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No meu Palato

No meu Palato

Arcadas Quinta das Lágrimas | Ecos de um sorriso

"Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror." Charlie Chaplin

Arcadas Quinta das LágrimasO humor é, infelizmente, muitas vezes considerado impróprio na maioria dos contextos de trabalho que conhecemos, mesmo naquele em que hoje "visto a pele": o da critica gastronómica. Segundo a maioria, esses comentários analítico-subjectivos devem retratar uma experiência séria, que pode provocar gula, desejo, curiosidade e atração, ou então reprovação, repulsa e aversão,  mas nunca risos.

Arcadas Quinta das LágrimasAnthony Bourdain e mais tarde Gordon Ramsay vierem mudar um pouco as mentalidades neste campo, introduzindo doses consideráveis de humor nos relatos das suas experiências gastronómicas.  Apesar deste pesos pesados terem dado um grande abanão nos preconceitos narrativos estabelecidos, um grande número de críticos continua a não achar muita piada a estas modernices galhofeiras. 

Arcadas Quinta das LágrimasNo entanto, a nossa atitude perante o sorriso, mesmo em contexto de trabalho, evidencia muito mais que um simples estado de alma. Todos nós já ouvimos diversas teorias que nos permitem avaliar a abertura/progresso de uma determinada cultura ou instituição, para mim uma das mais certeiras é aquela que defende que o modo como esse grupo de pessoas usa e encara o humor, determina de forma indelével o seu grau de tolerância.

Arcadas Quinta das LágrimasIsto porque, quando usado com moderação, o humor é uma excelente forma de contar histórias. Quando nos deparamos com algo engraçado, rimos sem pensar. O riso é-nos inato, começa desde tenra idade e, se tivermos sorte, permanece como uma ocorrência diária, tendo um forte significado social pois estabelece ou fortalece uma certa noção comunitária de comunidade.

Arcadas Quinta das LágrimasAo contrário de muitas outras emoções, o riso quer-se sempre a cavalgar e em crescendo. Como Henri Bergson defende, o riso é um som que quer eco, como um trovão numa noite de tempestade. Rir é também um acto muito saudável. Rir torna-nos mais inteligentes, criativos, sadios, e é tão importante que a ciência que o estuda, a gelotologia, comprovou que o riso reduz o stress, a ansiedade, a depressão, a raiva e a pressão arterial, ao mesmo tempo que relaxa os músculos (se bem que num caso muito particular pode ter o efeito oposto ;))

Arcadas Quinta das LágrimasApesar de todas estas vantagens, rir também pode ser um acto socialmente proibido. Rir quando deveríamos ser "sérios" é desaprovado, ou então associado frequentemente a um comportamento irritantemente imaturo. Todos nós, por certo e com amargura, ainda nos recordamos de quando éramos crianças e os "adultos de serviço" nos pediam para pararmos de rir e nos comportarmos como garotos ... que eramos realmente. 

Arcadas Quinta das LágrimasInfelizmente, quando usado incorretamente, o humor também pode magoar, ostracizar, evidenciar preconceitos ou até mesmo humilhar, nomeadamente através do uso do ridículo ou do sarcasmo. Rir também pode ser uma ferramenta. Seja em contextos sociais ou profissionais, o humor pode ser usado como uma forma de "quebrar o gelo" ou de resolver conflitos. 

Arcadas Quinta das LágrimasNo Budismo, o sorriso é uma ferramenta importante para nos libertarmos de apegos desnecessários, preconceitos enraizados e de pessoas com uma "nuvem cinzenta". Do outro lado do sorriso, pode haver uma profissão. Ao longo da história, palhaços, jokers, cartonistas, bobos da corte e comediantes assumiram-se como autênticos veículos promotores de gargalhadas.

Arcadas Quinta das LágrimasUsando o riso com ponderação e habilidade (um pouco como o sal na comida), ele pode-nos até surpreender, desafiando as nossas crenças, quebrando algumas das nossas suposições e abrindo a nossa mente para novas maneiras de gargalhar a vida. 

Arcadas Quinta das LágrimasNum mundo sisudo não podem ver o vosso blogger favorito a dançar o créu (a sério não se metam nisso ;)) ou um hipopótamo a galantear sedutoramente uma girafa embriagada. Quando o riso nos predispõe a entrar neste admirável mundo (estranhamente) novo, iniciamos um exercício mental quase filosófico, o de pensarmos de forma diferente, mesmo que o objeto do pensamento nos possa parecer fora do contexto tradicional.  

Arcadas Quinta das LágrimasIsso acaba por estimular a nossa imaginação, podendo até, no melhor dos casos, levar-nos a perceber que nos levamos demasiado a sério muitas vezes, demasiadas vezes.  Com todo este "relaxamento" induzido pelo riso, o nosso cérebro recompensa-nos, com  a libertação de quatro neurotransmissores: a dopamina, a serotonina, a endorfina e a ocitocina; que nos fazem sentir bem,  sentir prazer e sentir felicidade.

Arcadas Quinta das LágrimasCuriosamente, são essas mesmas 4 substâncias que são libertadas quando desfrutamos de uma refeição que apreciamos. Por isso, para mim, a conclusão é óbvia, rir é uma boa dieta!!! :P Agora mais a sério, a gastronomia tem de, forçosamente, rimar com alegria. E é sobre alegria empratada no restaurante Arcadas da lindíssima Quinta das Lágrimas que vos falo hoje. 

