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No meu Palato

No meu Palato

Encontro com Vinhos e Sabores 2019 | As pontes entre nós

"A análise pormenorizada destrói o todo. Algumas coisas, as coisas mágicas, devem permanecer inteiras. Se olharmos individualmente para os pedaços que as constituem, a magia vai embora. Num universo carregado de ambiguidades, este tipo de certeza ocorre apenas uma vez e nunca mais, não importa quantas vidas nós vivamos."  Robert James Waller

IMG_3072 (2).JPGNuma altura em que as noticias cada vez falam mais em muros; esses que separam os ricos dos pobres, os do norte dos do sul, os israelitas dos palestinianos, os mexicanos dos americanos, os de Ceuta dos de Melilla, vou-vos falar dos seus arquiinimigos: pontes.  As pontes são o contrário de muros. As pontes unem aquilo que os muros tentam separar.

3 (6).JPGAs pontes estão para o silêncio como os muros estão para o diálogo. As pontes fazem-nos ir a algum lugar, os muros impedem que o consigamos fazer. As pontes unem: margens, populações, países, pessoas e até diferentes estados da alma. É também através da ponte dos afectos (ou a ausência deles) que nos relacionamos com os outros.

2 (5).JPGÉ por isso que as pontes são um dos pilares que impulsionam a saudável comunicação, o mundo e a nossa sociedade. Nenhum de nós quer/deve ser uma ilha ou uma margem desprendida de curiosidade. Ficarmos preso dentro de muros, das nossas casas, dos nossos empregos, das nossas vilas,  do nosso país, dentro daquilo que achamos ser a nossa área de conforto, vai dificultar, e muito, a bela compreensão do todo, sacrificada pela simples, fácil e cómoda observação da parte.

IMG_2744 (2).JPGAs pontes fazem-nos conhecer a outra margem, as outras pessoas, as outras culturas, os outros pensamentos, as  outras ideias e as outras maneiras de conceber a vida. Quando mais "diferente de nós" for a outra margem, mais densos, ricos e complexos (porque "isto" é um blogue vínico ;) ficámos.

IMG_2971 (1).JPGFoi para criar este tipo de pontes entre os enófilos que a Revista de Vinhos também nasceu. Celebrou em grande, há umas semanas, os 20 anos do ENCONTRO COM VINHOS. A edição agora finalizada no Centro de Congressos de Lisboa, na Junqueira, conquistou públicos francamente curiosos por outras margens, facto que foi elogiado pela generalidade dos expositores representados.

Nova Imagem2 (14).jpgNos destaques, começo com dois espumantes: através dos frutos silvestres, calcário, notas florais, nobreza e sofisticação do Giz Cuvée de noirs Baga 2016 (91 pts.) e da toranja, pão, cidreira, cremosidade e frescura do Luiz Costa Pinot Noir & Chardonnay 2015 – 4.ª Edição (22€, 92 pts.). Ainda nos espumantes, houve uma prova comentada de Bolhas formidáveis: Champagne, Trentino e Bairrada. Vou-vos falar de 3 deles.  O Ferrari Perlé Zero Cuvée 11 NV (65€, 95 pts.) tem no seu  génese algumas características, que em conjunto, se tornam muito peculiares: zero dosagem (brut nature), fermentação e estagio em 3 recipientes diferentes (inox, vidro e madeira) e 6 anos de evolução em garrafa em contacto com as leveduras. Tudo isto originou um bouquet com maçã, amêndoas torradas, gengibre, cominhos e flor de laranjeira. Adorei a sua secura e textura picante conciliados pela elegância do palato. 

Nova Imagem4 (8).jpgNo Coeur de Cuvée Brut 1er Cru Vilmart 2010(105€, 96 pts.) encontrei mineralidade (calcário), hortelã-pimenta, pêra, coco, volume, amplitude e riqueza aromática. Acaba longo, profundo, intenso e muito expressivo. No entanto e sem surpresas, o meu favorito foi o Cristal Louis Roederer 2008 (280€, 99 pts. - muito provavelmente o melhor Champagne que provei até hoje, apesar de ainda lhe custar começar a falar). Ainda muito novo já mostra aquilo que o vai tornar num Champagne perfeito, concentração, maçã vibrante, bagas silvestres ainda verdes, lima, ligeiro cacau e avelã, mineralidade (pedra molhada), textura sedosa, bolha finíssima e super elegante, e claro ... muita complexidade. IMG_2406 (1).JPGVoltando à sala principal do evento, alguma surpresa com as notas oxidativas e terrosas (quase químicas) conjugadas com a maçã verde, limão, espargos e zimbro do Quinta do Brejinho Terracote 2018 (90 pts.) e confirmação da enorme alma do Poças Branco da Ribeira 2017 (50€, 94 pts.),  com o seu  volume, untuosidade, espessura e uma acidez muito viva. 

