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No meu Palato

No meu Palato

Roadtrip nos Balcãs | A jóia do tempo com um cheirinho a alecrim

“Cruzar as fronteiras nos Balcãs não é uma experiência muito agradável. Em muitas delas, era impossível passar, outras, devido a possíveis conflitos, era aconselhado evitar. Mas, enquanto viajávamos e, sobretudo depois, quando percorríamos as diferentes cidades, vislumbramos os mais luxuriantes jardins, pomares e hortas: beringela violeta-escura, pimentão, tomate, pepino, abóboras gigantescas e melões, tão diferentes e tão saborosos. «Aqui é assim» - disse a mãe. «Uma terra abençoada e civilizada, da qual ninguém deveria ter vergonha de cá ter nascido. Se rejeitarem a nossa comida, ignorarem os nossos costumes, temerem a nossa religião e evitarem as nossas gentes, é melhor ficarem em casa...»."  Elias Canetti

RoadTrip 2019E então chegamos à última publicação relativa a 2019 e que vai bater o recorde de fotos publicadas: a roadtrip que tivemos no final da Primavera de 2019 nos Balcãs. Se esta zona ainda não está nos vossos favoritos, façam o favor de a incluir ... rapidamente. Embora seja uma região que cada vez se está a tornar mais popular, ainda é um destino bastante subestimado e no qual é possível evitar as multidões ... se viajarem nas mesma altura que nós escolhemos. 

Zagreb (Croácia)

Zagreb

Depois de lá passarmos quase duas semanas, estamos convencidos de que, devido à sua beleza natural, história, comida e cultura, ela vai rivalizar com qualquer um dos grandes destinos europeus. A juntar a tudo isto há ainda outros atractivos, tais como a segurança, o preço dos bens e serviços e ainda o "bom ambiente". Os locais estão entre as pessoas mais amigáveis que já conhecemos.

ZagrebO primeiro destino foi a capital da Croácia, Zagreb, à qual chegamos  numa tarde solarenga Junho, num voo TAP Porto-Lisboa-Zagreb. O aeroporto Franjo Tuđman é moderno, amplo e bastante "amigo das famílias", o que agilizou, e muito, a recolha das nossas malas. Esta cidade, com pouco mais de 800 mil habitantes, excelentes restaurantes, majestosos cafés, bares históricos e lojinhas familiares tem na sua catedral na praça de S. Marcos o seu ex-libris

ZagrebZagreb foi assolada ao longo da sua história por diversos conflitos, alianças e mudanças. Nos tempos que correm é uma cidade segura, cosmopolita e repleta de espaços verdes, que nos fazem sentir em casa. Não percam o disparo do canhão na Praça Markov ao meio-dia e não se esqueçam de visitar a medieval Kamenita Vrata (the Stone Gates) e o tranquilo Parque de Sveučilišna Livada. Muito para ser descoberto em apenas dois dias. 

ZagrebAlugámos um carro na Alamo (RentalCars) e ficámos alojados no Royal Airport Hotel, localizado a 5 minutos do aeroporto e a 10 minutos do centro de Zagreb. Para além da óptima localização e conforto, o seu SPA e respectiva piscina anterior são os seus melhores predicados. Ajudaram a recarregar baterias para a viagem que se avizinhava ;)

Plitvice (Croácia)

16 Lakes HotelNo dia seguinte saímos em direcção aos Lagos de Plitvice (2 horas de viagem). Escolhemos o 16 Lakes Hotel porque está convenientemente localizado a apenas 8 km do Parque Nacional dos Lagos Plitvice (5 minutos de carro). O bairro onde se situa é calmo e tranquilo, cercado por prados e a apenas alguns metros da estrada principal. Possui um óptimo restaurante e um serviço muito empenhado, personalizado e competente. 

PlitviceNão sei quanto a vocês, mas recordo-me perfeitamente que a primeira vez em que fiquei desejoso de conhecer a Croácia foi logo após ter visto algumas imagens deste lugar encantado com as suas centenas de cascatas e 50 sombras de azul. Tirem pelo menos 2 dias para se perderem neste cenário idílico. 

Nova Imagem7 (3).jpgOptamos pelo circuito H, que passa pelos lagos superiores e inferiores, e que inclui uma travessia de barco e duas viagens em autocarros panorâmicos. A meio do percurso é possível comermos comida tipicamente croata num dos restaurantes/churrascarias do parque. Não há a necessidade de andarem a carregar comida, sobretudo se já tiverem de carregar carrinhos de bebé ;) Levem é bastante água, porque vão precisar. 

PlitviceDemoramos cerca de 5h, fomos parando várias vezes (faz-se bem em 4h), porque transportar um carrinho de bebé ali ... não é tarefa fácil, mas consegue-se ;) 

Plitvice

Acho que tirando o Grand Canyon, foi o local mais impactante em que estivemos. As fotografias não conseguem traduzir a enormidade deste sítio.

PlitviceUma dica, para evitar as filas escolham a entrada número 2 dos lagos.  A 10 minutos do hotel, mas na direcção oposta aos lago, visitamos também as Grutas de Barać (um antigo habitat dos ursos das cavernas). Ali foi possível reviver a natureza ancestral, limpa, bela, simples e ... lenta. 

PlitviceA visita com guia profissional (obrigatória) conduz-nos por um caminho iluminado entre estalactites de tirar o fôlego, explica-nos como a sua estrutura foi criada ao longo de milénios e mostra-nos achados arqueológicos valiosos, tudo isto durante uma caminhada de 60 minutos. 

PlitviceUm sitio ideal para fazer um piquenique, isto é claro, para além de ser o local perfeito para a Bia espalhar o seu estilo ;) 

Nova Imagem13.jpgTenham cuidado com o roaming, porque devido às montanhas, a rede croata (grátis) desaparece e os vossos telemóveis registam-se  automaticamente na rede bósnia (caríssima). Já agora, obrigado MEO pelo perdão "fiscal" ;) 

PlitviceNo final destes dias de caminhada (tiramos 3 dias para esta zona) era sempre bom regressar "a casa" para o conforto em forma de água fresca e cristalina do 16 Lakes Hotel ;)

Zadar (Croácia)

Adeus Plitvice, olá Zadar (após 2h de viagem) ;) Zadar é uma cidade média em tamanho mas enorme em riqueza arquitectónica e charme medieval.

