"Isso de querer ser, exactamente aquilo, que a gente é ... ainda nos vai levar além." Paulo Leminski
O enquadramento cultural da publicação de hoje leva-nos de encontro a um daquele tipo de ensaios que aparecem apenas de tempos a tempos, como pérolas reluzentes num mar de acessórios opacos. Uma jóia literária que cativa desde a primeira página e seduz até à última.
Estou-vos a falar de uma viagem fantástica pela história dos livros escrita por Irene Vallejo. A obra El infinito en un junco (O infinito num junco) está para a história dos livros, como o Sapiens - Uma Breve História da Humanidade de Yuval Noah Harar está para a evolução da espécie humana. O assunto pode parecer "uma seca" se não formos leitores vorazes, mas asseguro-vos que basta abrirem o livro e lerem as primeiras 5 linhas para a vossa mente se soltar em direcção ao infinito...
O Infinito num junco é, acima de tudo, pura literatura e puro amor pelas palavras. Irene Vallejo é dona de uma voz literária muito pessoal, cheia de imagens poderosas, daquelas que explodem nos nossos cérebros e nos encantam com o seu brilho narrativo. E é também uma voz próxima, quase íntima, que se vai despindo de segredos ao longo das páginas, que nos agarra com as palavras e que nos faz sentir uma necessidade umbilical de querer continuar a ler.
Ao longo das suas 443 páginas a autora parece cultivar peças soltas e desconexas que vagueiam pelo nosso pensamento, ideias perdidas, concepções opostas e memórias esquecidas, que no final, se materializam num todo sólido que é muito mais do que a simples soma de todas as peças iniciais.
No prólogo, Irene Vallejo segreda-nos que o livro superou a prova do tempo, demonstrando ser um corredor de maratonas. Sempre que acordámos do sonho das nossas revoluções ou do pesadelo das nossas guerras, o livro continuava lá, a registar tudo. Irene, citando Umberto Eco, defende que o livro pertence à mesma categoria da colher, do martelo, da roda ou da tesoura, uma vez que depois de inventados, não conseguimos fazer nada melhor.
Li uma vez, já não me recordo onde, que mais importante que elogiar a genialidade de um Leonardo da Vinci, de um Monet ou de um Van Gogh, seria termos o desejo de tentar perceber o contexto que permitiu o surgimento de cada um deles. É precisamente isso que Irene Vallejo faz, a respeito de um dos objectos mais extraordinários jamais criados: o livro.
Neste, provamos deliciosos detalhes da história da escrita, arte que inventamos para que as palavras pudessem viajar no tempo, no espaço e nas mentes. Inicia com o nascimento do primeiro "livro", para mais tarde, ao longo de 30 séculos, discutir os diferentes veículos que as palavras encontraram para se expressarem: o fumo, as rochas, a argila, o papiro, a seda, a pele, as árvores, o plástico e, mais recentemente, a luz.
Este é, também, um magnífico livro de história que nos leva a passear pelo mundo antigo com uma confiança e uma proximidade que, às vezes, nos faz sentir que estamos na presença de um guia de viagens. Viagens por bibliotecas, das mais antigas até as mais actuais, com paragens nos campos de batalha de Alexandre o Grande; na Villa Papyrus, momentos antes da erupção do Vesúvio; nos palácios de Cleópatra; na cena do assassinato de Hipátia (a primeira mulher matemática); nas primeiras livrarias; nas casas dos escribas; nas fogueiras onde os livros proibidos foram queimados; no gulag (um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer outra pessoa que se opusesse ao regime na União Soviética); na biblioteca de Saraievo e num peculiar labirinto subterrâneo em Oxford.
O titulo do livro faz uma referência, genial, à origem etimológica da palavra Cânone, que significa cana ou junco (uma vara para medir comprimentos na antiguidade e que, mais tarde, passou a significar "padrão"). O cânone literário é, assim, o conjunto de todas as obras (e de todos os seus autores) social e institucionalmente consideradas "grandes", "geniais", perenes, que comunicam valores humanos essenciais, e que por isso, são dignas de serem estudadas e transmitidas de geração em geração.
