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No meu Palato

No meu Palato

Quinta da Pacheca | O que a menina aprendeu com o camaleão

"Ao desafio respondia o camaleão: «Chegarei a meu tempo». Finalmente, a lebre assim como adquiriu panos bonitos, também os perdeu, por culpa da sua desordenada pressa. Anda agora para aí vestida com um cinzento escuro e sem cor. O lento e pautado camaleão juntou muitos tecidos, tantos e tão diferentes, que ainda hoje, a todo o instante, muda de roupa, conforme a ocasião" Conto tucokwe

Pacheca«Sigam a lição do camaleão, pois ele é um grande professor.» Poderia muito bem ter sido esta a frase inspiradora que Paulo Pereira e Maria do Céu Gonçalves, donos da Quinta da Pacheca, ouviram em 2012, na altura da compra desta propriedade.

PachecaA história começa um pouco antes, em 1551, aquando da plantação de umas vinhas pertencentes aos mosteiros de Salzedas e São João de Tarouca. Uns séculos mais tarde, a Quinta recebe um dos primeiros marcos pombalinos em 1758, para delinear o Douro como a primeira Região Demarcada de Vinhos do mundo, pelas mãos do Marquês de Pombal. Este marco ainda hoje está preservado dentro da Quinta da Pacheca, mesmo na entrada principal, junto aos tradicionais tanques de pedra.

PachecaCom cerca de 75 hectares de vinha plantadas no Património Mundial da Humanidade, classificado pela Unesco em 2001, a Quinta da Pacheca sempre esteve focada na produção de vinhos do Douro e Porto de qualidade superior, e foi uma das primeiras a engarrafar DOC vinhos na região sob sua própria marca (a sua comercialização começa em 1977).

PachecaEm 1995, a Pacheca inicia oficialmente o seu projecto de enoturismo, abrindo as suas portas para visitas guiadas à propriedade e venda dos seus vinhos na loja da Quinta. O conceito foi desenvolvido ao longo dos anos com outras actividades de relevante interesse enoturístico e resultou, em 2009, na abertura do Wine House Hotel Quinta da Pacheca, explorando assim outra forma de negócio e contribuindo para alargar a oferta turística numa cada vez mais procurada região.

PachecaDesde o ano passado a Quinta criou mais um inovador conceito, que nos voltou a fazer querer visitá-la: os Wine Barrels. Num cenário idílico e romântico, estes Barris de Vinho proporcionam uma experiência única de contacto com a natureza e com a realidade monumental desta região, reconhecida como um destino de excelência.. Momentos únicos de descanso que se imortalizam no tempo, num ambiente de ruralidade. Resumindo esta experiência numa frase: é o sonho de um enófilo tornado realidade ;)

PachecaSe estiverem a pensar que as "condições logísticas" para a dormida num destes barris serão bastante dificeis,  estão a pensar "estragado" como diz o meu sogro ;) O sorriso da Bia é uma boa metáfora para a tranquilidade, conforto e bem-estar que lá se vive. É óbvio que esta visita não ficaria completa sem rever o The Wine House restaurant. Nele, podemos encontrar um menu variado e tentador, que respeita o conceito de cozinha tradicional portuguesa e utiliza os produtos típicos do Douro que o virtuoso Chef Carlos Pires trabalha com uma inspiração muito particular, dando-lhe uma nova roupagem, mais vistosa, mais moderna e mais charmosa.

Pacheca Como não poderia deixar de ser, cada prato é harmonizado com os vinhos da casa, promovendo uma montanha russa de emoções e sabores. Depois de sermos brindados com a frescura, excentricidade e intensidade da Sardinha marinada em citrinos e gengibre sobre torradinha de pão de milho tradicional e puré de pimentos assados (só faltavam os balões para nos sentirmos no S. João) acompanhado pela frescura, apontamentos florais e aromas frutados, vivos e elegantes do Pacheca Terroir 2017 (80 pts.), surgiu na mesa o Escalope de foie gras sobre maçã de Armamar caramelizada e redução de vinho do Porto Tawny.
Pacheca

O Pacheca Moscatel (82 pts.) com a sua pêra confitada, tangerina e damasco fazia sobressair a untuosidade do foie e a ligeira doçura da maçã, enquanto que a complexidade do prato realçava a acidez e riqueza de aromas do vinho. Um jogo de contrastes enogastronómicos muito engraçado, unido pela voluptuosidade de ambos os intervenientes. 