ZadarPossui um centro histórico lindíssimo (só superado por Guimarães ;)), ruas com pedras e edifícios centenários carregados de história e histórias, e um pôr do sol que é tido como um dos mais belos do mundo, quem somos nós para contradizer isso? Um agradecimento muito especial à guia Bia 🤪😀😛

ZadarFicamos hospedados em conchinha com o Mar Adriático no Villa Triana Zadar e jantamos no OX - Meet and Eat onde fomos super bem tratados. 👌❤️👏

Ox meet and eatA escolha das carnes foi perfeita e muito bem conciliada com os vinhos locais. Lá provei o melhor bife da alcatra de sempre (até hoje 😃), muito obrigado por tudo Petra 🙏🙏🙏

Šibenik (Croácia)

Šibenik

O dia seguinte foi passado entre duas cidades Património Mundial, Zadar e Šibenik, que estão apenas a uma hora de viagem, uma da outra. Para quem já visitou Šibenik, não é surpresa alguma que esta cidade medieval tenha sido escolhida para palco da série “Game of Thrones”. Com as suas quatro fortalezas protectoras, o núcleo histórico, a arquitectura antiga e a localização privilegiada à beira-mar, assumiu-se com o local ideal para as filmagens relativas às cidades fictícias de Bravos (onde estava o Iron Bank) e Meereen (onde Jorah Mormont voltou a conquistar a confiança de Daenerys). Tivemos a sorte de ter uma visita guiada (e privada 🤫😲🤭, thanks Barbara Gladović and Šibenik Tourism) aos locais das filmagens e monumentos principais. 

ŠibenikPara quem ainda não visitou Šibenik, agendem uma visita para breve, aguarda-vos uma viagem tão fascinante quanto memorável. É uma oportunidade para descobrir a cidade velha, as ilhas, os marcos históricos, o legado cultural e para explorar os locais tornados famosos pelo cinema a Catedral de Saint James ou o Forte de Saint Michaels.

konoba tri piruna vodice

Com o jantar entramos no mundo Michelin da Croácia através do surpreendente Tri piruna Vodice, onde uma "simples taberna" apresenta um serviço de excelência, profissional e dedicado, num ambiente descontraído...(obrigado pelo convite e pela conversa apaixonadamente vínica Pastore) 👍✍️⭐️ Ficamos alojados a 100 metros do “Iron Bank” no funcional, bem localizado e glamouroso Xboutique hotel (obrigado pela ajuda e convite Ante).

X Boutique Šibenik é uma cidade de sol, mar e pedra. Uma combinação única que torna esta cidade diferente de qualquer outra da Croácia. De todos os monumentos destacamos os imponentes  Barone Fortress, o St. Michael’s Fortress e é claro o Iron Bank aka St. James Cathedral 😃😎😃

Šibenik Aproveitamos ainda para conhecer mais alguns Croatas, desta vez estou a falar de vinho (😃), no Na Maloj Loži, um dos mais populares bares vínicos de Šibenik. 🍷🍾🍹 Esta é uma cidade top!!! 😉

Šibenik

Split (Croácia)

O dia seguinte foi dedicado, após uma viagem de 50 minutos, a conhecer a segunda maior cidade da Croácia: Split!!! Um óptimo lugar para perceber como a vida dálmata é realmente vivida: com intensidade e elegância.  Esta cidade milenar, sempre animada, feliz e exuberante, tem o equilíbrio perfeito entre tradição e modernidade.

SplitLá foi possível perdermos-nos no Palácio de Diocleciano (um Património da Humanidade da UNESCO e um dos monumentos romanos mais impressionantes do mundo). Para quem é fã da série, era também lá onde estavam presos os Dragões da Daenerys e onde ela própria tinha o seu trono).

Marina Frapa

Na cidade antiga há ainda dezenas de bares, restaurantes e lojinhas que prosperam junto às antigas muralhas, construídas há milhares de anos.  Ficamos alojados no fantástico Marina Frapa Resort Rogoznica, obrigado pelo carinho, profissionalismo e atenção (e vinhos 😉😃🤭) 🙏🙏🙏

Mostar e Međugorje  (Bósnia e Herzegovina)

Mostar

Destino seguinte, a cidade histórica de Mostar, a 2h30 de Split. Esta cidade abrange um vale profundo do rio Neretva, tendo-se desenvolvido sobretudo nos séculos XV e XVI, como uma cidade de fronteira otomana e durante o período austro-húngaro nos séculos XIX e XX. 🏞⛲️🕌 Mostar é conhecida há muito tempo pelas suas casas antigas tipicamente turcas e pela Ponte Velha, Stari Most, património mundial da Humanidade. ❤️🇧🇦🏛 A área circundante da ponte antiga, com as suas características arquitectónicas pré-otomana, oriental otomana, mediterrânea e europeia ocidental, é um excelente exemplo da alma urbana e multicultural desta bela cidade. ⛏⚔️👌

Herceg NoviA Ponte Velha e a Cidade Velha de Mostar são um símbolo de reconciliação, cooperação internacional e da coexistência de diversas comunidades culturais, étnicas e religiosas. 🤜🥰 Ficamos alojados no super confortável Hotel Herceg Medjugorje e jantámos uma deliciosa refeição tipicamente bósnia no Etno selo Vrdnička kula. Obrigado por tudo Katarina 😉🙏😉

MontenegroPor falar em religião, ainda deu tempo para visitar (e rezar) a Nossa Senhora de Međugorje (também conhecida como Rainha da Paz), que tal como em Fátima apareceu também a crianças, neste caso a seis de origem croata da vila de Međugorje, na Bósnia e Herzegovina, à época República Socialista Federativa da Jugoslávia. Estivemos no santuário na noite da celebração dos 38 anos das aparições. 👨‍👩‍👧‍👦💒⭐️

Trsteno (Croácia)

Dubrovnik

Mal se sai da Bósnia, após passar o corredor de Neum, e antes de entrar em Dubrovnik surge o Trsteno Arboretum–The Gardens of Red Keep, o jardim mais antigo da Croácia e com vistas completamente arrebatadoras. Este arboreto foi erguido pela nobre família local Gozze no final do século XV, que solicitou aos capitães dos navios que trouxessem sementes e plantas das suas viagens. O resultado é simplesmente magnifico.

TrstenoSe eu tivesse que escolher o sitio mais bonito de toda a viagem seria este ;) Este local serviu ainda para fazer uma pausa na viagem mais longa que fizemos nestas férias, 3 horas, entre Mostar e Herceg-Novi no Montenegro.