Nova Imagem6 (2).jpgA frescura muito particular, a ligeira mineralidade e as notas nobres a citrinos, baunilha e especiarias tornam-no complexo, subtil e equilibrado. No Alves de Sousa Reserva Pessoal Tinto 2011 (75€, 92 pts.) voltei a encontrar a fruta preta em compota muito bonita, violetas, esteva, eucalipto, alcaçuz, aromas iodados e ligeira terrosidade.    IMG_2858.JPGA garrafa que provei no Adegga deste ano parecia-me bem mais pronta que esta. Se as que restam estiveram como a do Encontro com Vinhos e Sabores,  ainda "aguentam" mais uns aninhos de evolução em cave. O bonito dos vinhos, também é isto, cada garrafa conta uma história diferente.

IMG_2888.JPGNos "tubarões" lambuzei-me com as bagas escuras e maduras, ameixa vermelha,  pimenta branca, esteva, noz moscada, cravinho, densidade, frescura, intensidade e foco do Mirabilis Grande Reserva Tinto 2012 (75€, 95 pts.),  e os taninos austeramente secos, fruta preta madura (ameixa e moras), mirtilos, manjericão e cacau do Principal Grande Reserva Tinto 2012  (100€, 94 pts.).

IMG_2870.JPGNa segunda prova comentada em que participamos, tivemos a oportunidade de conhecer, através dos aromas e sabores, os vales do Douro e de Mosel (Áustria), duas das mais bonitas paisagens vinhateiras da Europa. Regiões de montanha que partilham ainda outro ponto comum: os solos xistosos. 

Nova Imagem8 (1).jpgNesta prova, tivemos vinhos Niepoort de ambas as regiões, da qual vou realçar 3 colheitas: 1983 (100€, 94 pts.: laranja confitada, casca de tangerina cristalizada, caramelo, amêndoa e nozes, um grande ano, não só nos vinhos ;)), 1977 (600€, 94 pts.: a mesma laranja confitada mas um pouco mais seca, ameixa vermelha, caixa de tabaco, chocolate, avelã) e 1948 (1500€, 99 pts.: alcaçuz, couro, tabaco, cera, iodo, farmácia, cogumelos, café, elegância, delicadeza, amplitude, intensidade, finesse, persistência  e uma surpreendente dictomia acidez-amargura).  Esta prova foi INCRÍVEL!!! e quanto a mim a melhor do evento.   

Nova Imagem10.jpgNos tintos da sala principal conheci algumas novidades, o Quevedo Q Grande Reserva Tinto 2014 (50€, 93 pts.) com compota de ameixa, doce de morango, frutos do bosque, casis, alcaçuz, amoras, charuto, taninos aguerridos/arredondados, equilíbrio, elegância e complexidade); o Comendador Costa Reserva Especial 2014 (55€, 92 pts.) e as suas notas a resina, caruma, ameixa vermelha, morango, cereja, baunilha e acidez assertiva; o benjamim Casa de Saima Garrafeira Baga 2015 (45€, 91 pts.) com os seus bagos silvestres, ameixa preta, tabaco, notas balsâmicas e austeridade; e o enormíssimo Aeternus Douro Tinto 2017 (140€, 97 pts.) com a sua cor vermelho rubi, intensa e concentrada, quase opaca. Exibe frutos vermelhos e pretos maduros com notas florais bem harmonizadas. No palato aparece com vida, poderoso e com e vigor, com boa estrutura em taninos firmes. O final é longo, persistente e sedutor.

1 (9).JPGPassando para os Portos, relevo para o Dow's Vintage Port 2000 (110€, 96 pts.) e os seus morangos desidratados, ameixa, café, zimbro e avelã; para o Graham's Vintage 2000 (120€, 97 pts.) ainda com fruta vermelha (ameixa e amora), cereja preta, chocolate, resina, eucalipto e taninos sedosos; e para o Dow's 40 anos (170€, 95 pts.) e os seus figos desidratados, uvas passas, nozes, avelãs, casca de tangerina seca, mel, baunilha e delicadeza. 

Nova Imagem12 (1).jpgE por falar em Portos, a última prova comentada em que participamos foi a Porto Vintage 2016 e 2017, duas declarações clássicas consecutivas de Vinhos do Porto Vintage que prometem ficar na história deste século. Em prova, estiveram Portos Vintage que mereceram pontuações de excelência pela Revista de Vinhos.

