Festival Peixe do Rio Ferradosa | A vida que não vive em linha recta
"O mundo inteiro é uma sucessão de milagres, mas estamos tão acostumados a eles que os chamamos de coisas comuns, como o sorriso. Era impossível não me apaixonar pelo teu, era impossível olhar para ti e não esquecer do que eu ia falar.” Hans Christian Andersen
Os livros, os contos e as frases de Hans Christian Andersen tornaram-se imortais em várias gerações e em diversos locais por esse mundo fora. Contrariamente a outros autores seus contemporâneos, este poeta dinamarquês destacou-se pelo conteúdo humano, realista e, ao mesmo tempo, surpreendentemente optimista de suas histórias.
Curiosamente esse optimismo parece ser uma verdadeira antítese da sua vida, e quanto a mim, é isso que dá a este escritor um certo misticismo. Para terem uma noção, quando Hans Christian Andersen nasceu, a sua família era tão pobre que tiveram que fazer seu berço com a madeira ... de um velho caixão :(.
O pai, sapateiro, morreu quando tinha somente 11 anos de idade, obrigando-o a deixar a escola e a começar a trabalhar. A mãe, por sua vez, era alcoólatra. Apesar de tudo isto, há frases de Hans Christian Andersen que causam um certo desconcerto na alma de tão esperançosas que nos soam. Aquela com que iniciei esta publicação, é uma delas.
Fala-nos das coisas aparentemente simples da vida, de coisas bonitas, de coisas únicas, de coisas boas, mas que por já estarmos habituados a elas, não as consideramos um milagre. O Douro é uma dessas "coisas". O prodígio de uma paisagem, um excesso da natureza, um universo virginal eterno pela harmonia, pela serenidade e pelo silêncio. Um poema geológico, a beleza absoluta nas palavras de Miguel Torga. Nas minhas, um milagre assente em quatro pilares.
As suas paisagens absolutamente arrasadoras. Os seus vinhos incrivelmente sedutores. A sua gastronomia exuberantemente saborosa. E as suas gentes incansavelmente abnegadas. Foram necessários esses mesmos pilares para que se conseguisse lançar o WELL_COME FERRADOSA 1º Festival de Peixe do Rio, no Cais da Estação Restaurante.
Foram 3 dias (26, 27 e 28 de Julho) na companhia do delicioso peixe do rio, com animação musical, provas de vinho, conversas junto ao rio e muito sentimento de pertença a uma região. Uma tentativa da Rosário e Fernando Gomes de revitalizarem a região retomando a essência do que é ser duriense, as suas crenças e as suas tradições, principalmente no que à gastronomia e vinhos diz respeito.
Pelo que vi, este iniciativa foi um sucesso, não só pelo número de participantes e diversas gerações intervenientes mas também pela energia, vontade e alegria com que aderiram a este Festival do Peixe do Rio.
O espaço onde o evento decorreu, no restaurante alicerçado num antigo cais da estação da Ferradosa possui na localização um dos seus melhores predicados. Mas há mais, há a extrema simpatia, o elevado profissionalismo, a comida deliciosa tipicamente tradicional e aquela certa dose de amizade que assenta sempre bem.
Quanto aos peixes, sobretudo, boga e barbo, e não me armando em especialista (pois não o sou), gostei imenso do sabor intenso, da untuosidade, da frescura e ligeira adstringência que os mesmos transportaram. A Bia como é óbvio gostou (ainda estou para encontrar alguma coisa que ela não goste) mas preferiu o bolo de chocolate ;)
Passando aos vinhos, gostei muito dos frutos secos (amêndoa e noz), especiarias (canela e pimenta) e frescura do Porto Messias 20 anos (93 pts.); do pêssego, citrinos, mineralidade e acidez do Oscar's Branco 2018 (83 pts), do maracujá, limão, pimenta branca e notas florais do Claudia’s Reserva Branco 2016 (90 pts.) e das ameixas vermelhas, morangos e cacau do Oscar’s Tinto 2017 (89 pts.)
Neste dia aprendi que a vida, tal como o rio, não vive em linha recta, e ainda bem (não estou a falar das estradas para chegar a S. João da Pesqueira ;)). Muitas vezes, não paramos nas estações que deveríamos parar, por vezes, saímos da linha, noutras enganamos-nos no comboio. Há ainda aquelas curvas em que nos perdemos, as que desistimos, as que não previmos e forçosamente chegará aquela última em que desaparecemos como pó. Por vezes as curvas que mais nos marcam fazem-se quando menos esperamos, esta foi uma delas. Que ainda possamos contar muitas...
Obrigado Rosário e Fernando Gomes e parabéns pelo ziguezague bonito que vão fazendo, até às vindimas ;)
E já agora como é possível não nos apaixonar-mos pelo sorriso destas duas? Ainda bem que não me esqueci do que tinha para vos dizer :)