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No meu Palato

No meu Palato

Quinta da Romaneira | Semântica selvagem

“Foi para ti que criei as rosas. Foi para ti que lhes dei perfume. Para ti rasguei ribeiros e dei às romãs a cor do lume.” Eugénio de Andrade

RomaneiraO rosmaninho é uma erva muito rica, quer nas tradições que criou quer nas suas utilizações culinárias. Embora não seja muito resistente ao frio, propagou-se por muitos climas e entrou nas nossas casas através de vasos (que ficam lindíssimos por volta de Dezembro). Também a podemos encontrar nos jardins, muitas vezes assumindo a forma de uma pequena árvore cónica, de esferas, ou moldada com arame em geometrias mais arrojadas (vamos aprender mais à frente que isto pode ofender a vossa autoridade :P).

RomaneiraO seu nome científico (Rosmarinus) advém das palavras latinas para “orvalho” (ros) e “pertencente ao mar” (marinus), remetendo-nos para o local onde geralmente crescem estes arbustos e também para as suas bonitas flores de cor azul-mar. Como seria de se esperar para uma planta que já é utilizada há mais de 5.000 anos (foram encontrados ramos secos de rosmaninho em sarcófagos egípcios do ano de 3.000 a.C.), surgiram muitas lendas relacionada com ela. 

RomaneiraApesar do seu nome advir do latim, há também uma teoria religiosa para o mesmo. A mãe de Jesus, Maria, ao fugir do Egipto, ter-se-á abrigado da chuva por baixo de um arbusto de alecrim. Quando a chuva passou, Maria terá colocado a sua capa por cima do arbusto para que secasse.  As flores que inicialmente eram brancas, por milagre, ficaram azuis. Daí resulta a lenda das flores azuis e do nome "rosa de Maria" "(rosemary que significa rosmaninho em inglês). 

RomaneiraO rosmaninho é também muitas vezes associado à memória, existem indícios que os grandes filósofos gregos a usavam para melhorarem as suas capacidades mentais. É por isso que muitos deles,  utilizavam coroas de rosmaninho nas suas cabeças, dando origem a outro nome pelo qual o arbusto é conhecido: a "erva das coroas". Shakespeare imortalizou esta relação entre memória e rosmaninho, em Hamlet, quando Ophelia, uma das personagens principais, disse: "Olha para as minhas flores, há alecrim para ti, e isso teremos de recordar. Por favor: reza, ama, lembra-te!!!" 

RomaneiraA tradição da lembrança através do rosmaninho é vista nos dias que correm em  momentos mais tristes, como os funerais, onde os convidados usam um raminho de alecrim ou o atiram para a vala, como que a dizer "não me esquecerei de ti". Em cenários mais alegres na Idade Média,  surgiu a tradição do alecrim nos casamentos, a noiva usando um enfeite de cabeça e o noivo (bem como alguns convidados) usando um raminho na roupa, como um sinal de amor e lealdade.

RomaneiraQuando algum jovem batia suavemente noutro com um ramo de alecrim que contivesse uma flor aberta, significava que eles se apaixonariam no futuro. O alecrim era também era usado em bonecos para atrair amantes (a sério, não se ponham com ideias ;)). Ainda nos assuntos do coração, os recém-casados plantavam um arbusto de alecrim no dia do casamento, se este crescesse, seria um bom presságio. Os ramos de alecrim eram também colocados na cama da noite de núpcias para promover a fidelidade.

RomaneiraJá os romanos decoravam as suas imponentes estátuas com alecrim, pois para eles o arbusto era símbolo de estabilidade. Outra superstição era a de que o alecrim só crescia nos jardins dos "justos". Um raminho colocado sob um travesseiro supostamente evitava pesadelos. Pendurado do lado de fora de casa ou plantado no jardim, supostamente repelia os espíritos malignos. No século XVI, os maridos começaram a arrancar, estranhamente, o alecrim do jardim. Percebeu-se anos depois que isto resultava de uma ideia empírica que a existência de rosmaninho no jardim significava que eram as mulheres que governavam a casa.

RomaneiraOs usos medicinais do alecrim ao longo dos séculos são muitos, tendo o registo mais antigo sido feito no século XIII. Mais uma vez o vinho aparece metido ao "barulho".  Uma mistura milagrosa desta erva com vinho foi esfregada nos membros da Rainha da Hungria, ajudando-a a superar a sua paralisia. Essa mesma mistura foi usada nos séculos seguintes para tratar problemas na pele como caspa e para prevenir a calvície.