MontenegroAntes de visitar Dubrovnik e para evitar a confusão da cidade (aqui sim é difícil evitar as multidões) fomos deixar as malas no último hotel da nossa viagem, e no qual iríamos passar três dias para repor energias: o Lazure Hotel & Marina (a 45 minutos de Dubrovnik e longe do seu ambiente quase caótico), tido por muitos como o melhor hotel de Montenegro. Para nós foi o encerrar em grande das férias, simplesmente memorável. A suite, num misto entre rusticidade e decoração contemporânea, foi das melhores onde ficamos até hoje. O serviço é irrepreensível e o romântico restaurante, o Rosemarine, é viciante, pois celebra a hospitalidade tradicional montenegrina e a frescura dos produtos locais. Lá, tivemos a oportunidade de provar a culinária mediterrânea da melhor forma, experimentar os vinhos dos Balcãs e apreciar a vista para o Adriático.

Dubrovnik (Croácia)

DubrovnikO dia seguinte foi passado na “Pérola do Adriático".... Dubrovnik, aka King’s Landing 😎😜⚔️ Famosa pela sua espectacular localização à beira-mar, na costa da Dalmácia, juntamente com seu evocativo e medieval centro histórico, Dubrovnik foi fundada no século VII e tem sido governada alternadamente através dos séculos pelos venezianos e húngaros, cada um deles, deixando a sua marca muito particular. ☀️🌊🚢 Dubrovnik teve o seu maior crescimento nos séculos XV e XVI, facto que é materializado na sua arquitectura impressionante e na justa classificação como Património Mundial da UNESCO. 🎖🕍🌅

DubrovnikLar da elite artística e intelectual da Croácia, Dubrovnik oferece inúmeras actividades culturais, turísticas e festivais. Os destaques incluem caminhar pelas pitorescas ruas e vielas, contemplar a esplêndida catedral e respectivo tesouro, caminhar na calçada de Stradun, visitar os seus muitos palácios antigos e percorrer as suas imaculadas fortificações

Herceg-Novi e Kotor Bay (Montenegro)

Lazure hotel montenegroComo Dubrovnik tem de ser conhecida a pé, o SPA do hotel, com a lindíssimas piscina indoor (que tivemos a sorte de a ter na totalidade para nós), os cinco tipos de sauna, a hammam e as massagens caíram "que nem ginja" ;) 
Este hotel boutique de cinco estrelas em Kotor Bay - Herceg-Novi ocupa um edifício de pedra do século XVIII construído pelos venezianos. Embora não possua uma costa muito longa, a beira-mar montenegrina está repleta de paisagens deslumbrantes. 🌅☀️🌊 Inesquecíveis montanhas que abruptamente caem no mar e antigas muralhas de cidades medievais que se erguem do calcário e que têm a sua beleza espelhada nas águas cristalinas do mar Adriático. ⛰🗺🏝

Lazure hotel montenegro

Existem ainda as praias de pedra e cascalho escondidas nas baías arborizadas, ilhas pitorescas e cavernas marítimas cintilantes imersas no azul. Mas tudo isto, são apenas alguns apontamentos de todo o esplendor desta pequena república. 🗿🛳⛲️ No final do dia jantamos no surpreendente Konoba Feral, onde encontramos uns frutos do mar, uns peixes deliciosos e um ambiente muito descontraído.

Konoba Feral (Feral Tavern)Esta viagem fez-me reforçar uma ideia que já tinha, a de que uma das melhores formas de conhecermos a cultura e os costumes de um sítio é a de provarmos a sua gastronomia, típica e tradicional. Podemos ser levados, erradamente, a pensar que a comida nos Balcãs é sempre a mesma e que pouco varia de cidade para cidade e de país para país, ou então que serão semelhantes aos de outros pratos da Europa Central ou Oriental. No entanto, a culinária dos Balcãs é realmente bastante diversificada e cada país tem suas próprias especialidades regionais.

Herceg-Novi

Gastronomia

Então, mas o que é ao certo a comida dos Balcãs? Bem, para generalizar, é uma cozinha saudável e "carnívora", com uma grande noção de partilha envolvida. Embora os Balcãs não sejam, certamente,  a região ideal para vegetarianos, é o céu para os "carnívoros" e apreciadores de marisco. Não deixem de experimentar o café, sobretudo na Bósnia (moído ultrafino, misturado com água e aquecido em uma panela pequena directamente no fogão), o Burek (o lanche típico dos Balcãs, é um tipo de torta feita com filo e vários recheios diferentes: batatas, queijo, espinafre ou carne), o Ćevapi (talvez o prato mais unânime em todos os Balcãs e considerado o prato nacional da Sérvia, são uma espécie de salsichas pequenas grelhadas com cebolas em cubos, kajmak, iogurte e pão pita).

Comida TipicaO Plijeskavica é uma versão achatada e redonda do ćevapi feita com uma empada e mistura de carnes, servido com ainda mais cebola, kajmak e, às vezes, na minha versão preferida, com molho de pimenta e queijo. Há ainda os legumes recheados, o marisco, o mexilhão saganaki (mexilhões frescos salteados juntamente com tomate, pimentão, ervas, vinho tinto e queijo feta), o  pargo, o robalo, o atum, o polvo e a lula grelhada.

Vinhos

BalcãsPor fim, mas sem dúvida importante, não podemos ter um artigo sobre os Balcãs sem mencionar a rakija,  uma espécie de aguardente dos Balcãs, feita com conhaque e ameixas; e os vinhos locais. Os Balcãs têm muitas variedades de uvas indígenas que não são muito conhecidas internacionalmente, em parte devido aos seus nomes complicados. Generalizando mais uma vez,  os vinhos tintos podem ser leves e com notas de amora e ameixa (Plavac Mali) ou robustos, intensos e terrosos (Teran); e os brancos podem ser encorpados, untuosos e com notas de frutos secos ( Pošip) , refrescantes e com notas especiadas picantes (Malvazija Istarska),  secos com pimentos e espargos (Grk), e os meus favoritos, se calhar por estar em férias, os Graševina, secos, refrescantes, muito aromáticos, com maçã e um leve alecrim delicioso. Gostei ainda das interpretações mais frescas e descomplicadas de casta internacionais como a Chardonnay
LU

Falta apenas dizer que fizemos um seguro de viagem na Iati, que optamos por regressar desde Dubrovnik (deixamos o carro no aeroporto, pode ser mais caro mas é muito mais confortável) e usámos o cartão de débito pré-pago Revolut sem qualquer problema em todos os países que visitamos. Não é necessário passaporte, basta o cartão de cidadão com validade igual ou superior a seis meses.

