússia após depor o marido, o czar Pedro III (portanto esta coisa das mulheres quererem mandar ... já não é de agora ;)).
Ainda nesse ano, enquanto o artista George Stubbs pintava "éguas e potros" e Christoph Gluck estreava a sua ópera "Orpheus e Eurydice" em Viena, inflamava a Guerra dos Sete Anos, com a França de um lado e a Inglaterra de outro. Esta batalha que começou na Europa, iria originar mais tarde a independência ... dos Estados Unidos da América!!!
Mas mais importante que tudo isto, pelo menos para mim, 1762 é o ano em que Mozart, com apenas 6 anos, visita Vienna pela primeira vez. Mozart fez ainda mais duas pequenas viagens: uma a Munique e outra a Bratislava. 1762 é também o ano em que tudo aquilo que hoje conhecemos de Mozart fica em risco de nem sequer ver a luz do dia, devido a uma febre reumática que ameaçou a vida do grande compositor.
Para o pai Leopold Mozart, este ano, de viagem , de visita a lugares novos e de conversas com pessoas que nunca haviam conhecido, teve uma influencia enorme no talento do filho. Uns anos mais tarde é o próprio Wolfgangerl Mozart a reconhecer isso mesmo, postulando que uma pessoa de talento comum será sempre vulgar, viajando ou não; mas uma pessoa possuidora de talento superior, perderá esse dom se permanecer para sempre no mesmo sitio. Há, então, a necessidade de uma wanderlust que potencie a felicidade e o engenho ;)
Wanderlust, palavra alemã que simboliza a forte vontade de viajar, de explorar o mundo, é também uma sensação que invade o nosso corpo e a nossa mente, despertando aquele desejo incontrolável de ir, de seguir em direcção ao desconhecido ou de conhecer algum lugar novo e encontrar algo pela primeira vez.
Foi "wanderlusteados", que partimos em direcção ao Porto, para conhecer o Hotel da Música. E novidades não iriam faltar nesta pequena viagem. Deste adormecer num mercado embalado pelas notas dos grandes compositores clássicos (liderados por Mozart é claro), até poder escolher nesse mesmo mercado, os produtos com que iríamos jantar, mais tarde, num restaurante gourmet:o Bom Sucesso.
Lá perdemo-nos numa atmosfera actual e moderna, que se entrelaça com as memórias de um passado único e inspirador, conseguida através da requalificação do Mercado Do Bom Sucesso que originou novos e atraentes espaços. Este projecto contemporâneo contemplou ainda um mercado com diversas bancas de venda totalmente modernizadas, várias áreas comerciais, escritórios e o já falado e vanguardista hotel.
Voltando ao restaurante, este assume-se como um palco de experiências gastronómicas em pleno centro urbano, numa composição descontraída e elegante cujo maestro, o Chefe José Ribeiro, assina sabores exclusivos com notas de tradição, modernidade e conforto.
Fomos recebidos com a leveza, ligeira untuosidade e frescura vegetal do aveludado de espargos com amêndoa torrada e manjericão, e pela brisa doce, maresia e perfume balsâmico das gambas ao alho com tostas de tomate.
Seguiram-se os tentáculos de polvo à lagareiro, crocantes por fora, quase que levemente fumados, e por dentro gulosamente tenros e suculentos. Combinou na perfeição com a tosta, baunilha, pêssego e madeira deliciosa do Redoma 2012 (esta garrafa estava incrível!!!).
Paragem seguinte: Lombo de bacalhau com cebolada e pimentos. O molho de pimentos e cebola deixam o bacalhau com um sabor maravilhoso, um prato sem invenções e carregado de sabor.
Já vos falei do vinho que acompanhou o polvo, mas todos os outros servidos durante a refeição merecem destaque, até pelos bons anos que já levam em garrafa. A cereja preta, amora silvestre, cacau e intensidade do Adega Mayor Reserva do Comendador 2011; e a cereja, ameixa, pimenta e taninos aveludados do Meruge 2012.
Realce ainda para as bagas silvestres, esteva, tabaco e textura do Passadouro Touriga Nacional 2012 (iria encaixar como uma luva no pato); e fruta vermelha em compota, chocolate, esteva e excelente acidez do Pedro Milanos Reserva 2011.
A cozinha de autor ficou bem vincada com o folhado de pato com folhas verdes. A intensidade aromática do pato foi "domesticada" e enriquecida pela acção conjunta dos frutos secos, fruta cristalizada e cogumelos. Curiosamente cheira mais a pato do que aquilo que sabe, sobretudo pela explosão de sabores que os acompanhamentos provocam no palato.
Para último, o reencontro com o presunto de Porco Preto 100% Ibérico 5J, que engrandeceu o bife do lombo 5J. Na companhia do ovo confeccionado a baixa temperatura, batata e grelos, o bife possuía uma textura rica e amanteigada com uma pitada de fumo. O presunto deu-lhe uma estalada extra de sabor e diversidade, com aromas que nos remetem para as bolotas e tomilho.
Este presunto de textura suculenta e untuosa que se derrete na boca, quase como queijo fundido, é sem dúvida o meu favorito ;) Para terminar a refeição em grande, leite creme com frutos vermelhos e crumble de maçã com gelado de nata.
Apesar da inovação dos frutos vermelhos no leite creme (que o fizeram cantar no mesmo tom dos morangos, ameixa vermelha madura e tosta do Porto Burmester LBV 2013), o que verdadeiramente me encantou foi o crumble com o seu incrível sabor de fruta, a base crocante, as maçãs firmes e suculentas e aquela cobertura de amêndoa tostada que segura toda a sobremesa e convida a dançar com a amêndoa, nozes e passas do Porto Burmester 10 anos Tawny. Delicioso!!!
Por tudo isto que vos contei, o Hotel da Música, integrado no emblemático edifício do marcado do Bom Sucesso, é muito mais que um hotel de design: conjuga na mesma sinfonia, modernidade e conforto, numa pauta com notas de cultura, gastronomia, memória e tradição.
Não foi apenas a pequena Nannerl (a da citação inicial) que arrancava suspiros com a sua boa disposição, 257 anos depois há uma pequena Beatriz, que apesar de cada vez mais desobediente e traquina, pára o tempo com o seu sorriso e delicadeza. Está, ou não está uma princesa? :) Passado este momento de "babice paternal" termino dizendo que o mundo é um livro em que os que não viajam, leem apenas a capa.
Não sejam, por isso, preguiçosos, viagem, conheçam e alimentem a vossa wanderlust. Não digo que com isso passassem a ser capazes de compor algo tão grande como segunda ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, mas pelo menos arriscam-se a conhecer, inesperadamente, um sitio tão mágico como o Hotel da Música. Há locais sobre os quais é muito fácil escrever, este é um deles...
Ao staff do Hotel, em especial à Liliana Castanheira, um grande obrigado pela maneira como fomos recebidos, parabéns e até à próxima ;)