Arcadas Quinta das Lágrimas Está inserido num ambiente que transborda conforto, natureza e paz, edificado num palácio do século XVIII rodeado de 12 hectares de jardins históricos, inúmeros séculos de estórias, muita água e um jardim de cheiros. À mesa do Arcadas (considerado um dos 500 melhores do Mundo pelo guia francês “La Liste”) podemos provar uma cozinha que utiliza os produtos tradicionais da região centro para criar receitas com sabor, memória e apresentação cuidada. 

Arcadas Quinta das LágrimasAproveita ainda a proximidade do jardim de cheiros para usufruir das suas ervas aromáticas e do pomar selecciona as mais saborosas laranjas, limões, abacates, framboesas, tomates e agriões selvagens. O conceito "gastronomia de proximidade" é estabelecido através do contacto frequente com os pequenos produtores locais e também com a utilização do cânone gastronómico da região.  

Arcadas Quinta das Lágrimas O contexto histórico local é adicionado ao menu através de criações como a Pedro e Inês (uma sobremesa, que para a Bia foi a melhor do ano) ou do voluptuoso Faisão proveniente da mata que relembra as caçadas de D. Pedro.  Como o Arcadas está a dois passos de duas das mais importantes regiões vinícolas de Portugal, Dão e Bairrada, a carta vínica é particularmente rica em vinhos provenientes dessas regiões.  

Arcadas Quinta das LágrimasÉ possível ainda encontrar nessa lista alguns dos melhores néctares não só do resto de Portugal, como também algumas boas referências mundiais que podemos ir harmonizando com as diferentes partes da nossa refeição concebida pelo Chefe Vítor Dias

Arcadas Quinta das LágrimasFazendo mais uma vez uma ponte com a história, o  vinho ex-libris  tem a assinatura “Pedro & Inês”, concebido com duas castas tradicionais desta região, uma mais rústica e masculina (Alfrocheiro-Pedro), outra mais perfumada e feminina (Touriga Nacional-Inês). A união das duas criou um vinho histórico com um perfil muito gastronómico e elegante.

Arcadas Quinta das LágrimasGostei muito da irreverência, frescura e crocância da Mousse de caça e redução de Vinho do Porto; da harmonização de sabores e texturas do Texturas de alfarroba com presunto crocante e mousse de queijo; e da concentração de sabor e brisa marítima do Carabineiro com creme de orégãos e arroz de peixe.

Arcadas Quinta das LágrimasNas carnes, uma especialidade do restaurante, destaque para a Barriga de leitão confitada, cabidela de batata, molho de laranja algarvia com um contraste muito apelativo entre crocância e suculência; para a Chanfana com os cuscos de Trás-os-Montes e presunto bísaro que recupera os sabores de conforto dando-lhe pitadas de modernidade (quer na apresentação, quer no equilíbrio  de sabores); e para o Cabrito glaceado com legumes carregado de tradição, sabor e alegria.

Arcadas Quinta das LágrimasNas sobremesas, o Pedro e Inês: coração de mousse de manga e coco com sorvete de maracujá foi o prato que a Bia mais gostou no ano passado. Esta sobremesa saborosa, irreverente e tropical (as notas da Bia são o coração docinho e o gelado fresquinho ;)) evoca a história de Pedro e Inês, indissociável do cenário encantado da Quinta das Lágrimas.

Arcadas Quinta das LágrimasNo entanto, eu preferi a harmonia alegre a camaleónica das Texturas de chocolate, caramelo, gelado de maracujá e pistácio. Desde as boas-vindas do Chefe (uma perna de perdiz e bloddy Mary) até aos petit fours , o Chefe Vítor Dias vai contando,  prato a prato, não só a sua história como também a da Quinta, dos lugares, dos produtos e das pessoas que foram ajudando a cultivar sorrisos no seu menu, assente em sabores (aparentemente) simples que se metamorforizam e complexam no palato.

Arcadas Quinta das LágrimasQuando "fechamos" as condições da nossa visita à Quinta das Lágrimas, tínhamos interesse em conhecer "apenas" a Quinta e a sua história, fomos no entanto surpreendidos pelo nível gastronómico que se pratica no restaurante Arcadas. Como gostamos sempre de vos ir transmitindo o que de melhor vamos encontrando por esse mundo fora, aqui está esta publicação carregada de memórias sorridentes.

Arcadas Quinta das LágrimasEm tempos conturbados como os que vivemos, preenchidos com demasiado ódio e terror, onde o ser de "direita" ou de "esquerda", do "ocidente" ou do "oriente", do "primeiro mundo" ou do "terceiro mundo", parecem ser mais importantes do que a integridade, proteção e valor da vida humana, é fundamental encontrarmos lugares que nos façam sorrir, e já agora, porque não sentados a uma mesa? O Arcadas é um desses lugares. Tal como Charlie Chaplin, acredito no riso como antídoto contra o ódio e o terror, mas também como reflexo poetizador de quando disfrutamos de uma bela refeição. Risos esses que não faltaram nesta nossa visita a este lugar encantando.  ;)