PachecaO momento seguinte foi dedicado ao Taco de robalo sauté sobre legumes bebés braseados com linguini nero em fumé de peixe acompanhado pelo Pacheca Rosé Grande Reserva 2017 (88pts.). Um prato de massa com sabor a mar e a fumo.  O peixe é cozinhado no ponto, os acompanhamentos pensados ao pormenor para acrescentar complexidade, sempre com uma boa dose de surpresa, sendo promovida uma explosão de texturas, influências e sabores, com o poder de nos transportar para a beira-mar numa manhã de inverno. 

PachecaO vinho emprestou violetas, frutos silvestres e um leve fumado que combinou na perfeição  com o prato. Complexo, polposo e bastante persistente. Dos meus rosés favoritos. De entremeio, um delicioso e refrescante Sorvete de maçã verde com Pacheca Porto Lágrima e umas inesperadas e bem-dispostas petazetas.

Pacheca

Última paragem antes da sobremesa: Lombinho de porco cozinhado a baixa temperatura sobre migas de broa de milho com caldo verde e estufado de abóbora harmonizado com o Pacheca Grande Reserva Touriga Nacional 2015 (86 pts.).

PachecaA carne exibia um aroma intenso, salgado e levemente acidulado, com uma textura suave e pincelada com um pouco de gordura, combinava na perfeição com a doçura do milho e com a fruta vermelha do molho.  Toda esta experiência degustativa, já de si muito boa, cresceu e complexou com a bergamota, o sous-bois e as violetas do vinho. Surgiram ainda, mais tarde, notas de eucalipto, morangos e cerejas que acrescentam força ao seu final. Muito sedoso, denso, fresco e elegante.

PachecaA terminar Arroz doce com canela e leite-creme queimado com frutos vermelhos acompanhado pelo Pacheca Tawny 30 Anos (89 pts.). Um mix de frescura e conforto que resultou muito bem.  Quando o começamos a provar, surgem primeiro as notas daquele crocante do leite creme queimado, mais tarde aparecem os aromas do gelado que perduram no palato. Os frutos silvestres moderam um pouco a untuosidade do arroz doce. É guloso, fresco e fino. 

PachecaO Tawny fez com que os aromas a baunilha e frutos silvestres da sobremesa se prolongassem no vinho. Surgiram ainda cacau, caramelo, cardamomo e amêndoas, num equilíbrio perfeito entre fruta e madeira. Delicado, complexo e com um final longo, foi o parceiro ideal para esta sobremesa.

A manhã seguinte amanheceu solarenga e pincelada com um excelente pequeno-almoço.

PachecaDepois era tempo de regressar ao "trabalho" para a prova de mais uns excelentes néctares da Quinta da Pacheca, neste caso, os seus últimos lançamentos. Contei com a Bia na escolha dos cenários para as fotos às garrafas ;)

PachecaNo Pacheca Sauvignon Blanc 2017 (82 pts.) encontrei maracujá, maçã verde, abacaxi, espargos, boa acidez e uma excelente intensidade aromática. Seguiu-se uma agradável surpresa... o Pacheca Grande Reserva Branco 2017 (91 pts.).

PachecaMineralidade, lima, flor de laranjeira, cravinho, untuosidade sedutora, acidez irrepreensível e uma madeira elegantemente subtil. Muito complexo, preciso, intenso e equilibrado. A esta subtileza seguiu-se a força, poder e virilidade do Pacheca Grande Reserva Tinta Roriz 2015 (90 pts.).

PachecaExibe frutos silvestres, ameixas vermelhas, mirtilos, baunilha, chocolate, pimenta preta e anis. É encorpado, rústico denso e bastante aromático. Acho, no entanto, que o melhor deste vinho ainda está para vir, há que lhe dar mais um par de anos, e voltar a conversar com ele ;)

PachecaEm seguida, meus amigos, o grande Pacheca Vale de Abraão Colheita Seleccionada 2015 (93 pts.). Como já referi anteriormente, é um vinho melodioso e arrepiante, ideal para a conversa e não para a comida. Complexidade, equilíbrio, volume, intensidade e uma acidez incrível. Surgem mirtilos, amoras, ameixas pretas maduras, sous-bois, cacau, violetas e esteva. É denso, untuoso, elegante e espantosamente longo, quase interminável. 