Esse junco é o que faz com que cada livro, pessoa, sociedade, país ou cultura possa ser original, autêntico, coerente e honesto, mas ao mesmo tempo, heterogéneo, incompleto e em constante mutação. É aquilo que nos faz ser, exactamente aquilo que somos, mas também, aquilo que nos vai levar mais além. E é aqui que chegamos à Quinta da Pacheca ;)
Um espaço camaleónicamente encantador e sedutoramente incompleto (nunca está acabado, parece a Sagrada Família de Barcelona ;)) e que conta agora com um SPA de verão, uma piscina exterior, um barril de desinfecção COVID-19 por ozono, um novo edifício (com quartos mais modernos e confortáveis), piqueniques nas vinhas e inúmeras outras mais-valias.
De todas estas novidades destaco a Prova à boca da barrica com o simpatiquíssimo Rui, na qual podemos provar diferentes castas, em diferentes barricas com diferentes tostas, a solo ou em blend. Muito fixe e provavelmente a melhor "conversa vínica" que tive este ano.
No entanto, esta constante metamorfose, permanente crescimento e inacabada oferta, não faz com que a Pacheca, no seu todo, deixe de ser original, autêntica, coerente e honesta, pois a alma abnegada e amiga, a boa energia, a excelência no serviço, o ambiente sereno, os bons vinhos com provas fantásticas e a gastronomia sedutora e de autor, esses, continuam os mesmos e im...pe...cá...veis!!
Nas novas colheitas gostei muito do chá Earl Grey, do anis, das flores silvestres intensas (urze), das ligeiras notas vegetais e da mineralidade (xisto molhado) do Pacheca Reserva Branco 2018 (90 pts., 32 €); das violetas, bergamota, ameixa vermelha, acidez e elegância do Pacheca Grande Reserva Touriga Nacional 2017 (89 pts., 29 €); das amoras pretas, mirtilos, cacau, complexidade, equilíbrio e largura Quinta da Pacheca Lagar nº1 2016 (91 pts., 40 €) e das rosas, esteva, mirtilos, groselhas, amoras, chocolate, acidez, intensidade e taninos redondos do Pacheca Vale de Abraão Colheita Seleccionada 2016 (92 pts., 60 €).
Gostei igualmente do damasco, nectarina, mel, urze, flor de laranjeira doçura e elegância do Pacheca Late Harvest 2015 (90 pts., 24 €). Já nos Porto, houve tempo para rever o caramelo, o chocolate, as especiarias, as nozes, a pêra confitada e o mel do Quinta da Pacheca 40 anos Tawny (92 pts., 100 €) e para os apontamentos de cacau, ameixa vermelha, amoras pretas, esteva, urze, violeta, intensidade, estrutura e acidez do Pacheca Vintage Port 2017 (93 pts., 65 €). Como novidade surgiu o Pacheca Vintage Port 2018 (91pts., 65 €). De côr retinta escura e densa, exibia no nariz esteva, mirtilos, ameixa madura, menta e eucalipto. Na boca era fresco, elegante, harmonioso e com taninos sedosos.
No restaurante reencontramos um menu variado e tentador, que respeita o conceito de cozinha tradicional portuguesa e utiliza os produtos típicos do Douro. Conceito que o virtuoso Chefe Carlos Pires trabalha com uma inspiração muito particular, dando-lhe uma nova roupagem, mais vistosa, mais moderna e mais charmosa. Como não poderia deixar de ser, cada prato é harmonizado com os vinhos da casa, promovendo uma montanha russa de emoções e sabores.
A viagem enogastronómica iniciou com o exagero voluptuosamente delicioso do Ovo em meia cozedura com molho de cogumelos e foie gras, prosseguiu com o sabor a mar inspirador, a frescura dos cominhos, o ligeiro picante do caldo, a delicadeza do bacalhau e com a textura carnuda do feijão da Feijoada de língua de bacalhau, descansou com a frescura irreverente do Sorvet de maçã verde e atingiu o apogeu com a intensidade do Naco de vitela com molho de rabo de boi.