RomaneiraContinuando na relação rosmaninho-vinho,  a abundância deste arbusto terá, mais recentemente , dado o nome a uma das mais bonitas quintas do Douro: a Quinta da Romaneira. É sobre os vinhos que por lá se fazem que vos falo hoje. Com o objectivo de comparar o genial ano de 2017 com o "desconhecido" 2018 a Quinta da Romaneira promoveu, no passado mês de Maio, uma apresentação online. Durante a prova foi possível ainda descobrir o novíssimo Quinta da Romaneira Reserva Branco (2020), o intrigante Quinta da Romaneira Porto Colheita 2007 e o imponente Vintage 2019. Tudo música para os meus ouvidos. ;) 

RomaneiraO Quinta da Romaneira Reserva Branco 2020 (14.50€, 86 pts.), amarelo citrino leve e cristalino, exibe uma excelente mineralidade (xisto molhado), toranja, lima, uma ligeira tosta e flor de ... rosmaninho. :P A boca com excelente acidez, estrutura e elegância complementa na perfeição as notas mais untuosas de um Arroz de lingueirão.

RomaneiraNos tintos, o Quinta da Romaneira Syrah 2017 (23.50 €, 91 pts.) exibia muita frescura resultante dos aromas balsâmicos, eucalipto, ameixa fresca, mirtilos, alcaçuz, baunilha, fumo picante e alguma vegetalidade. No palato é carnudo e mostra corpo, concentração, pedregosidade e elegância. A nova versão, o Quinta da Romaneira Syrah 2018 (23.50 €, 91 pts.) é mais expressivo/focado aromaticamente, com a fruta mais compotada e com as notas florais mais selvagens. Apesar de diferentes, mantêm uma verticalidade aromática que me fez atribuir a mesma pontuação. 

RomaneiraNo outro monocasta, o Quinta da Romaneira Touriga Nacional 2017 (25.50 €, 92 pts.) encontrei violetas, rosas, ameixa preta, funcho, bergamota, chocolate, algum fumo e cravinho. É um vinho elegante, fresco, equilibrado, com taninos sedosos e um final muito longo. Já o Quinta da Romaneira Touriga Nacional 2018 (25.50 €, 93 pts.) pareceu-me com as violetas mais pronunciadas e com frutos silvestres e um ligeiro apimentado que não encontrei no 2017. Pareceu-me também mais fresco. Essa frescura extra e taninos de qualidade fazem-me antever-lhe um futuro risonho...

RomaneiraO Quinta da Romaneira Reserva 2017 (49.90 €, 94 pts.)  transportava aromas de ameixa preta, violetas e caixa de tabaco. Na boca tem boa acidez, é seco e estruturado. O Quinta da Romaneira Reserva 2018 (49.90 €, 94 pts.) acrescentou uma fruta mais madura (frutos silvestres e amoras). Achei-os parecidos, embora diferentes, apesar dos anos completamente antagónicos. Foi um fiel companheiro para o Raviolli de codorniz com molho de foie gras e tomate braseado com alho. Segue-se o meu preferido na prova (embora não o melhor pontuado): o  Quinta da Romaneira Porto Colheita 2007 (40 €, 93 pts.). 

RomaneiraExibe um traje âmbar-romã, cor do lume e aromas a ameixa em passa, amêndoa torrada, noz, canela, maçapão, casca de laranja e ainda algumas notas de fruta preta madura. No palato passeia-se com elegância, uma textura aveludada e muita garra. A pedregosidade é tão evidente quanto sedutora. Está prontíssimo a beber e acompanha muito bem um Crème brûlée.  Para último um vintage que acaba por ser uma excelente metáfora para todos estes vinhos da Quinta da Romaneira. O benjamim Quinta da Romaneira Vintage 2019 (60 €, 95 pts.), rubi quase opaco, emana flores silvestres, violetas, flor de laranjeira, canela, ameixa seca, mirtilos e chocolate. Na boca é fino, longo, complexo e selvagem... Combinou na perfeição com um Brownie de chocolate com pistáchio, pipocas salgadas, gelado de baunilha e rosmaninho.

RomaneiraTal como noutras quintas do Douro, apesar do ano de 2017 ter tido condições climatéricas que permitiram a produção de vinhos memoráveis (um inverno frio e seco, seguido de uma Primavera e Verão excepcionalmente quentes e secos, Junho foi mesmo o mês mais quente desde 1980, com temperaturas que atingiram os 42-44°C no vale do Douro durante a onda de calor sentida entre os dias 7 e 24 de Junho!!!) os colheitas de 2018 mostram características que valem a pena ser conhecidas, como a sua finesse, elevada frescura e um excelente trabalho com a barrica. As vinhas da Romaneira, o seu terroir com diferentes exposições solares, a flora selvagem (o rosmaninho!!!) e uma enologia de precisão fazem com que os vinhos reflictam os anos de colheita mas também que mantenham, paralelamente, marcas identitárias imutáveis. 

