Titan of Douro | Pedras que falam
"O carácter é como uma árvore, sendo a reputação a sua sombra. A sombra é o que nós pensamos dela, a árvore o que ela é realmente." Abraham Lincoln
Para vos falar de um produtor do Douro, vamos embarcar numa viagem (necessariamente mental) para ... Champagne!!! ;) Apesar do seu porte altivo e reputação suntuosa, este vinho espumante guarda alguns "segredos" bastante sérios e aguerridos. Champagne, a região que dá nome ao vinho, perdeu inúmeras vidas, vinhas e até catedrais, em resultado dos combates violentos que lá se travaram durante as duas guerras mundiais.
Champagne viu-se empurrada para a linha da frente, como fronteira entre os alemães e os aliados no Outono de 1914. A partir de então, esteve no centro da 1ª Guerra Mundial, que durou quatro anos. As colheitas de Champagne durante estes anos tornaram-se famosas por terem sido realizadas por mulheres e crianças, enquanto os homens combatiam a umas escassas centenas de metros das vinhas. Insolitamente a colheita de 1914 é tida como umas das melhores de sempre em Champagne, isto apesar de não ter sido de fácil execução. A ofensiva aliada que forçou os alemães a abandonar as regiões onde se pretendia vindimar ocorreu apenas uma semana antes do início da colheita, tendo a vindima sido efectuada por entre tiros e bombardeamentos.
Em 25 de Setembro de 1915, ocorre a segunda batalha, desta primeira guerra, que começou logo após um ataque francês às linhas alemãs orquestrado pelo marechal Joffre. Curiosamente a "arma secreta" que faz de Champagne um dos vinhos mais prestigiados do mundo foi também aquela que fez a região ganhar esta segunda batalha ... o seu solo. Centenas de quilómetros de pedreiras, cavidades e túneis, escavados nas rochas calcárias e que deram abrigo, segurança e movimentos estratégicos aos seus habitantes. A 1ª Guerra Mundial termina em 1918. Champagne teria então 21 anos para se recompor antes que as hostilidades recomeçassem, noutra guerra.
Adolf Hitler tornou-se chanceler da Alemanha em 1933, prometendo fazer da Alemanha uma das maiores potências mundiais, novamente. Em Março de 1938, a Áustria foi anexada pela Alemanha. Embora a anexação não tenha sido (demasiado) violenta, a tristemente célebre tirania de Hitler começou ali. A 2ª Guerra Mundial começou oficialmente em 1939, quando Hitler invade a Polónia. Seguiu-se a França em 1940. A área de Champagne não se transformou num campo de batalha tão sangrento como havia acontecido na 1ª Guerra Mundial, ainda assim, a região foi tomada pelas forças alemãs durante quatro anos tumultuosos (estações de caminho de ferro destruídas, vilas incendiadas e pontes inutilizadas).
Uma das lições que os habitantes de Champagne aprenderam na Primeira Guerra Mundial foi a de estarem preparados. Antes do exercito alemão chegar já haviam escondido o vinho atrás de paredes falsas construídas no calcário. À medida que a guerra avançava, a manutenção da vinha e a produção do vinho foram, mais uma vez, delegadas às mulheres, às crianças e aos idosos. Foi produzido algum vinho durante os quatro anos de ocupação alemã, mas pouco. Houveram algumas colheitas muito boas (como a de 1943), mas apenas em quantidades limitadas.
É nesta altura que é proferida a frase "lembrem-se senhores, não é apenas pela França que estamos a lutar, é pelo Champagne" por Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, num discurso motivacional para o seu exército. Como é óbvio, este género de motivações fez com que os alemães começassem a perceber, que também não seria desta que ganhariam uma guerra. Por isso, planearam destruir todo o vinho que encontrassem em Champagne (estes "gajos" eram mesmo má onda). Antes que este sacrilégio pudesse ter sido concretizado, os aliados libertaram a região em 1944. Era chegada, finalmente, a hora de comemorar e muito do vinho escondido foi aberto.