IMG_3020.JPGPara tentar ser justo o destaque vai para 2 vinhos, um de cada um destes anos. De 2016, o Graham's The Stone Terraces Vintage 2016 (190€, 98 pts.) com os seus frutos pretos, ameixa, mirtilo, esteva, flor de laranjeira, damasco?!?, tabaco, taninos sedosos e impecavelmente integrados, estrutura sublime e uma acidez inebriante é tão grande que ainda o estou a tentar perceber... Consegue ser sedoso, macio e fino, e ao mesmo tempo opulento, austero e indomável. O final ... nunca mais acaba, é impressionante!!! De 2017, para não ser óbvio, vou destacar o Pintas Porto Vintage 2017 (190€, 97 pts.) com os seus inesquecíveis taninos por camadas e ligeiramente apimentados, amora preta, ameixa madura, mirtilos, cereja, cassis,  baunilha, elegância, equilíbrio e precisão.

Nova Imagem14.jpgA edição de 2019 foi assim, e foi desta maneira que a esmiucei aos pedaços, mas como
Robert James Waller (o autor de As Pontes de Madison County) a magia do Encontro esteve no todo e nas novas pontes que lá se planearam. Em 2020, a 21ª edição do ENCONTRO COM VINHOS decorrerá no local de sempre, o Centro de Congressos de Lisboa (Junqueira), na altura habitual – de 31 de Outubro a 2 de Novembro, para celebrar e homenagear, entre amigos, uma das pontes mais eficazes que existe nos dias de hoje, o vinho. Aliás, se pensarmos bem, a ponte da amizade tem muito a ver com uma garrafa de vinho. Há sempre uma data em que ambas nascem, as boas vão melhorando com o tempo, as más, é melhor nem falar... E depois, há algumas, que apesar de as vermos poucas vezes, são as que mais gostamos. 

5 (3).JPGQuando iniciamos uma amizade ou abrimos uma garrafa de vinho, obrigatoriamente temos de procurar três aromas: o do compromisso, o da sinceridade e o da lealdade. Ironicamente, estes dois mundos, o dos amigos e o dos vinhos, unem-se num singelo acto, o de brindar. Ao brindarmos, prolongamos aromas, reavivamos memórias, eternizamos laços. Assim é a amizade, assim são os amigos, assim é o vinho, assim são as pontes que mais gosto!!! 

Parafraseando o grande Abrunhosa, que nunca caiam as pontes entre nós ;)

A Cozinha por António Loureiro | A arte de pintar silêncios coloridamente chilreantes

"Poucos sabem que a cor é a minha obsessão diária, a minha alegria e o meu tormento, e que as coisas mais ricas que crio vêm da natureza, a minha principal fonte de inspiração.  No entanto, toda a gente discute a minha arte e finge entender-la, como se fosse necessário entender alguma coisa, quando, na verdade, é apenas necessário ... simplesmente amar."   Oscar-Claude Monet

A CozinhaCá estou eu de volta ao burgo, depois de umas semanas de pausa, explicadas pelo nascimento do Guilherme, "o conquistador", a 23 de Outubro ;) Nasceu às 14:27h, com 4.060 kg e 51 cm, e desde então tem enchido a casa de encanto, amor, alegria e ... fraldas sujas :) Está tudo bem com a mamã, a Bia é uma apaixonada pelo irmão e eu tenho tido pouco tempo para ir actualizando o blogue. No entanto, este mês, pretendo recuperar o tempo "perdido" e pôr "tudo em dia".  

A CozinhaPara vos ser sincero, não tive que pensar muito para escolher a primeira publicação "pós-Guilherme", o título deveria ter sido "Impressionismo no prato ou a arte de pintar silêncios coloridamente chilreantes", mas como ficava muito comprido, resolvi encurtar para ficar mais "fofinho". 

A CozinhaImpressionismo no prato porquê? Porque os pintores impressionistas provocaram na representação das cores uma revolução comparável à revolução grega na representação da forma. Para eles, não deveríamos ver os objectos individuais, cada um com sua cor própria, mas deveríamos ser capazes de inferir uma mistura de cores brilhantes que se combinam, através do nosso olhar. 

A CozinhaSe a esta combinação mágica de cores, acrescentarmos sabores com memória, texturas contrastantes e pratos com história, chegamos à Cozinha por António Loureiro. Conforto, requinte, bom gosto e paz, muita paz…

A CozinhaÉ quase como se entrássemos numa outra dimensão, onde a azáfama do dia-a-dia acalma, enternece e ganha um outro sentido, ou melhor, outros sentidos. O restaurante ocupa uma sala cuidada nos detalhes, sofisticadamente tradicional, uma combinação de paredes, pedra e azulejos que brindam ao experimentalismo geométrico do cubismo com garrafas de vinho.

A CozinhaLocalizada no centro histórico da cidade-berço, em plena antiga judiaria vimaranense, actual Largo do Serralho, e vigiada pela imponente Torre dos Almadas, A Cozinha abriu há apenas três anos, procurando pôr-nos à mesa refeições sensoriais, saudáveis, criativas, modernas, elegantes, cheias de aromas, cores e memórias. 