RomaneiraNativa do mediterrâneo, o rosmaninho, esse arbusto selvagem resiliente precisa de sol para crescer melhor, no inverno basta que este irrompa pelas nuvens algumas vezes para que possa sobreviver. Gosta de tempo quente, mas também tolera bem o frio. Necessita de água, mas não em excesso, pois as raízes apodrecerão se permanecerem molhadas. É por tudo isto que conseguem viver por muitos e longos anos (dizem que 33, a idade com que Cristo pereceu), e que quer em anos mais quentes e secos, ou nos anos mais frios e chuvosos o rosmaninho conseguem exibir sempre o seu aroma selvagem característico a pinho e eucalipto. Assim, a ligação da Romaneira ao rosmaninho não é apenas semântica, é de carácter... ;)

 

Crème brûlée:

-Vão precisar de 5 gemas de ovo, 100 g de açúcar, 1 vagem de baunilha, 5 colheres de sopa de brandy, 50 cl de natas e 4 colheres de sopa de açúcar mascavo para caramelizar;

-Despejem as natas numa panela e aqueçam em fogo baixo. Dividam a vagem de baunilha ao meio, raspem a polpa e coloquem-na junto com a vagem dividida nas natas, fervam e deixe repousar por 10 min para que a baunilha infunda bem. Entretanto batam as gemas com o açúcar até ficar tudo bem misturado e cremoso;

-Passem o creme por um chinês para filtrar as impurezas da baunilha e incorporem-no ainda morno na mistura de ovo e açúcar mexendo delicadamente. Encha um tabuleiro de ir ao forno com água (2 cm de altura) e pré-aqueçam o forno a 150°C. Dividam a mistura em 4 potes recipientes e coloquem-nos no tabuleiro;

-Levem ao forno por 30 a 40 minutos e no final polvilhem-nos com com açúcar mascavado e queimem-no com um maçarico...

Casa Chef Victor Felisberto | As regras da sensatez segundo uma oliveira

"Qualquer pessoa que seja Chefe, que ama a comida, sabe que lá no fundo, tudo o que importa é: ‘É bom? Dá prazer’?” Boa comida é, na maioria das vezes, comida simples.” Anthony Bourdain

Casa Chef Victor FelisbertoA oliveira goza de uma grande fama nos dias que correm (quem a colocou recentemente no seu jardim sabe bem o preço a que estas majestosas árvores se encontram ;)), mas este prestigio não é recente, pois a oliveira tem crescido connosco, braço com ramo, enquanto civilização. Desde cedo aprendemos a ficar perto delas devido ao sabor incrível dos seus frutos, ao uso culinário do azeite e ao benefícios para a saúde que as suas folhas nos trazem (efeitos antioxidantes, anti-inflamatórios e redutores de colesterol). 

Casa Chef Victor FelisbertoAté a sua madeira era usada em obras de arte, em utensílios utilizados na alimentação e na construção de abrigos. Antes de haver electricidade, a oliveira através do azeite iluminava a nossa vida através de engenhosas lamparinas. Por tudo isto, a oliveira foi ganhando lugar de destaque em algumas histórias bem conhecidas, contadas ao longo dos milénios. Já vos falei de uma delas, a famosa história da mitologia grega sobre o "nascimento" da oliveira. 

Casa Chef Victor FelisbertoDe acordo com a narrativa, o aparecimento da primeira oliveira resultou de uma competição entre Atenas, também conhecida como a deusa da sabedoria, e Poseidon, o deus do mar. Os dois disputavam o direito de se tornarem os protectores da Ática (uma região que engloba a actual Atenas). 

Casa Chef Victor FelisbertoPoseidon criou um cavalo quando atingiu uma pedra com a sua famosa lança. Quando chegou a vez de Atenas, surgiu uma oliveira - um símbolo de paz e abundância, que conquistou o povo de Ática, ao ponto de escolher Atenas para ser sua protectora, baptizando a cidade com seu nome.  A oliveira está também presente numa das histórias bíblicas mais conhecidas, a do grande dilúvio provocado por uma enorme tempestade que atingiu a Terra. 

Casa Chef Victor FelisbertoEste dilúvio fez com que Noé e sua família, juntamente com alguns animais, procurassem abrigo na famosa arca, durante cento e cinquenta dias. Depois da tempestade ter passado, Deus mandou uma pomba a Noé, que trazia um ramo de oliveira no bico. Isto era um indicador claro de que o dilúvio havia cessado e que a sua família, e restante comitiva, poderia finalmente regressar a Terra. 