Há quem defenda, os mais românticos, que o terroir de Champagne (que empresta aos seus vinhos as peculiares frescura, riqueza, delicadeza, vivacidade picante e sabor estimulante) não é afectado apenas pelo calcário, pela latitude que lhe dá acidez, pela longitude que lhe dá "atlanticidade", mas também por este legado bélico que lhe dá memória. Curiosamente, é esta conjugação de viticultura de excelência, tipo de solo, localização precisa, batalhas sangrentas e aromas elegantes que me faz associar Champagne aos vinhos Titan of Douro.
Senão vejamos, Paredes da Beira, onde nascem os Titan, foi conquistada aos mouros por D. Tedon e D. Rauzendo, cavaleiros cristãos (descendentes do Rei de Leão e ascendentes dos Távoras), que já haviam corrido com os mouriscos de Lamego, de Resende, da Granja e do Tedo. Foi-lhes dado o apelido de Távoras pela bravura como se bateram contra os mouros na batalha do Vale dos Mil. Segundo alguns relatos, mataram tantos mouros, mais de mil, que fizeram com que as águas do rio Távora ficassem vermelhas de tanto sangue derramado. Ainda hoje esse lugar é conhecido por Vale dos Mil, berço das vinhas centenárias dos vinhos Titan of Douro.
Vinhas essas com mistura de várias castas tintas e brancas, em pé-franco, a altitudes de 750 – 850 metros, com orientação sudeste e solo de granito, quartzo e calhau rolado. O granito, tal como o calcário em França é poroso o suficiente para permitir que as videiras desenvolvam as suas raízes até uma boa profundidade, retendo a humidade, servindo de humidificador natural da videira e ajudando o solo a manter uma temperatura mais uniforme. Tudo isto, aliado à genialidade vínica de Luís Leocádio, faz com que estes vinhos tenham uma enorme frescura, carácter singular e forte identidade.
Fui conhecendo estes vinhos durante o confinamento do ano passado. Ganhei ainda mais curiosidade após ter estado na apresentação dos Fragmentado. Posso confidenciar-vos que foram os vinhos que mais me surpreenderam neste ano, sobretudo os brancos. Foram também os vinhos que seleccionei para a noite de consoada, a noite de passagem de ano e também para alguns presentes de Natal. :)
Depois de tamanha (e acredito que para alguns de vós inusitada) introdução, vamos lá falar dos vinhos, começando pelo Titan of Douro Reserva Rosé 2019 (20.00 €, 91 pts.). De cor rosa-salmão é um vinho de aromas contidos mas elegantes a tília, flor de pessegueiro, cereja, groselha, framboesa, granito partido, fumo e caramelo muito subtil. Na boca é um vinho intenso, fresco e irreverente. Igualou a melhor pontuação que dei a um rosé.
O Titan of Douro Branco 2019 (10.00 €, 85 pts.), amarelo-citrino com laivos esverdeados exterioriza uvas frescas, lichias, damasco, pera, limonete e um ténue anisado. O palato é fresco e com muita estrutura, intensidade e corpo. Tem uma excelente relação qualidade/preço.
Já o seu irmão, o rubi-violeta Titan of Douro Tinto 2019 (10.00 €, 83 pts.), é menos vincado no nariz, mais rico e com mais arestas. Os aromas transmitem mineralidade (grafite), cerejas, framboesas, mirtilos, violetas, caixa de tabaco e algum cacau. Tem uma boca com taninos redondos, bastante gulosa, fresca e assertiva.
O Titan of Távora Varosa Daemon 2018 (20.00 €, 92 pts.) é o mais "champanhês" de todos eles. De cor amarelo-palha bastante viva e cristalina, exibe notas contidas mas expressivas (conceitos aparentemente contraditórios, mas que neste vinho não o são) a fumo, pão torrado, brioche, granito molhado, noz moscada, esteva e tília. Na boca é um vinho super completo e equilibrado, onde a enorme estrutura está assente numa acidez poderosíssima. Estou curioso em perceber como este Daemon vai evoluir...