As dicas finais que deixámos para quando visitarem esta zona perfumada a alecrim, uma autêntica jóia do tempo, é a de não rejeitarem a comida até mesmo antes de a experimentarem, a de não ignorarem os seus costumes, a de não temerem as suas diferentes religiões, e sobretudo a de deixarem-se apaixonar pelas suas  gentes. Vejam tudo com calma e sem pressas, pois só assim vale a pena.

Hvala ;)


Enóphilo Wine Fest Porto 2019 | O vinho sentido e a depressão que fez nascer um sonho

"Há 100 anos renasciam os povos após uma guerra atroz. Deu-se uma maior liberdade na cultura e nos costumes. Houve lugar para as artes e para a loucura. Muito aconteceu por Portugal e pelo resto do mundo. Foram os verdadeiros anos de loucura que ficaram para a história até hoje, 100 anos depois." National Geographic

Enóphilo Wine Fest Porto 2019A penúltima publicação relativa a 2019 leva-nos à  quarta edição do Enóphilo Wine Fest na cidade do Porto. Uma edição que se mudou de armas e bagagens para um novo espaço, o Hotel Crowne Plaza Porto, localizado na Avenida da Boavista, e que no passado dia 16 de Novembro, recebeu mais de 30 produtores nacionais com mais de 300 vinhos em prova.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Os enófilos mais entusiastas tiveram ainda as tradicionais provas especiais: a "Munda: 15 anos de uma expressão no Dão", a  "Cabernet Sauvignon da Quinta de Pancas - o renascer de um ícone" e a incrível "Uma viagem pela história dos Colheita da Vieira de Sousa” , da qual vos falarei mais adiante.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Existiu ainda uma grande novidade, a primeira edição do Velhíssimas, uma mostra exclusivamente dedicada a aguardente vínicas e bagaceiras, que se realizou em simultâneo com o Enóphilo Wine Fest Porto 2019

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Passando ao que interessa, aos vinhos (;)), começo por destacar o SEM IGUAL Ramadas Wood 2017 (25€, 90 pts.) pela sua baunilha, cardamomo, brioche, ananás, maçã verde, chicória, equilíbrio, intensidade e duração.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Ainda nos brancos, o Quinta de Pancas Vital Reserva 2018 (15€, 89 pts.) foi uma agradável surpresa devido às suas lichias, espargos, jasmim, tília, volume e frescura, tudo muito bem equilibrado.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Foi também no Enóphilo Wine Fest Porto 2019 que provei pela primeira vez os frutos silvestres, calcário, notas florais, nobreza e sofisticação do Giz Cuvée de noirs Baga 2016 (29€, 91 pts.)

Enóphilo Wine Fest Porto 2019A versão 2017 do Pai Horácio Grande Reserva (45€, 92 pts.) é mais fresca, intensa e mineral, continua equilibrado, com madeira muito sedutora e uma fruta mais "verde", menos compotada (cerejas, morangos, framboesas e mirtilos) e sumarenta. 

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Com uma relação qualidade/preço quase imbatível surgiu o Head Rock Grande Reserva Tinto 2015 (20€, 90 pts.). Um vinho que exibe exemplarmente ameixa preta compotada, amora confitada, sous-bois, argila e uma excelente mineralidade, acidez e elegância.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Na sala principal do evento, o destaque nos Portos, vai inteiramente para a Quinta da Devesa. Para a amêndoa, melaço, alperce, harmonia e vivacidade do Quinta da Devesa Porto Branco 20 anos (25€, 91 pts.); para o mel, nozes, avelãs, caramelo, leve cacau, equilíbrio e complexidade do Quinta da Devesa Porto Tawny 20 anos  (45€, 92 pts.); para a  linhaça, avelã, creme brûlée, cedro, cravinho, resina, pimenta branca, doçura inebriante e untuosidade do Quinta da Devesa Porto Tawny 30 anos  (75€, 93 pts.) e para a casca de tangerina, laranja confitada, melaço, pinho e acidez inesperada do Quinta da Devesa Colheita Porto 1969 (150€, 92 pts.)

IMG_3092.JPGNota especial para o doce de morango surpreendente, compota de ameixa preta quase torrada,  pimenta preta, canela, café, densidade, coerência, complexidade e durabilidade do Quinta da Devesa Colheita Porto 1976 (175€, 94 pts.). 

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Já sabem, ou deviam saber,  que as aguardentes não são a minha praia, mas não consegui ficar indiferente à noz-moscada, ameixa preta (???), caramelo, amêndoa e avelã da mais velha aguardente de vinhos verdes conhecida até à data: a Quinta do Tamariz 40 Anos (250€ pts.). 

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Como não percebo assim tanto de aguardentes, não me vou atrever a atribuir-lhe uma nota, posso apenas dizer que foi a melhor aguardente que provei até hoje.

Para último, o melhor do evento, a fabulosa prova "Uma viagem pela história dos Colheita da Vieira de Sousa”  (parabéns Luís Gradíssimo!!!)

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Percorremos o intrigante Vieira de Sousa Porto Colheita 2010 (25€, 87 pts.), quase um "vintage" com notas a frutos secos; observamos o decaimento na cor, maior secura e fruta vermelha subtil do Vieira de Sousa Porto Colheita 2009 (???€, 88 pts.); subimos na doçura, complexidade e terrosidade com o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 (???€, 87 pts.); demos um salto ao café, avelãs, nozes, taninos crocantes, ligeira secura, salinidade e excelente acidez do Vieira de Sousa Porto Colheita 1985 (???€, 93 pts.). 1985 é o ano da Clarisse e até hoje ainda não provei um Porto desse ano que não tivesse gostado, é um ano de coisas muito bonitas ;)

Enóphilo Wine Fest Porto 2019A percepção da avelã e da secura cresceu ao passarmos para o Vieira de Sousa Porto Colheita 1974 (???€, 92 pts.). Neste Porto surgiram ainda taninos picantes, amêndoa tostada e tabaco. Com o Vieira de Sousa Porto Colheita 1950 (???€, 95 pts.) vieram o equilíbrio, boa acidez, firmeza, secura e aromas a passas, nozes, avelãs  e baunilha.

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Como já seria de esperar a estrela do dia foi o António Vieira de Sousa 90th Anniversary Very Old Port (2200€, 100 pts.). Possui salinidade, acidez e densidade incríveis, o café que transporta é simplesmente arrebatador,  o melaço é muito concentrado (quase caramelo mas com maior acidez e menos doçura) e tem ainda notas muito particulares a pinheiro, chã preto e verniz. Acaba (horas depois) com uma complexidade, textura e personalidade fascinantes. Um vinho de sonho!!!