Casa Chef Victor FelisbertoTambém os egípcios mantiveram uma relação muito próxima com a oliveira.  Viam nela a fonte do seu produto mais famoso, o azeite, e também um presente da deusa Ísis, uma das principais divindades na religião do Antigo Egipto, tida como aquela que apresentou a oliveira aos humanos e os ensinou a fazer azeite. 

Casa Chef Victor FelisbertoExistem outros sinais, muito evidentes, da importância da oliveira para esta civilização, nomeadamente as representações pitorescas da produção de azeite efectuadas nas pirâmides ou as ferramentas para prensar a azeitona que muitas vezes eram encontradas entre sepulturas de personalidades importantes.  

Casa Chef Victor FelisbertoAinda na civilização egípcia, foram descobertos (no final do milénio passado) ramos de oliveira pintados num fragmento de cerâmica incisa, juntamente com o nome do primeiro faraó Narmer (que reinou e unificou o Egipto algures  entre 3200 e 3000 antes de Cristo!!!). Uns anos mais tarde o faraó Tutankhamon (que viveu entre 1341 e 1323 antes de Cristo)  terá mesmo usado uma coroa tecida com folhas de oliveira em algumas celebrações, e outro faraó, Ramsés III (1194 – 1163 a.C.), foi retratado a presentear ramos de oliveira ao deus do sol Rá, como um símbolo de iluminação e agradecimento.   

Casa Chef Victor FelisbertoPassados todos estes milénios, a oliveira pode já não ser transportada por deusas e os seus ramos podem já não sinalizar o fim das cheias que por vezes ocorrem nos nossos dias, mas a oliveira continua a ter um lugar muito especial nas nossas vidas. Curiosamente e bebendo inspiração nas civilizações que nos antecederam, a oliveira mantém-se relacionada com a  gastronomia, com a religião e com a saúde/bem-estar, tendo-se implantando como símbolo de paz, prosperidade, abundância, pureza e "bom garfo". Nesta publicação, uma oliveira vai ter tudo a ver com boa gastronomia. ;)

Casa Chef Victor Felisberto

 Em Cascalhos, freguesia de Mouriscas, concelho de Abrantes, existe uma oliveira que tem mais 3350 anos de existência (isto significa que é mais velha que o mais antigo faraó que vos falei anteriormente!!!). Esta árvore, conhecida como a oliveira do Mouchão mede mais de três metros de altura e tem um perímetro de base de cerca de onze metros. É a segunda principal atracção de Abrantes, precedida pela Casa Chef Victor Felisberto. ;)  

Casa Chef Victor FelisbertoDesrespeitando "As regras da sensatez" do Rui Veloso e aproveitando a visita a esta oliveira, regressamos a um lugar onde já fomos (muitoooooooooo) felizes.  Para além de revermos um amigo, voltei-me a apaixonar, desta vez por umas molejas incrivelmente saborosas e com uma textura viciante (a Bia comia este petisco como se fossem pipocas), por uns lombos de cherne super ricos, delicados e untuosos, e por umas perdizes de "fazer lamber os dedos" de tão gulosas que estavam.

Casa Chef Victor FelisbertoÉ realmente incrível a qualidade/pureza do produto que o Chefe nos faz chegar à mesa. Nas sobremesas ... não houve surpresas, o "Fondant de chocolate e caramelo" mostrou, mais uma vez, que também nesse campo não há mestria igual em Portugal. 😉 Confecção irrepreensível, delicadeza nos aromas, arte na apresentação, engenho nas texturas e mestria nos contrastes. 

Casa Chef Victor FelisbertoComo já vos disse anteriormente, esta doçaria tem ainda o condão de promover um contraste conceptual muito engraçado com os pratos principais, tornando qualquer refeição numa viagem frenética por entres diferentes eras, estilos, técnicas e inspirações. Tudo isto no meio de uma casa "a transbordar", com uma cozinha frenética e uma clientela exigente. Pode estar tudo "no lodo", mas o que chega à mesa, isso nunca falha...

Casa Chef Victor FelisbertoQualquer pessoa que seja Chefe, que ama a comida, sabe que lá no fundo, tudo o que importa é aquilo que é genuinamente bom e nos dá prazer. Na grande maioria das vezes, boa comida é isto mesmo, comida simples mas tratada pelas mãos predestinadas de quem sempre a soube respeitar. Para além do famosíssimo Fondant, são já três pratos do Chef Victor Felisberto que jamais me esquecerei (isto é claro se o avançar da idade mo permitir ;)): duas bem humildes umas ovas de choco e umas molejas, a somarem a um fidalgo cherne, o melhor que comi até hoje. 

