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No meu Palato

No meu Palato

Quinta do Noval e Romaneira | Que Zeus não vos descubra

"Alguns de nós assistem com horror à marcha destas sombras cinzentas, deste insecto invencível, que faz com que os nossos melhores vinhos morram. Nunca mais os conseguirei provar, pois já estão em plena agonia à beira rio. Sentirei saudades destas vinhas sublimadas pelo sol e refinadas pelas estrelas, onde o vinho se torna poesia engarrafada. No lugar desses elixires imperiais, belos para todos os sentidos, vestidos em tons de pedras preciosas, perfumados com flores e impulsionadores de sonhos: contemplem agora os vinhos desonestos e pincelados com químicos.  Não é apenas Pan que morreu ... Baco também. " Robert Louis Stevenson

Quinta do Noval e RomaneiraA citação inicial do texto de hoje é uma das mais bonitas de Robert Louis Stevenson no seu livro The Silverado Squatters  (Os invasores de Silverado). Escreveu-o em plena lua de mel, no Vale do Napa, em 1880. Este foi um momento tenso e muito emocional para os amantes do vinho, uma vez que grande parte do continente europeu já estava sob o cerco da filoxera, mas a "cura" ainda não havia sido encontrada. Para os que não sabem, a filoxera é um piolho ou afídeo microscópico que vive e come raízes de uvas. Pode infestar uma vinha através das solas das botas dos trabalhadores das vinhas ou, naturalmente, espalhar-se da vinha para a vinha pela proximidade. De onde surgiu? Dos Estados Unidos. E seria dos Estados Unidos que iria surgir também a cura.

Quinta do Noval e RomaneiraEm resposta a esta ameaça, os produtores de toda a Europa arrancaram e queimaram os antigos vinhedos plantados pelos seus antepassados, numa tentativa desesperada de impedir a disseminação da doença. Na década de 1900, a filoxera exibia números inimagináveis: mais de 70% das videiras da Europa estavam mortas - o sustento de milhares de famílias estava assim arruinado. Isto alterou completamente a paisagem das aldeias, e é por isso que Stevenson diz que o Deus grego dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores - Pan (não tirem, por favor, conclusões políticas ;)), morreu nessa altura. 

Quinta do Noval e RomaneiraMais de 450 artigos foram publicados sobre a filoxera entre os anos de 1868 e 1871. Estudos foram conduzidos com plantações experimentais, envenenamentos, inundações e tipos de solo, até que Jules Émile Planchon (francês) e Charles Valentine Riley (americano), descobriram a solução! O enxerto de vitis vinifera (a videira europeia) em videiras com raízes americanas, destruía a praga.  Houveram vários casos em que as vinhas permaneceram intocadas pela filoxera. Embora muitos desses locais sejam um mistério, o caso Português mais famoso são as vinhas do Noval Vintage Nacional:  uma pequena área no coração da vinha da Quinta do Noval, de videiras não enxertadas, intocadas pela filoxera e que são descritas como «plantadas directamente no solo da Nação». 

Quinta do Noval e RomaneiraTodo este contexto serve para criar um "pano de fundo" para  nossa visita à Quinta do Noval, na qual iríamos conhecer os mais recentes vinhos da Quinta do Noval e Quinta da Romaneira. Esta Quinta distingue-se pela beleza dos seus terraços, pela casa, armazém e lagares típicos, que continuam em utilização corrente. Referenciada pela primeira vez em 1715, a Quinta do Noval foi adquirida em 1894 por António José da Silva, que a desenvolveu nas três décadas seguintes.  

Quinta do Noval e RomaneiraOs seus descendentes (recentemente, a família van Zeller) mantiveram a quinta até 1993, ano em que foi adquirida pela AXA. Em 1997, a Quinta do Noval foi pioneira a centralizar todas as suas actividades no vale do Douro, em vez de em Vila Nova de Gaia. Mas chega de histórias e vamos ao que interessa, começamos a prova com os Quinta da Romaneira. Primeiro com o Sino da Romaneira 2017 (89 pts.) carregado de violetas, rosas, aroma a lagar, ameixa vermelha e especiarias. Um vinho equilibrado, macio, muito fresco e elegante. 