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Até no traje este vinho é distinto,  engarrafado em garrafas Cristal artesanais adornadas com letras a ouro prata pela Atlantis. Nasceu nos "loucos anos 20", época de um enorme dinamismo cultural, artístico e social, uma década de mudança de valores e de libertação da mulher e de festas grandiosas pinceladas pelo vinho (apesar da Lei Seca imperar nos Estados Unidos).

Enóphilo Wine Fest Porto 2019Muito aconteceu nesses anos por Portugal e pelo resto do mundo, desde a grande depressão até ao nascimento de Martin Luther King, o homem que tinha um sonho. Foram os verdadeiros anos de loucura que ficaram para a história até hoje, 100 anos depois. Tudo isto, estava aprisionado nesta garrafa e libertou-se neste copo de vinho. Vejam lá que até tive a sensação de ouvir a When You're Smiling de Louis Armstrong quando o provei ;)

Parabéns Luís pela organização, mais uma vez, impecável e muito profissional, e por teres proporcionado um espaço muito mais funcional e cómodo ao evento, com o ambiente ENÓPHILO de sempre: o do vinho com sentido entre amigos. 

Até para o ano, no sítio do costume ;)

Borges | A nova vida dos monovarietais

"Uma coisa é tu achares que estás no caminho certo, outra é achares que o teu caminho é o único. Imagina uma nova história para a tua vida e acredita nela." Paulo Coelho

BorgesA Sociedade de Vinhos Borges continua a apostar na renovação da imagem dos seus vinhos. Agora são os monovarietais da marca que chegam ao mercado com uma nova roupagem, seguindo a mesma linha das gamas Borges Reserva e Borges Grande Reserva: a união perfeita entre modernidade e tradição. Desta forma, Borges Touriga Nacional (Dão) e Borges Alvarinho (Vinho Verde) reforçam ainda mais a sua autenticidade e carácter.

BorgesBorges Alvarinho 2018 (10€, 87 pts.) é o resultado de um ano climático atípico, marcado por vinhos aromáticos, florais (flor de laranjeira) e de excelente equilíbrio. Produzido na sub-região de Monção e Melgaço, apresenta aroma exuberante e complexo, marcado por notas a frutos tropicais (manga, maracujá e papaia) e tangerina, com uma excelente acidez a conferir intensidade, frescura e longevidade. Acompanhei-o com um Puré de maçã, batata doce e alho francês, tosta de creme de queijo trufado, vieiras com molho de pimentos e caviar (receita abaixo).    

BorgesO Borges Touriga Nacional 2016 (20€, 89 pts.) é o reflexo de um ano marcado por vinhos de grande potencial, muita cor e sobretudo muita frescura. Produzido na região do Dão, onde esta casta nobre se afirma com todas as suas potencialidades, apresenta aromas de violetas envolvidos por notas muito puras de frutos vermelhos (ameixa e ginja), toranja, bergamota e pinho, evidenciando um excelente volume de boca, com taninos maduros, elegantes e suaves a contribuírem para uma elegância única e um final de boca extremamente longo e prazeroso. Acompanhou na perfeição um Ossobuco grelhado, batata doce assada, mexilhão, toucinho crocante e redução de vinho tinto (receita abaixo).  

BorgesNesta mudança de imagem, a marca Borges aparece reforçada como símbolo de prestígio e qualidade, assim como a recuperação da insígnia em relevo modulado das duas águias unidas, tendo sobreposto um ornato com as iniciais V e B no centro, é um regresso às origens e ao ano de fundação - 1884. Esta é a nova vida dos vinhos Borges.

Borges

Puré de maçã, batata doce e alho francês, tosta de creme de queijo trufado, vieiras com molho de pimentos e caviar:

Cozer as batatas cortadas em rodelas, as maçãs (quanto mais ácidas melhor)  e o alho francês em água e sal. Depois de cozidos escorrer bem e num processador triturar, juntamente com o azeite, a noz moscada e a pimenta. No final acrescentar parmesão e manteiga a gosto.

Levar um tacho ao lume com um fio de azeite (não coloquem muito, pois assim as vieiras iriam cozer e não grelhar). Temperem as vieiras com um pouco de sal e pimenta (fora do tacho) e colocaquem, uma a uma, em círculo. Deixar cozinhar cerca de 1 minuto ou 1 minuto e meio, de acordo com o tamanho das vieiras, até começarem a ficar douradas nas extremidades. Depois é necessário virá-las pela mesma ordem pela qual as colocaram no tacho, e deixarem cozinhar mais 1 minuto do outro lado. Acrescentem o pimento, o caviar e um molho agridoce (conforme a fotografia). 

Preparar uma tosta de creme de queijo trufado.

Ossobuco, batata doce assada, mexilhão, toucinho crocante e redução de vinho tinto

Grelhar o ossobuco em azeite e alho. Acrescentar pimenta e sal. Quando ficar alourado (10 minutos e cada lado) levar ao forno (45 minutos a 150ºC)  com um pouco de manteiga e sumo de limão. 

Levar a batata doce cortada em rodelas ao forno (40 minutos a 150ºC) com oregãos, sal, pimenta e um fio de azeite. Levar o bacon ao forno (40 minutos a 150ºC). Grelhar mexilhões com alho, sal, pimenta, pimentos, orégão e alecrim.  

Para a redução, numa pequena caçarola adicionem o vinho do Porto, o sumo de uma laranja laranja e de um limão e uma colher de sobremesa de groselha. Deixe reduzir o molho (sem ferver) até que a água se evapore e o molho fique reduzido a 1/4 do volume inicial.

G Restaurant Pousada de Bragança | Se Miguel Torga cozinhasse um Reino Maravilhoso

"Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite.... Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde: - «Entre quem é!» Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo."  Miguel Torga

G Restaurant - Pousada de Bragança"Um Reino Maravilhoso (Trás os Montes)" é um belo texto, da autoria de Adolfo Rocha, mais conhecido pelo seu pseudónimo, Miguel Torga, escritor nascido em S. Martinho de Anta, perto de Vila Real, a 12 de Agosto de 1907. Homem de mil e uma artes, fez ficção, foi poeta, contou contos, aventurou-se pelo teatro e exerceu medicina.G Restaurant - Pousada de BragançaTorga, assombrado quer pelas dificuldades que passou na sua juventude, quer pela vida dura dos seus conterrâneos, derramou este texto com o objectivo de evocar e caracterizar o seu berço, a região transmontana, focando nas suas riquezas e pobrezas, lembrando as suas gentes, hábitos, comportamentos, costumes e o seu modo de ver e de estar no mundo.