O Titan of Douro Vale dos Mil Branco 2018 (30.00 €, 93 pts.), amarelo-citrino, tem um ataque persuasivamente sedutor com loureiro e zimbro. Surgem também notas frutadas (toranja, lima e damasco), minerais (sílex), fumadas (caixa de tabaco e pão torrado) e florais (espinheiro). No palato passeia-se com um bonita dicotomia untuosidade-frescura. Tudo com muito equilíbrio, elegância, carácter e uma tensão que é comum a todos os brancos Titan. Foi um excelente comparsa do Bacalhau à minha moda (uma espécie de mistura de bacalhau com natas e bacalhau com broa).
Para acompanhar uma Bolacha de foie gras, tempura de legumes e gelado de beterraba nada melhor que o Titan of Douro Vale dos Mil Tinto 2018 (30.00 €, 92 pts.). De porte rubi muito denso, e embora tendo o nariz menos excêntrico que o branco, é muito rico e complexo. Surgem primeiro as notas a esteva, flores brancas, pinheiro, cedro e a eucalipto. A fruta aparece depois com groselha, cereja e amoras silvestres.
Na boca é mineral (granito partido), crocante, volumoso, estruturado e longo. A introdução "afrancesada" pretendeu destacar a particularidade destes vinhos que por vezes nos parecem querer enganar, fazendo-nos sentir na presença de um Chablis, Borgonha ou Champagne (sem bolhas ;)). A prova de toda a gama mostra que isto não é apenas uma coincidência, mas algo característico, quer do terroir quer do modo engenhoso como o Luís gosta de esculpir os vinhos.
Vinhos esses que dão a "palavra" às pedras, ao terroir que lhes serve de berço. Aquilo que nos dizem, está a transbordar de originalidade, frescura, identidade e carácter. Termino dizendo que, por tudo isto, gostava de ver o Luís Leocádio fazer um bom espumante, o ponto de partida, pode muito bem ser o Daemon ;)
Bacalhau à minha moda:
-Cozam as postas de bacalhau sem nunca deixar ferver (fervam previamente a água, adicionem o bacalhau e desliguem o fogão, o calor residual vai cozer o bacalhau);
-Cortem a cebola, o alho e o alho-francês em rodelas finas e refoguem em azeite, até estarem transparentes;
-Escorram o bacalhau, desfaçam-no em lascas e juntem ao preparado do ponto anterior. Deixe refogar lentamente. Acrescentem sal, pimenta, noz-moscada, uma folha de louro e um pouco de leite. Deixem engrossar, mexendo de vez em quando;
-Descasquem e cortem as batatas em cubos e levem ao forno a 210º (até as mesmas estarem alouradas), polvilhando-as previamente com paprika e noz-moscada;
-Juntem as batatas ao bacalhau. Rectifiquem o sal, a pimenta e a noz-moscada.
-Coloquem tudo num tabuleiro untado com manteiga para ir ao forno. Espalhem por cima as natas e polvilhem com queijo mozzarella ralado;
-Polvilhem a parte superior com uma mistura de miolo de broa de milho, ovo cozinho e bacon e coloquem algumas azeitonas;
-Levem ao forno a 210ºC até o pão tostar.
Bolacha de foie gras, tempura de legumes e gelado de beterraba:
-Partam uma batata doce (de preferência de polpa laranja) em rodelas grossas e levem ao forno a 210ºC, apenas com sal, pimenta e oregãos, até as rodelas estarem alouradas. Esta vai ser a base da bolacha;
-Partam o foie gras com a mesma espessura (e diâmetro) da rodela de batata doce;
-Façam uma tempura com alho francês, cebola, pimento, cenoura e beringela;
-Para o gelado cozam as beterrabas já descascadas em água e sal (reservem uma para levarem ao forno). Triturem-nas e juntem um pouco de ginja, açúcar mascavado, natas magras, sal e sumo de um limão e cozinhem por 2 minutos. Levem ao congelador para usarem mais tarde (necessita de pelo menos 4 horas antes de ser servido);
-Montem a bolacha (base de batata doce, depois foie gras, depois a tempura e por último umas batatas fritas finíssimas).