Casa Chef Victor FelisbertoMuitas vezes, é-se levado, bem, confesso que eu também, pela moda e quando damos conta estamos encantados com laços, enfeites, papéis de mil cores, piruetas, luzes cintilantes, e loiça nova a estrear, que nos afastam do essencial: da comida com sabor assente numa tranquila e elegante simplicidade.  

Casa Chef Victor FelisbertoRegressado ao inicio desta história, se quisermos voltar os nossos olhos para as encostas inóspitas que segundo a religião Cristã nos deram a oliveira, percebemos que naquele local vivem várias religiões/povos que estão frequentemente em guerra. Mesmo assim, cristãos, muçulmanos e judeus souberam compartilhar a cultura da oliveira, da azeitona e do azeite.

Casa Chef Victor FelisbertoFoi a oliveira que os ensinou a (con)viver com saúde, a fazer a paz e dar (literalmente) a luz e novos sabores ao mundo. Deu-nos também um certo culto pela simplicidade elegante, pela origem, pela pureza, pelo imutável e pelo que não vai de modas. Tudo que encontrei, novamente, na Casa Chef Victor Felisberto

É também por isto que devemos respeitar as Oliveiras. Vejam lá, eu até me casei com uma... ;)

Churchill's White Port Dry Aperitif | O teste de delicadeza implícita

"A recordação é o perfume da alma. É a parte mais delicada e mais suave do coração, que se desprende para abraçar outro coração e segui-lo por toda a parte." George Sand

Churchill's White Port Dry AperitifOs preconceitos que ainda existem na nossa sociedade, na sua maioria, têm por base noções de normalidade/proximidade que vamos desenvolvendo nos diferentes grupos onde nos inserimos. Essas noções podem ser classicistas, raciais, étnicas, religiosas, desportivas, políticas e até mesmo vínicas. Pouco sabemos sobre a causa inicial que origina um determinado preconceito. Uma pesquisa recente, usando macacos, sugere que essas vinhas do preconceito foram plantadas lá bem atrás,  durante o processo evolutivo que nos tornou o Homo sapiens sapiens, o homem que sabe o que sabe. 

Churchill's White Port Dry AperitifCom sede de conhecimento, um conjunto de investigadores da universidade de Yale (EUA) viajou para Cayo Santiago, uma ilha sem humanos, no sudeste de Porto Rico, também conhecida como a “Ilha do Macaco”, para estudar o comportamento dos macacos rhesus. Tal como os humanos, estes macacos vivem em grupos e estabelecem fortes laços sociais. Os rhesus têm também outra característica muito humana, a de desconfiar daqueles que consideram potencialmente ameaçadores. Para tentarem descobrir se os macacos distinguiam os membros internos (aqueles que pertenciam ao seu grupo) dos externos/estranhos (aqueles que não pertenciam), os investigadores mediram a quantidade de tempo que os macacos olhavam para o rosto fotografado de um "macaco do grupo" e compararam-no com o tempo gasto com um "macaco externo".

Churchill's White Port Dry Aperitif Em quase todas as experiências foi verificado que os macacos olhavam mais tempo para os desconhecidos do que para os membros do seu grupo,  o que sugeria que seriam mais cautelosos com o rosto de estranhos. É claro que este resultado experimental poderia também advir de uma maior curiosidade para com o desconhecido (não, isso não justifica que olhemos mais interessadamente para uma desconhecida do que para a nossa esposa :P). Para descartar essa hipótese, os investigadores, aproveitando o facto dos macacos rhesus machos deixarem os seus grupos de infância assim que atingem a idade reprodutiva, emparelharam rostos estranhos mas familiares (macacos que haviam deixado o grupo recentemente) com rostos menos familiares (macacos que se juntaram ao grupo recentemente).

Churchill's White Port Dry Aperitif Quando submetidos a este novo teste, os macacos continuaram a olhar durante mais tempo para os rostos dos que já não pertenciam ao grupo, embora estivessem mais familiarizados com eles. Os rhesus estavam claramente a fazer distinções com base na pertença a um determinado grupo. De modo a obterem resultados ainda mais precisos e irrefutáveis, os investigadores usaram então uma versão simplificada do teste de associação implícita (IAT). Para os humanos, o IAT é realizado num computador que mede as tendências inconscientes ao determinar a rapidez com que associamos palavras diferentes (por exemplo, "bom" e "mau") com grupos específicos (por exemplo, rostos de afro-portugueses ou europeus-portugueses).

