"As pessoas mais velhas não conseguem entender nada por si só, e é muito chato para as crianças dar explicações repetidas vezes. Para mim as coisas são bastante simples, sou um pouco de todos que conheci, um pouco dos lugares que fui, um pouco das saudades que deixei e sou muito das coisas que gostei. "  Antoine de Saint Exupéry

Acho que já perceberam que tenho uma queda especial para o “O Pequeno Príncipe” . É um livro que contém pensamentos profundos expressados  através de palavras muito simples. É uma ode à infância, ao amor, à criatividade e à paixão pelas coisas puras e belas, pela simplicidade e pela vida. A frase que escolhi para ilustrar a nossa visita ao Douro 41 Hotel & Spa leva-nos a reflectir sobre essa inocência, sobre a pureza e sobre a simplicidade que temos quando somos crianças, e que, infelizmente, vamos perdendo, à medida que envelhecemos.

Convém que nesse amadurecimento, cheguemos à mesma conclusão de Saint Exupéry, que aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco deles, levam um pouco de nós. Desta forma, independentemente se permanecerem, ou não, no nosso coração, as pessoas e lugares que se cruzam connosco,  deixam sempre um «xisquinho» de si.

Dito isto, existem no entanto, pessoas e lugares que nos marcam de uma forma tão inexplicável quanto especial. E isso não acontece com qualquer pessoa/lugar. Particularizando, no caso dos locais, aqueles que são mesmo especiais, são autênticas plataformas que nos fazem voltar a conversar, nem que seja por breves momentos, com essa criança, que felizmente ainda vive dentro de nós.

E isso, amigos,  é rejuvenescer, é acalmar, é perder o medo e é também recuperar a vontade de voar. O voo que vos falo hoje, levou-nos, como já deixei transparecer no inicio, ao Douro 41 Hotel & Spa. 

Ao chegar, podemos mergulhar numa das piscinas panorâmicas e ... em silêncio... apreciar cada detalhe, desde do som da água que corre pelo rio, aos socalcos que criam uma das paisagens mais belas do mundo e que serviram de inspiração para a criação deste hotel de charme.

No restaurante, o Raiva (surpreendente!!! acreditem), cujo nome homenageia  a vila e antiga freguesia do concelho de Castelo de Paiva onde o hotel se situa, descobrimos cada paladar ao ritmo dos sabores e vinhos desta região demarcada.

Uma cozinha simples, descontraída e muito tradicional que traz ao prato o melhor que a região tem para oferecer, capitaneada pelo Chefe Ricardo Lourenço. Recebeu-nos com um Queijo de cabra em creme brulée, uvas maceradas, e creme de castanha. O doce da uva, o salgado do queijo, o fumado dos enchidos e o vegetal terroso da castanha criaram um jogo de sabores, intensidades, cores e crocâncias incríveis, que cresceu com o brioche, ligeira amargura e final apimentado do Espumante Vértice Gouveio  Bruto.

É daquelas que dificilmente esquecerei. Não fossem as uvas passas e dificilmente perderia o título de uma das melhores do ano (bem sei que o ano ainda agora começou, não sejam assim!!! ;)). A Clarisse gostou precisa e determinantemente pelas uvas passas. Opiniões são mesmo assim, subjectivas e, por vezes,  difíceis de entender ;)

O Camarão ao natural, “ovo perfeito”, salteado de cogumelos do bosque, creme de raiz de aipo torrado elevou a intensidade, cresceu em técnica e elevou a elegância. Uma floresta de sobres, com a voluptuosidade do ovo, complexidade dos cogumelos e a irreverência do "intruso" fruto do mar, que só fica verdadeiramente completa com a toranja, ameixa e acidez do espumante Portal da Calçada Cuvée Prestige Bruto.

Mais uma "batidela" de asas e demos com o Aiguillette de peixe galo fumado em ervas da nossa horta, risoto cremoso de lima. Pleno de sabores e texturas, o peixe estava suculento, doce e finamente aromatizado, em que a lima servia de ligação para a acidez do risoto e textura cítrica do Cortes de Cima Dois Terroirs Branco 2017.