G Restaurant - Pousada de BragançaEsta figura maior do século XX, que nas suas próprias palavras se definia como um homem alto, de nariz longo e com perfil de contrabandista espanhol (por causa da boina basca que usava), era um apaixonado pela gastronomia transmontana, postulando que comer é cultura e um acto social, algo que transborda o imaterial assumindo-se quase como uma comunhão, algo transcendente, que roçava quase o religioso.

G Restaurant - Pousada de BragançaO acto de partilhar uma refeição é muito maior que aquilo que possamos inicialmente pensar pois permite-nos reunir afectos entre os que amamos, conviver comprometidamente numa mesa,  multiplicar alegrias e dividir tristezas. Através dele podemos partilhar o pão, comentar os sabores, provar o vinho e discutir alguns dissabores. Torga também era um amante de vinho. Narram algumas crónicas que Torga tinha à entrada da sua casa uma garrafa de Porto e que ficava particularmente chateado quando alguém não o saboreava, bebendo-o de um só trago.

G Restaurant - Pousada de Bragança

Foi com esta ideia do "comer Torguiano" que percorremos os 200 km que separam Guimarães e Bragança, para conhecer o G Restaurante da Pousada de Bragança. A primeira vez que o fizemos foi em Fevereiro do ano passado para celebramos o dia de S. Valentim. Quando ao jantar provamos as boas vindas do Chefe, uma Bola de Berlim, com recheio de queijo Terrincho e presunto, reservamos logo mesa para o dia seguinte e agendámos uma visita lá mais para o final do ano, com o blogue. 

G Restaurant - Pousada de BragançaEsta história é sobre essa mais recente visita. A bola fez de novo parte do menu. Untuosidade, riqueza, intensidade e durabilidade no sabor, alicerçado numa textura elegante, num equilíbrio no palato e complexidade de sensações.  Os citrinos, noz, avelã, pão torrado e mineralidade do Montes Ermos Espumante Bruto 2016 (7€, 83 pts.) foram um excelente complemento. 

G Restaurant - Pousada de BragançaAinda nos aperitivos, o Ovo a baixa temperatura com zimbro de rosé conciliou harmoniosamente o ovo e o rosé, introduzindo uma inesperada "crocância", aromas delicados na espuma pincelados por notas vegetais das folhas de aipo, sendo tudo isto potenciado pela maçã verde, lavanda, tosta, vegetal picante, bom corpo e frescura inebriante do Desnível Alvarinho Reserva 2018 (10€, 84 pts.).  

G Restaurant - Pousada de BragançaCom a Ostra surgiram as notas citrinas (lima), suco marítimo e voluptuosidade salgada. Um prato muito fresco, subtilmente mineral e de sabor airoso e levemente amanteigado.

G Restaurant - Pousada de BragançaO Santiaguinho, rabo de boi, espargos e courgette é um Surf and Turf com alma transmontana, com o marisco muito rico e com uma textura perfeita, levemente al dente, conciliado com uma orientalidade surpreendente da espuma e contrastando com a untuosidade, vegetal adocicado e intensidade do rabo de boi. IMG_1120.JPGUm belo par, Mar e Terra, ponderado, harmonioso e equilibrado, que dançou no palato ao som da estrutura e acidez do  Valle Madruga Gouveio-Malvasia Fina-Fernão Pires 2016 (6€, 82 pts.) e respectivas notas alegres a rosas, flor de laranjeira, pêssego, tangerina e cera. G Restaurant - Pousada de BragançaSeguiu-se o Cantaril com cevadinha, citrinos e gambas, muito complexo, fino, saboroso, equilibrado, estando a carne do peixe bem suave, firme e húmida. 

G Restaurant - Pousada de BragançaHá ainda o sabor surpreendente a ostra trazido por uma folha marítima (uma espécie de alga), o sabor único, limpo e distinto das gambas que em conjunto provocam uma explosão de texturas, influências e sabores, com o poder de nos transportar para o mar ... em Bragança ;) 

G Restaurant - Pousada de BragançaComo na altura a Clarisse estava grávida do Guilherme, o Chefe Óscar Geadas fez umas alterações no prato dela, incluindo a excentricidade da trufa,  a voluptuosidade dos pós, a delicadeza dos purés, a "crocância" fumada das "borboletas" e explosões de caviar resultantes das folhas de Nasturtium. 

G Restaurant - Pousada de BragançaNas carnes, começamos com o Veado, trufa, jus de carne e mirtilos. O veado tinha um sabor pleno e intenso, que se derretia na boca, solidificando, mais tarde, na nossa memória. Havia doce do molho,  havia o salgado das folhas, havia a untuosidade da cevada, havia acidez dos mirtilos, havia a intensidade da trufa, havia a densidade da redução de vinho com o jus da carne, e havia também o sabor generoso do risoto de cevada. 

G Restaurant - Pousada de BragançaTodos eles enobreceram um prato que foi uma lição de equilíbrio, de aromas, de sabores e de cores. Este foi, o melhor prato de veado que provei até hoje.

G Restaurant - Pousada de BragançaComo o veado estava mal passado, a Clarisse provou Vaca cozinhada a baixa temperatura, rica, saborosa e subtilmente exótica, mas também, muito leve e com pinceladas de tradição. 

G Restaurant - Pousada de BragançaAmbos os pratos de carne foram harmonizados com a ameixa vermelha, cereja, cacau, secura e ligeira adstrigência do Ribeira do Corso Vinho Tinto de Trás-os-Montes Biológico 2012 (10 €, 87 pts.).

G Restaurant - Pousada de BragançaA Baunilha, Framboesa, Figos e avelã e respectiva acidez, doçura e texturas contrastantes serviu como pré-sobremesa, preparando o palato para o que seguiria: Coco com granizado de chã de ervas e sorvete de citrinos e Chocolate, toranja e gelado de citrinos.

IMG_1195.JPGUm jogo de texturas, contrastes (doçura e adstrigência, acidez e secura) unidos pelas notas a citrinos e conjugações surpreendentes, que nos permitiu perceber que toda a cozinha do G Restaurante se baseia na simbiose equilibrada entre a matéria-prima, principalmente local, e o conhecimento, técnica, apresentação requintada e originalidade intimamente ligada às tradições transmontanas do Chefe Óscar.

G Restaurant - Pousada de BragançaHá, aqui, um respeito enorme, mais que respeito, há um compromisso com o sabor, com as texturas e todas as particularidades inatas dos produtos que os tornam únicos. 

G Restaurant - Pousada de BragançaHá ainda uma perfeição na execução técnica, nos tempos de preparação, nas quantidades e na conciliação de sabores/texturas, sem artifícios ou ilusões, mas também sem falsas-modéstias.