Quinta do Noval e RomaneiraSeguiu-se o Quinta da Romaneira 2017 (90 pts.). Suavemente picante, a lembrar groselha, pimenta preta, anis, caruma e algumas notas florais. É fresco e elegante, de taninos bem presentes, mas aveludados. Já o Quinta da Romaneira Syrah 2017 (91 pts.) exibia muita frescura resultante dos aromas balsâmicos, eucalipto, compota de amoras pretas maduras, canela,  alcaçuz, baunilha, fumo picante e alguma vegetalidade. No palato é carnudo e mostra corpo, concentração e elegância. Depois o Quinta da Romaneira Petit Verdot 2017 (91 pts.) mostrou-se muito complexo com mirtilos, amoras, figos, marmelada, notas vegetais, madeira, especiarias e taninos optimamemnte bem integrados.  

Quinta do Noval e RomaneiraNum registo completamente diferente o Quinta da Romaneira Tinto Cão 2017 (91 pts.) Fez-me pensar num clarete e era caracterizado por notas florais e a fruta, bstante aromáticas. Depois começam a aparecer notas vegetais, bergamota e a madeira muito bem integrada, num conjunto surpreendentemente elegante. Saltando para o Quinta da Romaneira Touriga Nacional 2017 (92 pts.) encontramos vilotetas, rosas, ameixa preta, mirtilos em rebuçado, algum fumo e cravinho. É um vinho elegante, fresco, equilibrado, com taninos sedosos e um final muito longo. Já o profundo Quinta da Romaneira Syrah Apontador 2017 (92 pts.), proveniente dos melhores lotes de Syrah,  trouxe consigo aromas ricos a frutos vermelhos, alcaçuz, caixa de tabaco e notas de madeira muito bem integrada.  Taninos muito elegantes e um final longo, fresco e equilibrado. Precisa de tempo para se fazer notar ainda mais ;)

Quinta do Noval e Romaneira O último dos Romaneira, o aromático Quinta da Romaneira Touriga Franca Vinhas Velhas 2017 (91 pts.), mostrava orgulhosamente aromas a rosas, esteva, amoras muito maduras, pimento e especiarias, tudo isto bem casado com as notas de madeira . Muito intenso, concentrado e firme. O Cedro do Noval 2017 (90 pts.) serviu de mestre de cerimónias para os vinhos da Noval: Nariz compimenta preta, chocolate e ameixa preta. Um final aromático, ligeiramente fumado, fresco e muito rico. O Quinta do Noval Syrah 2017 (91 pts.) apareceu devagar,  com um fruta preta muito delicada, notas minerais e aromas balsâmicos com alcaçuz, alcatrão, pólvora, pimenta e um certo citrino confitado. Estruturado, longo, equilibrado e muito preciso.

Quinta do Noval e Romaneira O ainda jovem Quinta do Noval Touriga Nacional 2017 (91 pts.) mostrou-se exuberante sem ser demasiado perfumado, com aromas florais (pétalas de rosa), bergamota, fruta do bosque madura, um toque mentolado e com uma espinha dorsal bastante firme. Elegância pureza e frescura. Quase a "fechar" os tintos, o Quinta do Noval Petir Verdot 2017 (92 pts.) brindou-nos com um nariz muito complexo e fresco com frutos silvestres, mirtilos, amoras, notas balsâmicas e suaves aromas amadeirados sustentados por uma base "taninica" muito forte. Os tintos despediam-se com pompa e circunstância através do enorme Quinta do Noval Reserva 2017 (94 pts.).  

Quinta do Noval e RomaneiraUm nariz intenso com groselha, framboesas, ameixa preta e pimenta. Exibe ainda uma mineralidade muito agradável,  uma tosta bem integrada e chocolate preto. Taninos deliciosamente saborosos, finesse, potência e estrutura. E era, assim, chegada a hora do momento alto do dia: A prova dos Porto Vintage Quinta do Noval e da Quinta da Romaneira.  Há dias que marcam a alma e a vida da gente, este iria ser um deles ;) 

Quinta do Noval e RomaneiraSem medo nem inveja da fama dos seus primos da Noval, o Quinta da Romaneira Vintage 2017 (95 pts.) surgiu impactante, com bergamota, violetas, chocolate preto, cravinho, tabaco, pimenta preta e gengibre. É equilibrado, carnudo, intenso, harmonioso e delicado. Continuando na página da elegância, mas menos floral e com mais fruta e frescura, o  Quinta do Noval Vintage 2017 (98 pts.) conquistou-me com os seus aromas complexos, com notas de violetas e fruta intensa, aliados a uma indissociável pureza e frescura. Tem uma estrutura incrível e uma dicotomia perfeita entre a elevada concentração e extrema delicadeza. Final largo, longo e extremamente harmonioso.