PachecaNos Portos, houve tempo para rever o caramelo, o chocolate, as especiarias, as nozes, a pêra confitada e o mel do Quinta da Pacheca 40 anos Tawny (90 pts.). Um vinho rico, elegante e delicado. Mas o destaque vai todo para o Pacheca Vintage Port 2016 (92 pts.) com os seus apontamentos de frutos do bosque escuros, ameixa, figos, framboesa, mirtilos, cacau e resina. É denso, volumoso e intenso, mostrando excelente acidez, equilíbrio e elegância.

PachecaToda esta "caminhada" vínica, demonstra bem aquilo que a Pacheca é. Excelência em constante mutação e criatividade. Aqui não se dorme "à sombra da bananeira". E é isso que espero que a minha menina mais pequena tenha aprendido com esta visita. A seguir a lição do camaleão.

PachecaSe olharmos com atenção veremos que primeiro, quando o "bicho" inicia a sua marcha, nunca olha para trás (assim devemos fazer também com os nossos objectivos), depois enquanto se move, olha em todas as direcções (para estar informado e não ser apanhado distraído) e por último, quando chega ao seu destino, o camaleão toma a cor do que o rodeia. Para muitos isto é hipocrisia, mas na verdade espelha tolerância, respeito e humildade ...  e também o “saber viver” em comunidade.

Ainda bem que a Pacheca passou de lebre a camaleão, não mudem ;)

The Vintage House | O paraíso no coração do Douro

The Vintage HouseChega a Primavera e com ela renasce o Douro. Depois da pausa habitual de Inverno, o The Vintage House, um refúgio rústico e clássico em pleno coração do Douro Vinhateiro, reabre as suas portas. Com uma localização idílica e tranquila à beira-rio, traz consigo novos programas e uma carta que destaca os melhores sabores da região.

The Vintage HouseO Douro é a mais antiga região demarcada de vinhos do mundo, considerada Património Mundial da Unesco. O The Vintage House, hotel de cinco estrelas no Pinhão, tira proveito deste palco de sensações e torna-se incomparável pela sua vista privilegiada sobre o rio e as vinhas em socalcos. Características únicas que valeram a distinção “Prémio Cinco Estrelas Regiões” na categoria de Enoturismo no distrito de Vila Real em 2019.

The Vintage HouseCom esta reabertura, as novidades versam quatro novos programas – Spring Blossom, Summer Programme, Douro Wine Lover e Romantic Programme – e uma nova carta do Restaurante Rabelo que exalta os sabores do Douro e os melhores néctares da região.

The Vintage HouseCom o Spring Blossom, em vigor até ao final de Junho, o The Vintage House convida à celebração da chegada da Primavera num programa de um mínimo de duas noites. A proposta é simples: acordar voltado para a margem do rio Douro, com uma vista fascinante sobre as vinhas.

The Vintage HouseA estadia fica completa com uma visita à Quinta da Roêda, onde nascem os vinhos do Porto Croft, e com a prova de três deliciosos vinhos do Porto da casa enquanto se conhece a sua história e produção.Summer ProgrammeDe Julho a Outubro, as temperaturas mais quentes pedem dias tranquilos e leves junto à margem do rio como o Summer Programme. No The Vintage House, a piscina com vista sobre as vinhas faz adivinhar longos mergulhos e banhos de sol. Uma estadia descontraída que se completa com uma visita guiada às vinhas e lagares da Quinta da Roêda, uma prova de três vinhos do Porto Croft e um delicioso almoço composto por três pratos e uma selecção de vinhos, no restaurante Rabelo.

The Vintage HouseO Vale do Douro é o berço do vinho do Porto. Para os amantes de vinho, o programa Douro Wine Lover propõe uma estadia de, no mínimo, duas noites, para que toda região seja explorada e para que se provem as várias referências que compõem o Douro. São sugeridas visitas à Quinta da Roêda e à Quinta do Panascal, ambas inseridas no mais belo dos cenários.