G Restaurant - Pousada de BragançaAqui encontramos pratos que contam histórias, cheios de sabor, intensos, mas sem excessos de untuosidade, tudo no ponto certo: que cada ingrediente potencializa, mas nunca se sobrepõe ao "bouquet" harmonioso de cada prato. 

G Restaurant - Pousada de BragançaImporta dizer que o G Restaurante se situa na Pousada São Bartolomeu de Bragança, um empreendimento único na região, projectado pelo arquitecto José Carlos Loureiro, nos finais dos anos 50, numa simbiose quase perfeita com a natureza, com a paisagem urbana e com uma vista incrível para o centro histórico e respectivo Castelo.

G Restaurant - Pousada de BragançaO serviço, quer no restaurante, quer no hotel, mais que profissional, personalizado e próximo ... é amigo, faz-nos sentir em nossa casa. Creio que existem poucos espaços como este, e talvez menos pessoas ainda como a família que o gere. "Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo."  ;)

G Restaurant - Pousada de BragançaDeixámos para trás, já com saudades, um autor que gosta do que é português, do que é autêntico,  um cultor das palavras, dos sabores e das memórias transmontanas.  Ponderado e assertivo, exibe com orgulho, uma ligação ao mundo rural que o viu nascer. Poderíamos estar a falar tanto de Miguel Torga, como do Chefe Óscar Gonçalves, porque se Miguel Torga cozinhasse um Reino Maravilhoso, não andaria muito longe deste menu ;)

Muito obrigado por nos terem recebido na vossa casa, e por não nos terem dado "apenas" a vossa comida, com ela trouxemos também uma parte bonita  do vosso coração abnegadamente transmontano.

 

 

Christmas Wine Experience 2019 | Willahelm e um desejo a proteger

"Quando os bolcheviques assumiram o controlo do Palácio de Inverno, descobriram uma das mais belas e mais bem recheadas garrafeiras jamais construídas. Nos dias seguintes, milhares de garrafas antigas desapareceram. Por várias semanas, a anarquia continuou - até que a lei marcial foi imposta - e finalmente o álcool acabou no mesmo momento em o ano antigo findou. No dia seguinte a capital acordou num ano novo e com a maior ressaca da história" Orlando Figes

Christmas Wine Experience 2019Um dos últimos livros que li no ano passado foi o “Madeira o Vinho dos Czares”, da autoria do reconhecido jornalista José Milhazes. Este livro encerra um importante conteúdo das relações histórico/culturais/comerciais entre o Vinho Madeira e a Rússia. É um livro bilingue (em português e russo), com 14 capítulos que nos dão a beber historias bem interessantes, onde o Vinho Madeira é a cabeça de cartaz, em assuntos tão variados como a literatura, a poesia, a medicina, as cortes imperiais, o comercio ou as relações diplomáticas.

Christmas Wine Experience 2019Gostei especialmente do capítulo (que é quase uma ficção histórica) que narra os últimos dias da família Romanov, passados na prisão domiciliária em Ecaterimburgo. Dias esses que antecederam a sua maquiavélica execução. Um capítulo que coloca na mesma cena, a revolução bolchevique, o vinho Madeira e a maior ressaca da história. Mas como começa ao certo esta revolução? Resumidamente, em 1905 alguns camponeses frustrados manifestaram-se pacificamente em São Petersburgo na procura de melhores condições de trabalho e de eleições livres. É sabido que os czares não gostavam muito de eleições populares, e por isso, Nicolau II (o czar no poder) decidiu acabar de maneira violenta com essa manifestação. Esse dia ficou conhecido como o Bloody Sunday (não o mesmo que os U2 cantam, pois esse aconteceu na Irlanda). 

Christmas Wine Experience 2019Como é óbvio a reacção popular a esse massacre foi a de mais manifestações encabeçadas por Lenine. A situação complicou-se (e muito) para o czar Nicolau II com a Primeira Guerra Mundial, um desastre para a Rússia. Baixas insondáveis ​​e uma economia enfraquecida contribuíram para um desfecho terrivelmente infeliz. Em Fevereiro de 1917, a Duma (uma espécie de parlamento apoiado por Lenine) atacou o czar. Tumultos, caos e uma escalada de violência nunca antes vista forçaram Nicolau II a abdicar. No entanto, mesmo exilados em Ecaterimburgo, numa humilde casa de um comerciante local, os Romanov continuavam a ser uma ameaça para os bolcheviques e para Lenine, os novos senhores do poder na Rússia. Com medo que o czar e os seus apoiantes tentassem reaver a sua posição, os bolcheviques assassinaram toda a família. 

Christmas Wine Experience 2019A residência principal do czar Nicolau II (e de todos os czares anteriores a ele) era o Palácio de Inverno em São Petersburgo. Para terem uma ideia da dimensão do palácio, digo-vos apenas que tinha mais de 1500 quartos.  Tinha também uma enorme garrafeira, possivelmente a maior do mundo na época. O valor estimado da adega era de 4 milhões de euros (qualquer coisa como  70 milhões de euros!!! nos dias que correm). E que vinhos estavam dentro da garrafeira? O Château D’Yquem de 1847, quase todos os vintages de Roderer’s Cristal Champagne e Madeira, o vinho favorito dos Czares. Deixo à vossa imaginação o que mais lá haveria.

Christmas Wine Experience 2019E o condicional é, infelizmente, o tempo verbal correcto.  Em Outubro de 1917, Lenine ordenou um ataque ao Palácio, e como seria de prever a garrafeira foi descoberta. Durante quase um mês (um mês!!!), os soldados partiram, beberam e saquearam dezenas de milhares de garrafas. Mais tarde, começaram a vender vinho e vodka para a população do lado de fora do palácio, o que significava que haviam pessoas bêbadas dentro e fora do palácio. Até que um dia os bolcheviques impuseram (finalmente) a lei marcial para restaurar a ordem em São Petersburgo. Mas o que realmente parou esta orgia vínica? O néctar de Baco ter acabado. E foi assim que São Petersburgo, na manhã seguinte, acordou com a maior ressaca da história. 