Quinta do Noval e RomaneiraA "estrela do dia", o Quinta do Noval Vintage Nacional 2017 (100 pts.), é ... outra coisa. Um dos melhores Vintage que provei.  Cogumelos frescos, morangos, ameixa, amoras, mirtilos,  notas minerais, cravinho e loureiro que surgem lentamente, camada após camada. Surge ainda uma espécie de redução de compota de frutos silvestres arrebatadora. O palato é elegante, encorpado, intenso, denso, aveludado, harmonioso e fresco. O bouquet de sabores vai crescendo com o passar do tempo, promovendo um final notável, sensual (quase indecente ;)), apaixonante e muito equilibrado. Um vinho perfeito!!! Posso estar errado, acho que não estou, mas creio que tem condições para entrar para o lote das melhores colheitas de sempre, a ver...

Quinta do Noval e RomaneiraUm vinho belo para todos os sentidos, vestido em tons de pedras preciosas, perfumado com flores e impulsionador de sonhos. Nasce numa pequena parcela com videiras de pé franco, no coração da vinha da Quinta do Noval, intocada pela filoxera. A palavra “Nacional” refere-se ao facto destas videiras serem videiras Portuguesas crescendo em solo Português, sem porta-enxerto Americano, e por isso directamente “enraizadas no solo da nação”. Este grande vinho é um motivo de orgulho para todos os Portugueses e, quando no seu melhor, é a mais alta expressão do extraordinário terroir da Quinta do Noval. 

Quinta do Noval e Romaneira

O Vintage Nacional é por tudo isto, um fenómeno único e extraordinário. Não segue necessariamente o mesmo ritmo do resto da Quinta do Noval. Há anos em que um grande Nacional é produzido sem que a Noval declare o Quinta do Noval Vintage. Outros anos há em que a Quinta do Noval declara um grande Vintage mas não declara o Nacional. E depois há anos, em que tanto a vinha do Nacional como as restantes vinhas da Quinta produzem Portos Vintage extraordinários (caso dos 2017) mas totalmente distintos.

Quinta do Noval e RomaneiraDada a sua produção extremamente reduzida (resulta de duas parcelas na foto de abaixo), a quantidade vendida de Vintage Nacional é muito pequena. A garrafa de Vintage Nacional que chega ao mercado ao longo do tempo é vendida a um preço muito elevado, um reflexo da excepcional qualidade e raridade do Vinho do Porto mais valorizado do mundo. Ainda houve tempo para provar ao almoço o Quinta do Noval Vintage Nacional 1994 (100+ pts.): Achocolatados, alcaçuz, fruta madura e uma estrutura maravilhosamente picante, com taninos macios e maduros e uma acidez  crocante. Em camadas, complexo e envolvente, é um vinho incrível.

Quinta do Noval e RomaneiraTão bom que leva o carimbo "+" nos 100 pontos atribuídos (que significa um vinho perfeito e com perfeita evolução, em garrafa, de pelo menos 20 anos). É apenas a segunda vez que isto acontece no blogue, o primeiro a conseguir tão nobre distinção foi o Barca Velha 1965. Estive indeciso, até ao último momento, acerca do titulo para esta publicação, a alternativa seria «Os erros de Robert», porque ele cometeu pelo menos três. 

Quinta do Noval e Romaneira

Nem os vinhos resultantes do enxerto americano são desonestos e pincelados com químicos, nem deixaram de existir elixires imperiais, belos para todos os sentidos, vestidos em tons de pedras preciosas, perfumados com flores e impulsionadores de sonhos: a tal poesia engarrafada!!!

Para além disso, o Deus Baco não morreu, mudou-se apenas com o amigo Pan para o Vale de Mendiz. Sei que a foto está um tudo ou nada desfocada, mas eles estão lá ao fundo a brindar com um Vintage Nacional 1994. Malandros, a beber em serviço, que Zeus não vos descubra ;)