The House of Sandeman | Um verso em branco e uma janela debruçada para a vida
"No teu poema ... Existe um rio, a sina de quem nasce fraco ou forte. O risco, a raiva e a luta de quem cai ou que resiste, que vence ou adormece antes da morte. No teu poema, existe a esperança acesa atrás do muro. Existe tudo o mais que ainda escapa e ... um verso em branco à espera de futuro." José Luís TinocoVersos brancos são versos que possuem métrica, mas não utilizam rimas. São também chamados de “Versos Soltos”. São usados desde o século XVIII, sobretudo na poesia romântica, moderna e contemporânea. Um verso «em» branco é uma coisa diferente, pelo menos é assim que o entendo. O "poema" Sandeman, que hoje vos falo, começou a ser escrito em 1790, quando Geroge Sandeman , com apenas 25 anos, pediu ao api um empréstimo de 300 libras, para poder comprar uma cave de vinho e lançar os alicerces de uma das mais conhecidas marcas de vinhos do Porto.
George é ainda responsável por criar, quiçá, um dos maiores símbolos associados ao vinho do Porto, o Don, com a sua capa negra de estudante, simbolizando o Vinho do Porto, e o “sombrero” típico da Andaluzia, para representar o vinho de Jerez (que a marca também produz), ainda hoje mantém toda a sua mística e atracção, representando o mistério e a sensualidade da marca Sandeman. A Bia, por algum motivo, achou que o Don gostava de bolachas de chocolate, e por esse motivo, passou o fim de semana a tentar colocar algumas no seu cálice...
229 anos depois do impulso criativo do seu fundador, Sandeman é uma marca que continua a renovar-se e a aprofundar o compromisso de conjugar a tradição com a qualidade e a classe superior dos seus vinhos. O que lhe vale o estatuto de marca mais universal de Vinho do Porto. Por tudo isto foi adquirida em 2002 pela Sogrape.O mais recente projecto da marca Sandeman traz ao sector do Vinho do Porto uma experiência verdadeiramente inovadora: uma unidade turística focada num formato pioneiro que dá a oportunidade, aos seus visitantes, de dormirem numa cave de Vinho do Porto e usufruírem de um conjunto de experiências ligadas à marca.O The House of Sandeman Hostel & Suites resulta de uma parceria entre a Sogrape e o grupo The Independent Collective (MBD), assumindo-se como o primeiro branded hostel no mundo. Localizado no interior do edifício das Caves Sandeman, o novo Hostel conta com 10 suites e cinco camaratas, num total de 73 camas, um restaurante, uma esplanada, um bar, uma sala de convívio e uma sala para eventos.
Lá podemos descobrir uma nova forma de viver uma cidade, com uma experiência autêntica e local, atrevo-me mesmo a dizer ... familiar. Todo o hostel é inovador e único em termos de decoração e escolha do mobiliário. A zona de recepção é bastante ampla e confortável, com uma filosofia que integra a recepção, bar, cozinha e zona de refeições num mesmo espaço.
Somos ainda convidados para uma viagem pelo rio Douro, das montanhas até à foz, com raízes nortenhas num ambiente urbano: convite este feito pelo The George Restaurant & Terrace. Numa localização única junto ao rio Douro e com vista para a Ribeira, este restaurante apresenta os paladares típicos do norte do país com novas e irreverentes reinterpretações, acompanhados pelos melhores vinhos portugueses. Depois de um pão de massa mãe, azeite do Douro e manteiga de mel, fomos recebidos pelo Cogumelo, ravioli, pickle seco, salteado e maionese.
Crocante, untuoso, fumado, vegetal, terroso e com um aroma a trufa delicioso ... quase como se fosse uma salada do bosque. O Azevedo Loureiro Alvarinho Branco 2017 emprestou ao prato frescura, casca de tangerina e lima, que prolongaram a fragrância do prato no palato. Tão bom que a Bia provou e pediu para repetir, o prato é claro ;)
A entrada seguinte, A Curva da Truta no Pinhão, com Tártaro de Truta do Rio Douro e barriga de porco seca ao sol, remete para o presunto (barriga seca de porco), num fundo vegetal resultante da acidez do vinagrete e dos microverdes, e largura untuosa devida ao ovo cozinhado lentamente até atingir uma textura cremosa. Textura essa que combinou na perfeição com a mineralidade do Papa Figos Branco 2017. O maracujá, abacaxi e pêra foram um excelente complemento que enriqueceram a harmonização.
Depois de umas entradas completamente fora da caixa e surpreendentes (estas só por si merecem que se faça uma visita ao restaurante), os pratos principais fizeram uma viragem para a tradição e para a comida de conforto. São disso exemplos o Peixinho Fresquinho: filete de Peixe na Chapa, arroz de peixe e marisco, espuma de pimento vermelho e coentros e o Naco de Novilho Maturado com Naco de Novilho na Chapa, palitos de batata frita, legumes e chimichurri.