Churchill's White Port Dry Aperitif Basicamente se uma pessoa é mais rápida em associar "mau" com rostos afro-portugueses em comparação com rostos europeus-portugueses, isso sugere que ela nutre um preconceito implícito contra os afro-portugueses. Na versão simplificada dos macacos rhesus, os investigadores emparelharam as fotos de macacos internos com coisas boas (como frutas), e os dos externos com coisas más (como aranhas, já agora isto também evidencia um certo preconceito ;)). Quando um rosto interno era emparelhado com frutas, ou um rosto externo era emparelhado com uma aranha, os macacos rapidamente perdiam o interesse. Mas quando um rosto interno era emparelhado com uma aranha, os macacos perdiam mais tempo a olhar para as fotos.

Churchill's White Port Dry Aperitif Presumivelmente, os macacos achavam estranho quando algo bom era combinado com algo mau. Isso sugeria que os macacos não distinguiam apenas entre internos e externos, mas associam os internos com coisas boas e os estranhos com coisas más. De um modo geral, estes resultados comprovaram uma certa base evolutiva para o preconceito. Outros investigadores, no entanto, acreditam que o preconceito é exclusivo dos humanos, uma vez que o mesmo depende de processos complexos de pensamento. Nesse sentido, outros estudos científicos demonstraram que as pessoas são mais susceptíveis a demonstrar preconceitos logo após serem relembrados da inevitabilidade da sua morte ou de terem sofrido um golpe na sua auto-estima. 

Churchill's White Port Dry AperitifComo apenas os humanos são capazes de perceber que um dia irão morrer ou de ter uma certa noção da sua auto-imagem, esses estudos reforçam a convicção de que apenas os humanos seriam capazes de ter preconceito. Certo é que o comportamento dos macacos rhesus implica que a nossa tendência básica de ver o mundo em termos de "nós" e "eles" tem uma origem mais antiga, ligada à criação de grupos sociais. O preconceito humano evoluiu em função da nossa convivência nesses grupos. Essa união, enquanto grupo, permitiu que os humanos tivessem acesso a recursos vitais para a sua sobrevivência, como a comida, a água ou um abrigo. Os grupos ofereciam ainda outras vantagens, como tornar mais fácil encontrar um companheiro, a possibilidade de cuidar comunitariamente dos filhos e a protecção colectiva. 

Churchill's White Port Dry AperitifNo entanto, a vida em grupo também nos tornou mais cautelosos com os estranhos, pois estes poderiam prejudicar o grupo espalhando doenças, matando ou ferindo indivíduos e roubando recursos preciosos. Para nossa própria protecção, desenvolvemos formas de identificar quem pertence ao nosso grupo e quem não pertence. Com o decorrer do tempo, esse processo de avaliação rápida dos outros, tornou-se tão simplificado que ficou inconsciente, e é por isso que grande parte dos nossos preconceitos surgem automaticamente, sem pensarmos nisso, até nos vinhos...

Churchill's White Port Dry AperitifQuantas vezes já ouvimos expressões como: "Os vinhos franceses são bons mas caros; os vinhos portugueses são os melhores do mundo; os riesling são muito doces; rosé é para as mulheres; os espanhóis só têm bons tintos; Porto tónico? Isso é estragar o Porto; Porto Branco é mais sumo do que vinho". Hoje com a ajuda do Churchill's White Port Dry Aperitif e de um teste da delicadeza implícita (IDT) vou refutar dois desses preconceitos. :P Este Porto resulta de uvas em perfeito estado provenientes de vinhas tipo A (as de mais elevada qualidade), que depois de colhidas sofreram uma ligeira maceração a pé e fermentação pelicular. Após a fermentação, o vinho passou por um período de envelhecimento em cascos de carvalho durante 10 anos!!!. Hum, se calhar isto vai originar algo bem melhor que sumo... ;) 

Churchill's White Port Dry AperitifTodo este cuidado transmitiu ao Churchill's White Port Dry Aperitif (19.39 €, 90 pts.) uma sedutora cor dourada cristalina, e aromas perfumados a noz-moscada, resina, eucalipto, casca de laranja, amêndoa tostada e pimenta branca. No palato é complexo, crocante, equilibrado, elegante e exibe uma frescura que faz com que não nos cansemos dele. Vai muito bem com uma conversa com uma bela princesa; com uns frutos secos, enchidos e queijo; mas também vai muito bem num Porto Tónico (com uma boa água tónica que não manche os belos aromas do vinho e sem demasiados "temperos"). Teve ainda o condão de me recordar um belo fim de tarde na Quinta da Gricha!!! ;)

Auge Porto | Uma verdade inconveniente

“Dizia alguém que a verdade é algo de secreto e inexplicável, em vez de ter sentido lógico esta verdade inacessível possui um sentido último que tudo explica, ou explicará…” Manoel de Oliveira

AugeA verdade é a base mais sólida que o caracter de uma pessoa pode ter. É uma espécie de lealdade com o "fazer o que é correcto" e de retratar a realidade exactamente como a vemos. É também uma maneira corajosa de encararmos a vida em nobre harmonia com nossos ideais. E isso é sempre ... poder, a forma mais bonita e genuína de poder.

