Quinta de S. Sebastião | Quanto do teu sal é frescura transversal?
"O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar." Carlos Drummond de Andrade
Os nossos antepassados caçadores-colectores, tiveram o seu primeiro contacto com o sal, muito provavelmente, enquanto saboreavam a carne de um animal que haviam caçado momentos antes. Mais tarde, quando se viraram para a agricultura, a sua dieta mudou, e perceberam que o sal dava aos vegetais a mesma nota salgada a que estavam acostumados com a carne.
Isso permitiu que fossem alargando os seus horizontes gastronómicos para novos sabores, sempre com algo familiar, o sal, como companheiro de descoberta. Desde então, o sal ganhou destaque, transformando-se num artigo valioso, motivando de guerras, ajudando a erguer impérios e estimulando o comércio entre os diferentes povos.
A história do mundo "segundo o sal" é bastante simples e rápida de ser contada: Os animais ancestrais criaram caminhos para poderem lamber o sal dos mares e os Homens foram atrás deles. Esses pequenos caminhos tonaram-se estradas junto das quais pequenas povoações começaram a crescer. Quando a nossa alimentação voltou a mudar (em função da dificuldade/perigo em obter carne de caça) para os cereais, foi necessário conseguir o sal através de fontes alternativas.
A elevada procura e baixa oferta (pois não estavam disponíveis as técnicas de extracção de hoje em dia), fizeram do sal um mineral precioso. À medida que a civilização se espalhou, o sal tornou-se uma das principais e mais valorizadas mercadorias comerciais. Ao longo dos diferentes milénios fomos aprendendo que o sal ajudava também a preservar alimentos, a curar peles e a sarar feridas, razão pela qual a palavra que o denomina é uma prima-irmã de Salus, a deusa da saúde.
Por causa de seu uso como conservante, o sal tornou-se também um símbolo de purificação para os judeus do Antigo Testamento e o seu uso nos sacrifícios hebraicos passou a representar a aliança eterna entre Deus e Israel. Já no Novo Testamento, no Sermão da Montanha, Jesus serviu-se do sal para incentivar a fidelidade dos seus discípulos: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar, Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens”.
Na era romana, de todas as estradas que levavam a Roma, uma das mais movimentadas era a Via Salaria, a rota do sal, sobre a qual os soldados romanos marchavam e os mercadores conduziam carros de bois carregados de cristais preciosos das salinas de Ostia. O pagamento de um soldado romano era em parte sal, ficando conhecido como solarium argentum, de onde derivou a palavra salário. Palavra essa da qual, todos, gostamos muito. ;)
Gregos, Egípcios, Fenícios e Chineses também o veneravam, pena que estes últimos não tenham aprendido a purificar a carne dos animais antes de os comerem, tínhamos evitado muitas "chatices". Porém, a invenção do frigorífico, já no século XIX, acabou com o reinado milenar do sal, que acabou por se tornar em algo barato e corriqueiro, ainda assim, essencial à nossa sobrevivência (precisamos diariamente de 5 gramas desta antiga preciosidade e companheiro de evolução).
Sem ele o nosso organismo não seria capaz de transportar os nutrientes ou o oxigénio, transmitir impulsos nervosos ou mover músculos, inclusive o mais importante (se não for o primeiro é com certeza o segundo ;)) de todos ... o coração. O sal, por vezes, também está também presente no vinho, e em alguns casos é a marca mais evidente de pertença a um determinado terroir. Há uma corrente romântica (defendida por alguns críticos) que defende que a brisa do mar pode transmitir alguma salinidade às uvas. A explicação para o sal no vinho, é, no entanto, um pouco mais complexa.
A geografia, como não podia deixar de ser é um dos factores-chave nesta equação; muitas das vinhas estão localizadas perto de grandes massas de água e alguns minerais da água salgada do mar podem ser transportados pelo vento ou então por osmose para os lençóis de água vizinhos e que "regam" as vinhas. Os próprios solos, especialmente os vulcânicos e os calcários, podem contribuir para esse perfil salgado. Por último, uvas mais ácidas contribuem para uma certa percepção de sal no palato.
Essa sensação picante, enrugada e indutora de saliva pode ser interpretada pelo nosso cérebro como sal. Acreditando na explicação mais cientifica ou então na mais romântica, o que é certo é que o sal dá ao vinho aromas e sabores (ou pelo menos realça os mesmos) de um modo que o torna mais complexo e mais elegante. São disto exemplo os vinhos da Quinta de S. Sebastião.
A Quinta de S. Sebastião, fundada em 1755, tem um longo historial na produção de vinhos de qualidade, alavancados nos solos argilo-calcários, na Arruda dos Vinhos, que tem um clima mediterrâneo com forte influência Atlântica. Tem agora duas gamas de vinhos: Os ‘Quinta de S. Sebastião’ que são os "puro sangue" e os ‘S. Sebastião’ com um estilo moderno e clean, orientada para um público mais jovem.
Os vinhos da gama ‘Quinta de S. Sebastião’ são produzidos com uvas apenas de parcelas localizadas na Quinta. Já a gama ‘S. Sebastião’ tem uvas da Quinta, mas também provenientes das melhores parcelas de parceiros viticultores. Quer uns quer outros, são irreverentes, frescos e com alma salina. Começo pelos vinhos totalmente produzidos com uvas da Quinta, deixando de lado a nota salgada, comum a todos.
O Quinta de S. Sebastião Reserva Tinto 2017 (20 €, 90 pts.) de cor rubi-grená transporta aromas a frutos silvestres, ameixa preta madura, violetas, flor de laranjeira, cacau, pimenta preta e algum fumo. Na boca é denso sem deixar de ser elegante, mineral (rocha partida) complexo e equilibrado.
Por sua vez o Quinta de S. Sebastião Reserva Branco 2017 (17.50 €, 88 pts.) trajando um amarelo-cítrico muito cristalino e sedutor, tem notas a damasco, lima, maçã verde, melão e uma caixa de tabaco muito discreta. O palato é vigoroso, fresco e mineral (rocha molhada). A sua acidez fez um contraste delicioso com uma Sopa de cogumelos e tomate confitado.
Mudando de gama, o amarelo-palha S. Sebastião Sauvignon Blanc 2019 (6 €, 81 pts.) tem um nariz cheio de pimento verde, maçã verde e relva cortada de fresco. Na boca é estruturado, fresco e muito directo. Simples e descomplicado. Por sua vez, o S. Sebastião Touriga Nacional 2017 (6 €, 81 pts.), vermelho grená, tem aromas a fruto do bosque, amoras, pinheiro e algumas notas fumadas. Na boca é denso, rico, levemente untuoso e muito fresco.
Por último, o S. Sebastião Syrah e Touriga Nacional 2017 (8 €, 85 pts.) de cor rubi intensa exibe aromas muito equilibrados a frutos silvestres, cereja, ameixa vermelha, pimenta preta, caixa de tabaco e espinheiro. Na boca está cheio de frescura, de taninos redondos, com excelente volume e a implorar por uma Barriga de porco confitada com especiarias e ervas...
Curiosamente, apesar de não ter sido o mais pontuado, foi o que mais me surpreendeu e que mais prazer me deu à mesa, quererá isso dizer que sou jovem? ;)
Da prova de todos os vinhos fica a convicção de que apesar de estarem obviamente pensados para consumidores com perfis diferentes, os vinhos de ambas as gamas têm denominadores transversais, como a já falada salinidade, a frescura assertiva, a harmomia e em que todos eles pedem ... comida.