Ainda nos peixes, a Barriga de atum glaceado em soja torrado, mel de pimento morrone e pack choy, fritura de couve kale, carregada com a doçura do mel, a acidez da couve e a gordura inacreditavelmente deliciosa do atum, foi enriquecida pelo abacaxi, espargos e mineralidade do Ninfa  Escolha Sauvignon Blanc 2015 .

Nas carnes, quer o veado selado em crosta de fava tonka, musseline de castanhas assadas e glaciada, quer a barriga de leitão confitada em molho de pimenta e condimento de laranja foram aprimorados de um modo cuidadoso que permitiu que  a selagem criasse uma camada superficial bastante crocante, enquanto que no interior era aprisionado um suco delicioso carregado de gordura e luxúria. 

Os acompanhamentos acrescentaram graciosidade, intensidade aromática, largura e complexidade. No caso do veado as violetas, morangos, framboesas, resina e especiarias fumadas assentes em taninos elegantes do Quinta do Romeu Reserva Tinto 2015 ligaram muito bem com a musseline de castanhas assadas.

Por sua vez o Quinta do Côtto Vinha do Dote Tinto 2015 emprestou ao leitão (fugindo à tradicional ligação com o espumante bairradino) pimenta preta, frutos vermelhos em compota e excelente acidez, que escusado será dizer, "caiu que nem ginja" na carne. 

Para a sobremesa, duas propostas. O encantadoramente pouco doce Quinta das Tecedeiras Colheita 2008, o primeiro colheita produzido nesta quinta, acrescentou nozes, figos secos, cereja glaceada e casca de laranja ao já complexo, original e sumptuoso Coulant de abóbora e requeijão doce como um soufflé, amêndoa, gelado de canela, cremoso de chocolate de São Tomé. 

Para último, o melhor momento da refeição: Sopa seca, canela e gelado de mel local. A receita é aparentemente simples: fatia-se o pão, mergulham-se as fatias, uma após outra e cuidadosamente numa calda previamente fervida com açúcar, mel, pau de canela, casca de limão e vinho do Porto.

 Mais tarde sobrepõem-se as fatias, intercaladas com canela em pó, e leva-se ao forno para tostar. O resultado, a mistura de duas metades, uma rugosa no exterior e outra mole no interior, exibindo conjunta e orgulhosamente, uma panóplia  de sabores, aromas e memórias, que me fizeram recuar uns anos e rever essa criança que ainda vive dentro de mim. Dos prazeres de criança, para os de adulto,  com a fruta vermelha, canela, azeitonas e  elevada concentração, do Robert Reynolds Liquor Wine que se entrelaçou fortemente com a canela da sopa seca.

Curiosamente esta sobremesa, acaba por ser um bela metáfora para o Douro 41 Hotel & Spa, um hotel em transição, daquilo que já foi (Eurostars Douro) para aquilo que quer ser, ganhando no processo, requinte, competência, elegância e sabedoria, sem nunca perder identidade, legado e história.

Fiódor Dostoiévski, um homem que reflectia apaixonadamente sobre a vida, materializou este paradoxo na vida em duas metades. Aquilo que aprendemos em criança, dos lugares a que fomos, as saudades que deixamos e das coisas que gostamos, tem uma influência fundamental naquilo que somos. Mas mais uma vez, isto parece apenas um adulto a tentar dar uma explicação repetida e chata, para algo bastante simples.

 O Douro 41 Hotel & Spa é um daqueles sítios que nos faz voltar a encarar a vida, ainda que por breves momentos, com a despojada e despretensiosa mente de uma criança. A contemplação da Bia para com a paisagem é símbolo inequívoco e descomplicado disso mesmo.

Espero, apenas, que esta primeira metade da vida dela dure o maior tempo possível, a minha ainda persiste ;)

Já agora, para os mais distraídos, «xisquinho», é a maneira encantadoramente ternurenta com que a Bia diz «pouquinho».