The Vintage House

Celebrar o amor no coração do Douro, é o que sugere o Romantic Programme. Pensado para oferecer momentos de relaxamento e pura tranquilidade, o programa começa com um tratamento VIP no quarto. Na reserva de uma Master Suite, ao acordar, poder-se-á escolher entre pequeno-almoço buffet ou serviço de quarto. Segue-se um apaixonante passeio de barco sobre o rio Douro e um piquenique envolto nas vinhas da Quinta da Roêda. Já de regresso ao hotel, o Restaurante Rabelo convida a um jantar romântico, a dois, brindado com vinhos do Douro. 

The Vintage HouseNo conforto do Restaurante Rabelo, no The Vintage House, desfrutam-se das melhores iguarias regionais, ao nível gastronómico e vínico. Num ambiente clássico e elegante, são recriados os inconfundíveis sabores do Douro, regados com os melhores néctares da região.

The Vintage HouseComo chegar a este paraíso? O centro da cidade invicta é ligado ao coração do Douro através dos comboios que partem das estações de São Bento ou Campanhã até ao Pinhão. Para um serviço exclusivo, a PTravel (Efilar), empresa de transportes com mais de 20 anos de experiência, dispõe de transferes que garantem uma viagem mais rápida e cómoda.

The Vintage HouseHá momentos que parecem ficar suspensos. Há outros, que se imortalizam na nossa memória. Como aqueles que vivi aquando da nossa primeira visita ao The Vintage House, com os totozinhos da Bia a fazerem imenso sucesso. Momentos eternos pela harmonia, pela alma e pelo coração das pessoas que lá encontrei .

Até um dia destes ;) 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio Minho | O não tão estranho costume de morrer pelo bicho feio

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.  É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". Fernando Teixeira de Andrade

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoEsta vai ser, muito provavelmente, a maneira mais "esquisita" com que iniciarei uma publicação. No entanto, se fossemos percorrendo a nossa árvore genealógica, sabiam que a quiloavó (1000ª geração de avó) da nossa quiloavó seria uma lampreia? ;) Pois, é assim mesmo, somos todos descendentes de peixes semelhantes às lampreias. Um "peixe" sem mandíbulas, que por vezes sugava o sangue de outros peixes e que no passado pode ter sido culpado pela morte de um rei. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoEsta história tem quase 900 anos e provocou uma crise bastante profunda no Reino Unido, o brexit quando comparado com isto, parece uma brincadeira para crianças.  Henrique I de Inglaterra morre em 1135 e a sua demorada sucessão conduz a quase 20 anos de guerra civil e a fortes rebeliões em Inglaterra e na Normandia, que até então era controlada sem qualquer problema pela coroa britânica. Mas desta vez a arma da desgraça não foi um punhal de um traidor, a queda de um cavalo durante uma batalha, ou um sequestro numa manhã de nevoeiro, mas ... um prato de lampreia.

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoSegundo consta, e contra todas as recomendações dos seus médicos, o rei Henrique I, com o estômago delibitado, morreu ao empanturrar-se deste ciclóstomo (que porventura estava estragado). De facto a sua carne é bastante gordurosa e até indigesta para pessoas com estômago mais sensível. No entanto, a sua fama de iguaria deliciosa, manteve-se entre a realeza britânica, ao ponto de na coroação da rainha Isabel II, em 1953, ter sido servido um pastel de lampreia. Por cá, no Condado Portucalense Dona Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, em 1125, concedeu ao Arcebispado de Tui, o direito que o rio Minho a montante da Torre de Lapela, toda a lampreia aí encontrada seria pertença do Arcebispado, para abastecer conventos e mosteiros, nos jejuns quaresmais. Desta forma, não é de estranhar que com tamanhos privilégios, terem saído daí as melhores receitas de lampreia. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoMas o que leva alguém a arriscar a sua vida por provar um bicho, aparentemente tão feio? Porque é tão popular entre a realeza? Porque me fez chegar a casa ás 4 horas da manhã após participar nos Ensaios sobre a Lampreia do Rio Minho? ;) Acredito que a resposta a todas estas perguntas está relacionada com o seu sabor sedutoramente amargo, untuoso, agridoce e muito intenso. É um prato extraordinariamente tradicional, com um sabor completamente diferente, que nos apaixona ou que nos faz odiar o bicho. Aqui, não há meio termo ;) Mas já lá vão os tempos em que a lampreia era apreciada de uma forma demasiado tradicional: cada vez mais são exploradas outras formas de a cozinhar, e ainda bem.