A CozinhaO Chefe que dá o nome ao restaurante, tem um saber de experiência feito, apurou técnicas em restaurantes estrelas Michelin como o The Kitchin (*), o Belcanto(**) ou o Azurmendi (***) e em cadeias hoteleiras de renome como as Pousadas de Portugal, Solverde e Meliã. 

A CozinhaNa minha opinião aprendeu uma coisa muito evidente, a saudável combinação de tradição e inovação. Ao contrário do que se possa pensar, estes não são termos assim tão distantes, desde que tenhamos uma boa técnica e conhecimentos para os conciliar. Depois, há ainda a obsessão diária com a excelência e com as cores impressionistas, quase como se cada criação fosse concebida por um pintor. 

A CozinhaO elemento aglutinador de todos estas partes d'A Cozinha é ... o amor  que se serve em cada prato.  Nesta noite memorável conhecemos dois menus de degustação:  o "Legado" (75 €), mais ligado às histórias, à tradição e às memórias , invoca a imensa riqueza cultural e gastronómica da cozinha tradicional portuguesa; e o menu "Sentidos" (95 €), que vai buscar elementos,  inspiração e técnicas ao "antigamente" mas que não se fica por aí, inova, reinventa e acrescenta uma boa dose de contemporaneidade, surpresa e complexidade, com sabores mais excêntricos, exóticos e mais sentidos.

A CozinhaO ‘"Legado" é constituído por oito memórias, que vão desde o Atum, ao Abade Priscos, passando pela Vitela trufada, dando um elemento de requinte à receita tradicional minhota. Por sua vez o "Sentidos" reinterpreta dez momentos em que o Chefe António faz-nos viajar pelo mundo "cá dentro" de Guimarães, trazendo orientalidade aos sabores e aromas lusitanos. 

A CozinhaPara tal, usa combinações  tão inesperadas quanto assertivas e respeitadoras  da sazonalidade, de que são exemplo o Carabineiro com szechuan, o Foie Gras com beterraba, morango e Favaios (divinal!!!) e o Cheesecake de maracujá com merengue de coco e esponja de coentros. É uma cozinha "sem guião", de um improviso ponderado e de um saber-fazer assentes nas experiências degustativas de António Loureiro.

A CozinhaBons exemplos desta capacidade de "acrobacias sem rede" foram as inúmeras alterações ao menu da Clarisse, devido ao facto, de na altura, se encontrar grávida (e muito ;)). Estas, não foram apenas alterações "de circunstância", foram idealizadas no momento e de modo a que no final do jantar, ambos os menus fizessem sentido e fossem crescendo em intensidade, complexidade e espectacularidade. Aqui excelência rima com competência, tradição com inovação e cor com amor.

A CozinhaE já que entramos neste departamento, também a esposa do Chefe, Isabel, ajuda a dar a esta Cozinha uma atmosfera muito genuína. Ambos "apenas" querem ser felizes, também com a felicidade que nos vão servindo a cada prato.  Para além destas rimas, Na Cozinha há ainda uma política sustentável de desperdício zero, tendo por isso recebido dois Green Key  (um nacional em 2017 e um internacional em 2018), prémio que distingue os restaurantes mais sustentáveis do mundo, numa competição, que reúne mais 2500 restaurantes de quase 60 países…

A CozinhaVoltando ao aromas, às texturas e aos sabores, A Cozinha, da terra, do mar e das memórias, cresceu, prato após prato, tornando-se mais pessoal e ganhando sentido: a investigação, o compromisso, o conhecimento e a tal felicidade estão presentes em cada criação. Tem momentos, muitos momentos em que roça a perfeição (tenho a certeza que no céu deste Chefe surgirão mais estrelas, é só dar tempo ... ao tempo) . Nesta noite rodeou-nos por breves instantes e, no final, era chegado o tempo de continuar para outras paragens e outras gentes.

A CozinhaFica, contudo, na nossa memória a mistura de cores brilhantes e sabores entusiasmantes. Elementos que em conjunto (e depois de conciliados, com conta, peso e medida), são muito mais unidos, do que aquilo que mostravam em separado. O todo, é bem mais saborosamente inesquecível, do que a simples soma das partes. Monet, o pai do impressionismo, um dia sonhou conseguir pintar a maneira como os pássaros cantam, como metáfora de conseguir reproduzir algo tanto intimista como as sensações, o amor, ou as emoções. Tudo aquilo que não se vê com o olhar.  Tarefa difícil e infelizmente não concretizada, mas há em Guimarães quem se aproxime desse objectivo. Um cozinheiro-pintor impressionista, cuja arte lhe permite pintar silêncios coloridamente chilreantes em pratos que emanam o peculiar sabor da felicidade.

Parabéns António e Isabel, é um orgulho ter-vos na nossa cidade.