AugeTodos sabemos o que é a verdade, mas é bastante desafiante tentar defini-la num conjunto de palavras. Puxando a brasa para a minha sardinha de cientista, a verdade é um pouco como o magnetismo ou a eletricidade, na maioria das vezes só pode ser explicada através da observação dos seus efeitos. É a bússola da alma, a guardiã da consciência, a pedra angular do que é certo. 

AugeA verdade é também uma revelação do nosso estado mais puro; mas também é uma inspiração para que esse estado se enriqueça. Mentir é um dos vícios mais antigos, que fez a sua estreia mundial na primeira conversa relatada da história, num famoso diálogo no jardim do Éden, entre uma serpente e Eva. 

AugeEsta primeira fake news da história por parte da serpente (a de que não haveria problema em comer a maçã da árvore que estava no centro do jardim) teve as consequências que hoje sabemos. Mentir é desde então, o sacrifício da honra para criar uma impressão errada, geralmente em beneficio próprio, algo cobarde, temível e que mascara virtudes desajustadas. 

AugeEm oposição, a verdade é a mais antiga de todas as virtudes, anterior ao aparecimento do ser humano, que passeou pelo nosso planeta ainda antes de haver um ser inteligente capaz de a perceber ou a aceitar. É o imutável, a constante, o não negociável. É a lei eterna da natureza, a bitola que sempre produz resultados idênticos em condições semelhantes.

AugeQuando o ser humano descobre uma verdade na natureza, ele tem a chave para a compreensão de um milhão de outros fenômenos, quando o mesmo ser humano apreende uma verdade moral, passa a ter na sua posse a chave para a sua honestidade intelectual. No entanto, conhecer a verdade tem um preço. Se sabemos o que é verdadeiro e não o vivermos, a nossa vida é uma mentira, mesmo quando estamos protegidos por estrelas (;)).

7.JPGQuando queremos ser verdadeiros temos de ser cuidadosos com as palavras que escolhemos e procurar ser sempre exatos, não atenuando nem exagerando (a não ser que estejamos num momento de comédia em que se torna difícil não exagerar, eu pelo menos sofro desse pecado :P). Só assim alcançaremos o tom da sinceridade que revestirá as nossas palavras com uma marca de virtuosidade.

AugeNeste caso, só neste caso, as promessas que alguém possa fazer ganham sentido, pois são como vínculos. Saberemos, nessa altura, que por mais que custe, os mesmos serão mantidos, abnegadamente, por esse alguém. Esta honestidade não pode ser apenas política. O homem que é honesto apenas porque é “popular, bonito ou fixe”, não é realmente honesto, ele é apenas uma espécie de político populista, que venderia a verdade da sua alma ao diabo, se daí retirasse algum benefício. 

AugeA verdade é sempre forte, corajosa e viril, mas ao mesmo tempo gentil, elegante e graciosa. Por vezes até é compatível com alguns erros, pois existe uma diferença visceral entre um mero erro e uma mentira. Um homem pode estar errado e ainda assim viver honestamente, aquele que é mentiroso conhece a verdade, mas nega-a. Um é leal ao que acredita, o outro é traidor do que conhece. "O que é então a verdade?" A famosa pergunta de Pôncio Pilatos, feita a Jesus Cristo há quase dois mil anos, ficou na altura sem resposta. 

AugeNo entanto, num texto apócrifo do séc. II, o Evangelho de Nicodemos, Jesus responde à pergunta de Pilatos: "A verdade é do céu". Ao que o magistrado romano respondeu: "Não há verdade sobre a terra?". O texto continua, e percebemos que "Sim, há, a minha vida" seria a resposta que Jesus quereria ter dado. Passando do que Cristo achava para aquilo que eu penso (bem que salto gigante!!!), a verdade é essencialmente uma virtude intrínseca, numa relação connosco próprios.

AugeMesmo que não existisse mais nenhuma pessoa à face da Terra, deveríamos, ainda assim, ser verdadeiros. Esta verdade, torna-se extrínseca à medida que irradiamos esse ideal na nossa vida diária. É por isso que a verdade é, em primeiro lugar, honestidade intelectual - o desejo de perceber o que é certo; e em segundo, é honestidade moral, uma certa fome de querer viver segundo o que é certo.