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoFoi para responder a este desafio de abandonar as roupas tradicionalidade usadas pela lampreia que no passado dia 29 de março, em Melgaço, três Chefs Estrelas Michelin – Vitor Matos, Óscar Geadas e António Loureiro desenharam experiências gastronómicas únicas e irresistíveis, harmonizadas com Alvarinho. A sobremesa iria ser pincelada pelo Chef Eurico Castro, que também a conjugaria com Alvarinho.  Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoChef Vítor Matos, deu inicio às hostilidades com o Foie Gras & Lampreia Fumada, calamansi, manga, ficoide e lima kaffir, aliado ao Soalheiro Dócil 2017 (89 pts). Provocou no palato um jogo muito interessante entre a untuosidade do foie, o fumado da lampreia e a fruta do Soalheiro. O perfume delicado do vinho, com notas aromáticas de limão, maracujá, líchia, casca de laranja e flor de laranjeira acalmavam um pouco a intensidade da do foie e da lampreia. Tudo com conta, peso e medida.

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Seguiu-se  a Lampreia & Beterraba, escabeche, compota e gelatina de Alvarinho com o Poema Reserva 2015 (88 pts). Ao jogo de sabores anterior, o vimaranense Chef António Loureiro acrescentou ainda diversas texturas que proporcionaram uma experiência degustativa muito rica. Entra no palato com a terrosidade da beterraba e com o sabor rico a lampreia, depois surgem as ervas, seguindo-se o doce da gelatina. No final começa tudo a ficar parecido com uma espécie de bolinho de lampreia muito complexo ao nível do sabor e da textura. A compota de laranja, marmelo maduro, líchias, jasmim, untuosidade e excelente acidez do Poema casaram na perfeição com os diferentes apontamentos de sabor emanados pelo prato.  

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 De Bragança o Chef Óscar Geadas trouxe a castanha e o aipo para preparar a Lampreia ao Sal, e que foi harmonizada com espumante Dom Ponciano Extra Bruto 2014 (88 pts). Os aromas iniciais da castanha e aipo, vão gradualmente sendo substituídos pela lampreia e sal ao longo da degustação, fazendo jus ao seu nome. O aspecto aparentemente simples e delicado é um pouco enganador, uma vez que os ingredientes estão muito bem conjugados, fazendo com que o todo seja muito maior que a soma das partes. É um prato muito guloso que combinou na perfeição com a frescura, notas balsâmicas, mineralidade, lima, brioche, toranja, casca de laranja  e frescura do espumante. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoA segunda proposta do Chef Vitor Matos acrescentava salicórnia, algas, citronelle, limão e gengibre à Lampreia & Bivalves, e que foi acompanhada pelo Quinta do Regueiro Barricas 2016 (86pts). Os citrinos apadrinhavam todo o prato e foram muito bem combinados com a maresia dos bilvalves, aparecendo também a luxuria da lampreia a lutar pelo lugar de protagonista deste momento.  O pêssego, o maracujá, a casca de toranja, o jasmim, a flor de laranjeira e a erva-cidreira seca dotaram esta criação de uma largura sensorial enorme.  É um alvarinho muito moderno, com um nariz muito fresco, alguma mineralidade e uma barrica bastante discreta, quase imperceptível, que o torna mais fino.

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoA acompanhar todos estes Ensaios esteve uma das poucas águas minerais naturalmente gasocarbónicas do nosso país: a água de Melgaço. Possui um terroir inconfundível com a sua peculiar mineralidade, pouco gás e o seu aroma agradável a ferro. Paragem seguinte: Cuscus de Lampreia & Barbada de Porco Bísaro com ovas e fígados de lampreia e salicórnia conjugada com o Valados de Melgaço Reserva 2017 (85 pts) proposta pele Chefe Óscar Geadas.