Christmas Wine Experience 2019O vinho Madeira, mais de um século depois, viria a ser de novo protagonista, de uma nova invasão a um palácio, por parte de soldados enófilos, na sua busca incessante por mais um copo de vinho ;)  Estou-vos a falar, como é óbvio,  do Christmas Wine Experience 2019 que decorreu no The Yeatman Hotel. Pelo 9º ano consecutivo, o hotel vínico de luxo abriu as suas portas para dar início ao calendário de celebrações, com mais de 200 vinhos especiais em prova e à prova ... de ataques bolcheviques ;)

Christmas Wine Experience 2019Mais de 100 produtores, de todas as regiões do país, alinharam-se pelas áreas comuns do hotel para apresentarem dois dos seus melhores vinhos para o Natal. A ideia foi a de encontrar os pares perfeitos para acompanhar os pratos típicos da quadra, do tradicional bacalhau ao peru, passando pelas sobremesas da época. Aos melhores vinhos juntaram-se uma selecção de queijos, enchidos e prova de azeites portugueses, que completaram a experiência. 

Christmas Wine Experience 2019Como já vem sendo habitual, houve ainda um Bazar de Natal com uma selecção de marcas portuguesas e produtos artesanais, entre os quais acessórios para vinho, jóias de autor, sabonetes perfumados, bombons, entre outros. O nível dos vinhos, esse, mais uma vez e fazendo jus ao evento, esteve muito alto. O Sem Igual Bruto Natural 2015 destacou-se entre os espumantes (25€, 89 pts.) com aromas de maçã verde, lima, marmelo, salicórnia, pão, acidez viva, mineralidade (granito molhado), crocância e secura. 

Christmas Wine Experience 2019Nos brancos retive o limão, resina, noz-moscada, frescura, untuosidade e complexidade do Quinta Mendes Pereira Encruzado Malvasia Fina Reserva 2015  (16€, 85 pts.) e a compota de laranja, lima confitada, flor de limoeiro, durabilidade, elegância, intensidade e evidente mineralidade (granito/calcário)  do Cartuxa Vinho de Talha Branco 2016 (55€, 91 pts.).

Christmas Wine Experience 2019Já nos tintos  o Mouchão 2008 (65€, 91 pts.) exibia solenemente fruta preta (ameixa e amora), notas mentoladas, eucalipto, resina, cacau, baunilha,  taninos arredondados, elegância e final de boca memorável. 

Christmas Wine Experience 2019A fruta vermelha (moragos, groselha e amora), baunilha, fumo, charuto, complexidade, acidez (xisto), finesse e taninos polidos do Três Bagos Grande Escolha 2009 Estágio Prolongado (60€, 94 pts.) deram-lhe a distinção de melhor tinto para o blogue. 

Christmas Wine Experience 2019Destaque ainda para a originalidade do eucalipto, bergamota, densidade, voluptuosidade e mineralidade química (grafite) do Quinta do Gradil Ganita 2015 (50€, 92 pts.); para a ameixa preta, azeitona preta, mirtilos, pimenta, tabaco, austeridade, "mau-feitio", frescura, densidade e secura do Villa Oliveira tinto 2014 Edição 125 Anos (85€, 91 pts.) e para a profundidade, maturação, elegância, mirtilos, ameixa, chocolate preto, pimenta, violetas, alfazema e uvas passas do Gloria Reynolds Cathedral 2004 (100€, 94 pts.).

Christmas Wine Experience 2019Passando aos fortificados, o Adega de Favaios Colheita de 1989 (80€, 90 pts) foi uma agradável surpresa, muito por culpa dos seus aromas nobres a resina, noz, castanha, figos, compota de laranja, cera, untuosidade e persistência . 

Christmas Wine Experience 2019Recuando ainda mais no ano, adorei o o Messias Colheita 1967 (200€, 95 pts), carregado de noz-moscada, pimenta branca, casca de laranja, cravinho, compota de pêssego, baunilha, complexidade, elegância, enorme duração e alma sublime.

Christmas Wine Experience 2019Gostei ainda da assertividade do Graham's Single Harvest Tawny 1994 (125€, 95 pts) que traja uma sedutora e densa cor âmbar, e que se mostrou muito complexo: com mel, caramelo, especiarias, flores silvestres, mirtilos, figos secos, nozes e café. Termina delicado, longo e equilibrado.

Christmas Wine Experience 2019Nos Porto vintages, o evento permitiu-me provar um dos poucos de 2017 que ainda me faltavam conhecer, o Taylor's Vintage 2017 (120€, 98 pts). 

Christmas Wine Experience 2019É um vinho grandioso com fruta aveludada e quase em compota (amora preta, ameixa vermelha e do bosque), taninos finos, mineralidade (grafite), notas florais (violetas, esteva e laranjeira), sous-bois, requinte, complexidade, equilíbrio, e originalidade. Ainda bem que me ofereceram uma garrafa no Natal ;)

Christmas Wine Experience 2019Mudando o perfil dos vintages, de um clássico e novo, para um "single-quinta" e já com alguma evolução,  vou-vos falar do Ramos Pinto Quinta da Ervamoira Vintage 1994 (100€, 92 pts) com a sua "decadência nobre" que emana notas mentoladas, couro, resina, pimenta preta, café, tabaco, cacau e ainda alguma fruta (ameixa vermelha, groselha, noz).

Christmas Wine Experience 2019Para último, o destaque vínico desse dia e a justificação da escolha da revolução bolchevique para introduzir esta publicação, o Barbeito Malvasia 40 Anos – Vinho do Reitor (400€, 98 pts). Para a sua criação fora seleccionados os melhores vinhos da casta Malvasia envelhecidos nos armazéns da Barbeito ao longo dos últimos 40 anos, pelo método tradicional de Canteiro, aos quais foram adicionados outros ainda muito mais velhos, alguns do tempo do czar Nicolau II.

Christmas Wine Experience 2019O resultado originou um bouquet extraordinário com deliciosos figos secos, ameixa confitada (quase queimada), cedro, eucalipto, sultanas, tabaco, cacau, canela, iodo e farmácia. O final de boca picante, salino, fresco e interminável ainda não me saiu da cabeça. É por causa de vinhos como este que as revoluções valem a pena!!! Cravos? Com cravos não se fazem vinho ;)

Christmas Wine Experience 2019Guilherme significa “protector decidido” ou “protector corajoso”. O nome Guilherme tem origem no nome alemão Willahelm, composto pela união dos elementos will, vilja, wailja, que quer dizer “vontade, desejo”, e helm, hilms, que quer dizer “protecção, capacete”. Assim, Guilherme significa “protector decidido" ou "protector corajoso”.

Christmas Wine Experience 2019Este foi o primeiro evento vínico que o meu filho, Guilherme, me acompanhou. O meu desejo, vontade e motivação  é que um dia mais tarde, possamos provar vinhos como este e participar em celebrações com esta. Vontade essa que  irei proteger com todo o carinho.

Até para o ano, no sítio do costume ;)