12.jpgE isso também é verdade (que belo trocadilho ;)) no caso da gastronomia, por parte de três intervenientes muito específicos: o Chefe, o que está no prato e quem critica os dois anteriores. Encontrarmos verdade no prato onde comemos e transmitirmos essa verdade aos outros é fundamental, uma vez que a comida é a principal preocupação das pessoas. 

AugePrecisamos de comida (e de água, não sei se sabem mas o vinho tem aí uns 80% de água ;)) para existir e isso impulsiona quase tudo nas nossas decisões quotidianas. Se pensarmos bem, a comida (tipo, qualidade, abundância e diversidade) condiciona fortemente as nossas relações sociais, determina a maior parte das nossas decisões políticas, regula a maneira como nos ligamos (ou não) uns aos outros e ajuda a moldar o meio ambiente. Quando não nos preocupamos com a comida, no final das contas, não nos importamos com a vida e como vivemos, e isso não nos deixa ser, verdadeiramente verdadeiros.  

AugeDito isto, da comida e de quem a avalia (seja um critico ou um amigo que nos transmite a sua experiencia num determinado restaurante), a verdade de quem desencadeia tudo isto, quem cozinha, o Chefe, é ainda mais "sensível". Aquele que cozinha é, em verdade, responsável por uma construção de experiências sensoriais para os que se sentam nas suas mesas, na esperança que algo bom, algo realmente bom, aconteça. 

AugeEssa construção, quando cuidada, vai permitir um diálogo silencioso entre a sala e a cozinha, entre o comensal e o Chefe. Para que este diálogo seja realmente proveitoso é preciso muito mais que perceber de comida, é preciso ser mestre na harmonização, e desta vez não estou a falar de vinhos, mas da harmonização de um prato com outro, de como juntar sabores e como induzir uma verticalidade qualitativa ao longo do menu, sem que o mesmo perca sentido e vá capturando sentidos. 

AugeIsso exige muitos "sacrifícios", desde visitas a mercados, aos pequenos produtores e aos centros de abastecimentos, até compreender como os antropólogos, historiadores e filósofos relacionam a comida com a cultura e com as pessoas.  Cozinhar é muito mais do que alterar um alimento através do frio, do corte ou do fogo, mas sim de o perceber, de o pensar, de o interpretar e o de servir segundo um novo olhar, uma nova roupagem, uma nova experiência.

AugeExperiência essa que até pode ser simples e humilde, mas que nos deveria conectar à nossa própria história, ao nosso interior, à nossa terra e à nossa cultura. Só assim estaremos a ser verdadeiros. Tudo isto a propósito da verdade que fui descobrindo no novo Auge do Chefe André Silva, localizado no último piso, panorâmico, do Porto Palácio Hotel & Spa

AugeRenovou a sala onde funciona o Auge (tornando-a numa das mais elegantes, harmoniosas e com mais bom gosto do país), desprendeu-se de algumas correntes do passado, cresceu muito e criou um menu de liberdade e … verdade. Nela, não vai de modas, piruetas ou fogos de artifícios, entregando um produto de qualidade, sustentável e com um certo orgulho bairrista.  

AugeAdorei a pertença, memória e voluptuosidade subtil da “Francesinha”; a frescura picante da “Sapateira” em forma de obra de arte comestível; a complexidade, textura, acidez, maresia e contrastes unidos pelo fumo do “Carabineiro”; a bipolaridade gastronómica entre mar e terra do “Rodovalho” (o sabor a mar era arrebatador); a simplicidade requintada e sabores puros da “Presa de porco” ; e a sobremesa, “Doce Teixeira, mel e pólen”, cujo elevar da tradição só está ao alcance de alguns. 

AugePor incrível que pareça foi este último momento que acabou por dar coerência, sentido e harmonia ao menu, ao mesmo tempo que invocava o legado, a história e a carreira brilhante do Chefe André Silva. É também uma bonita maneira de homenagear as origens da Sous-chef Jéssica, verdadeira comparsa desta nobre jornada em busca pela verdade perdida.

AugeFoi a melhor experiência gastronómica que tive este ano (bastante próxima da que tive há uns dias no Belcanto). Dizia alguém que a verdade é algo de secreto e inexplicável, em vez de ter sentido lógico esta verdade inacessível possui um sentido último que tudo explica, ou explicará… Aguardo, tão pacientemente quanto curiosamente, que a verdade do André se materialize naquilo que ele merece.

Auge
Usando uma verdade de Óctavio Machado: "Vocês sabem do que eu estou a falar!!!" ;) Nota final em forma de uma pequena provocação, 1/3 de um Chefe que conheci há uns anos em Amarante aproveitaria a proximidade de Serralves para realizar algo ... verdadeiramente memorável :P