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoO Barbada de Porco Bísaro e o "risotto" de lampreia "trajado" de cuscus acrescentaram ainda mais voluptuosidade à lampreia. Todo este "exagero" gastronómico foi "domesticado" pela "vegetalidade" das algas e pela  brisa marinha da espuma. Este conjunto que resultou muito bem é um pouco a imagem de marca deste Chefe, uma vez que concilia um prato confeccionado com mestria e originalidade com um toque de memória, tradição e identidade, através da adição de um produto regional de Trás-os-Montes . Confesso que fiquei fã deste estilo.

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoO ananás, a geleia de laranja, a tangerina, a ameixa muito madura e a flor de laranjeira do Valados de Melgaço criaram uma harmonização bastante envolvente. Um vinho encorpado, muito elegante e com a acidez muito bem conciliada com a doçura. A última proposta de lampreia seria a Lampreia à Bordalesa com lampreia, pão, salsa e arroz concebida pelo Chefe António Loureiro e acompanhada pelo Anselmo Mendes Pardusco Private 2015

Ensaios sobre a Lampreia do Rio Minho

Mais uma vez, fomos brindados com o jogo de texturas muito peculiar, que no final nos iludia os sentidos, pois o palato parecia querer fazer-nos crer que estávamos na presença de uma tradicional lampreia à Bordalesa, uma vez que os seus aromas, um a um, iam surgindo misteriosamente. Uma acidez deliciosa percorria todo o prato e implorava pela frescura do Anselmo Mendes Pardusco Private 2015 (91 pts). O vinho punha ainda a dançar mais dois pares: os frutos vermelhos com a cabidela de lampreia e a tosta da barrica com a tosta de arroz. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoEste vinho que pretende ser uma homenagem aos vinhos de antigamente, tem no seu cartão de cidadão aromas muito intensos de morangos e groselha envoltas em apontamentos de caixa de charuto, fumo, couro e cedro. No palato é bastante seco, mineral e elegante, exibindo uma excelente acidez. Por todos estes predicados, esta foi a minha harmonização favorita. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoPara acabar a noite em grande, o Chef Eurico Castro propôs Castanha e Leite de Cabra Prados de Melgaço, maçã crumble, baunilha e mel harmonizada com o Quintas de Melgaço Alvarinho Colheita Tardia Superior (87 pts). Acreditam que sabia a lampreia? Nahh, estou a brincar ;) O crumble remeteu-me para a telha de amêndoa de Foz Côa, que ganhou complexidade com o gelado de queijo que desceu da serra e a intensidade da bolacha de castanha. 

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoUma vez mais, a conjugação de diferentes texturas foi muito bem conseguida. O mel e as amêndoas surgiram também no Colheita Tardia, que ainda trouxe consigo marmelos maduros, compota de limão, maracujá, uma acidez muito mineral e um final de prova bastante longo. Foi para mim uma agradável surpresa: inspiração, confecção e apresentação irrepreensíveis, num momento para mais tarde recordar ;)

Ensaios sobre a Lampreia do Rio MinhoPara além de nos ter proporcionado este memorável repasto, a lampreia é também uma boa metáfora para algo muito evidente nestes Ensaios: a amizade. Desfrutar dela implica convívio, uma certa ritualidade e uma confraternização com data reservada, porque a janela temporal para a provar é bastante curta, entre terceira semana de Janeiro e a primeira de Abril. Pelos vistos ... até para a cozinhar é necessário reunir os amigos. Se há uns anos a realeza arriscava a sua vida para provar este bicho feio, imagino o que fariam por um jantar como este ;)

Foi para mim uma honra, privilégio e orgulho poder acompanhar  in loco a labuta gastronómica deste 4 Chefes. Foi por não terem ficado, para sempre, à margem deles mesmos que têm conquistado aquilo que sabemos, parabéns e obrigado. 

Até para o ano, no sítio do costume ;)

 

O evento foi organizado pelo Município de Melgaço com o patrocínio da Repsol e em parceria com diversas entidades: Anselmo Mendes, Dom Ponciano, EPRAMI, Monte de Prado Hotel & SPA, Poema, Quintas de Melgaço, Quinta do Regueiro, Soalheiro, Valados de Melgaço e Vista Alegre.