O primeiro com alma de marinheiro, fresco e guloso (conversou muito bem com a flor de laranjeira, toranja, pêssego e ligeira untuosidade do Herdade do Peso colheita 2016) e o segundo que fez a Clarisse lembrar-se dos enchidos caseiros da minha sogra, com sabor, complexidade aromática e um delicioso suco de carne. Carrega sabores verdes e de terra, há doce gordo quase floral, há adstringência e há acidez que nos pincela a língua de forma quase irresistível. Foi acompanhado na perfeição pelas ameixas, cerejas e amoras pretas, pimenta, noz-moscada, violetas e cedro do Quinta dos Carvalhais Reserva 2012. Um vinho incrível, persistente e bastante elegante, com taninos aguerridos mas já muito bem domesticados, engrandecidos pela excelente e deliciosa acidez conferindo-lhe um corpo bastante abrangente. Top ;)
Na Degustação de Sobremesas tivemos o prazer de provar a intensidade excêntrica do Queijo de Cabra Panacotta com queijo de cabra, merengue de tomate e gelado de pesto; a original e aristocrata Rabanada, espuma de maçã assada, crocante de canela e gelado de anis; a complexa e rica Pera Bêbada com Pera cozinhada em Vinho do Porto, chocolate e creme de queijo e o delicioso e encantador Papo de Anjo, crumble e gelado de pimento vermelho assado que é um autêntico hino à tradição mas também ao vanguardismo.
A Clarisse gostou mais da pêra, mas para mim, os aromas delicados e subtis do Papo de Anjo aliados ao damasco, noz, mel, baunilha e caramelo do Sandeman Tawny 20 anos conquistaram-me. A degustação, com tempo deste vinho, fez-me ainda perceber a sua complexidade crescente, harmonia e elegância. Passou a ser, para já, o meu 20 anos favorito ;)
Adormecemos a falar sobre o vinho e acordamos a pensar no pequeno-almoço ;) Muito tradicional, servido numa grande mesa junto à recepção em conjunto com os restantes hóspedes, fez-nos sentir em casa, só faltou o robe e as pantufas ;) Depois, outro momento alto deste fim de semana, a visita às caves históricas da Sandeman. Ali, participamos numa experiência plena de mistério e sensualidade, na descoberta dos segredos e dos sabores do Vinho do Porto e de uma marca que se transformou num ícone mundial.
Fomos guiados através das Caves onde os vinhos envelhecem lentamente em pipas e tonéis de madeira, pressentindo-se no silêncio húmido que os rodeia o papel de protagonista que o tempo joga na criação do prazer que tais vinhos proporcionam. Este percurso continua num auditório com um diaporama em ecrã gigante a sublinhar o espectacular cenário do Vale do Douro e os aspectos mais significativos do processo produtivo do Vinho do Porto.
Na prova de vinhos, para além de rever o Sandeman Tawny 20 anos, e experimentar a menta, tabaco, pimenta preta, violeta, cravo, picante (gengibre?), anis e chocolate do Sandeman Quinta do Seixo Vintage Porto 2015; percebi ainda que a excelência do que a Sandeman faz não assenta apenas nestas categorias mais nobres, mas em todos os rótulos que apresenta. Não há aqui, nenhum verso em branco.
Como disse no inicio, um verso em branco é uma coisa diferente daquilo que a generalidade das pessoas pensa que é. É algo que necessita de ser feito, que é impreterível que surja, que esperamos desejosamente, algo que está relacionado com a alma do nosso país, tão bem descrito em «O Infante» de Fernando Pessoa ou cantado por Carlos do Carmo «No teu Poema»; ambos concebidos para se assumirem como símbolos das vontades e dos esforços anónimos de guerreiros, conquistadores, navegadores, mercadores, aventureiros e heróis esquecidos, que ajudaram a levar Portugal ao mundo.
Deus quis, o homem sonhou e o país depois de nascer ... cresceu, também pelo vinho. Cumpriu-se o mar, mas o império, anos mais tarde, desfez-se. Passamos a ser um verso em branco à espera de futuro. São de novo as nossas gentes que nos podem fazer voltar a erguer e que façam, derradeiramente, cumprir-se Portugal.
E não é isso que George Sandeman fez desde 1790, levando Portugal, através do vinho, a todas as latitudes deste planeta? É bom perceber que na Sandeman, esse verso já começou a ser escrito, numa janela debruçada para o Douro, numa janela debruçada para a vida ... e que bela vista se tem dessa janela ;)
Obrigado à Luísa Vaz Osório por ter tornado esta estadia inesquecível, ao Bruno Maranhão pelo profissionalismo e entusiasmo exibido no The George Restaurant & Terrace e ao Diogo Fernandes pela singular visita às caves, que teve tanto de enriquecedora e misteriosa como de mágica, guardo este último momento como um dos melhores do ano ;)