O molho deste último prato estava delicioso e superiormente reduzido, no inicio sobrepondo-se ao resto, mas depois os cogumelos, a carne e os vegetais ganham destaque, despertando todos os diferentes aromas do prato. Todo esta untuosidade é equilibrada pela acidez dos temperos e ervas, que faz com que não nos cansemos do prato.
Quer a noite, quer o jantar, finalizaram com a dicotomia acidez/doçura da original Triologia de doces conventuais sobre carpaccio de ananás com raspas de lima, portadora de uma voracidade tradicional inebriante.
A manhã seguinte amanheceu solarenga, bem disposta, divertida e, depois de um passeio pelas vinhas da Quinta da Pacheca, foi pincelada com um excelente pequeno-almoço. Diversificado, assente em produtos de máxima qualidade, num ambiente requintado, seguro e com vista para o Douro...
E isto não é apenas um pormenor, apesar da Quinta ter crescido, os seus serviços não se desvincularam da serenidade, requinte, exclusividade e finesse de que um espaço como este exige.
Voltando ao pequeno almoço, para além dos prazerosos, e já habituais, ovos mexidos com bacon e cogumelos, tive a oportunidade de conhecer o espumante Pacheca Pinot Noir Grande Reserva 2009 Bruto (93 pts., 65 €).
Amarelo dourado na cor e com bolha super fina, este espumante seduz no aroma com toques de framboesa, cereja, leves citrinos e um pouco de brioche. No palato passeia com uma acidez frenética, uma textura mineral intensa, um corpo enorme e uma crocância que o faz ganhar muita complexidade. Para além de todos estes predicados, é um espumante que claramente pede comida. Fiquei fã ;)
Para a Clarisse, enquanto eu me deliciava com o espumante, a etapa seguinte foi uma reconfortante, serena e revitalizante massagem com uma vista arrebatadora para as vinhas e para o Douro, tudo isto na companhia de um belo Vintage 2018 ;) Existem imensos contextos e "panos de fundo" para este género de terapias, do corpo e da alma, vai ser difícil bater este da Pacheca.
Depois de mais uns belos momentos eno-gastronómicos ao almoço (por favor quando forem à Pacheca, não deixem de provar o polvo, é divinal), era chegada a hora do regresso a casa, com excelentes memórias na bagagem.
Este será, quiçá, o sitio onde nos sentimos melhor em família... Visitamos a Pacheca antes de casar, depois de casar, antes da Bia nascer, depois da Bia nascer, antes do Gui nascer e depois do Gui nascer!!! Esta crónica diz respeito à nossa última visita, no final de Agosto passado.
A ideia do contexto literário com que iniciei esta publicação surgiu lá. Nestes 2 meses, o Infinito num Junco foi considerado o melhor livro do ano pelo El Mundo, pelo La Vanguardia e pela edição espanhola doThe New York Times. Irene Vallejo venceu também o Prémio Nacional de Literatura em Espanha. A Quinta da Pacheca acumulou prestigiadas distinções como o de Best of Wine Tourism pelo Great Wine Capitals Global Network. Até aqui, há elos comuns banhados a tons de sucesso e reconhecimento.
Querem outra semelhança entre O infinito num junco e a Quinta da Pacheca? Ambos nos mostram a relevância das vírgulas nos diferentes mundos que compõem as nossas vidas. A vírgula é importante na literatura para marcar as pausas e inflexões nos textos, para enfatizar ou separar ideias e para impedir qualquer ambiguidade na escrita. Na Pacheca, a virgula que separa cada estado, anterior, de obra concluída, de outro estado, posterior, de obra iniciada; marca o empreendedorismo incessante focado no diversificar da oferta turística de uma região cada vez mais procurada; enfatiza o compromisso com a excelência no serviço e impede qualquer ambiguidade com qualquer vizinho. Que nunca vos faltem vírgulas ;)