Palácio dos Távoras | A insustentável leveza de um todo
"Eu não daria um cêntimo pela simplicidade que há deste lado da complexidade, mas daria a minha vida pela simplicidade que existe do outro lado da complexidade." Oliver Wendell Holmes
Uma das particularidades da citação que emoldura a publicação de hoje é o facto de não se saber, com certeza absoluta, qual Oliver Wendell Holmes a proferiu, se o pai, se o filho. Enquanto que Holmes filho foi um eminente juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Holmes pai foi um dos maiores poetas norte-americanos.
Por diversas ocasiões, esta afirmação, relacionada com a dicotomia simplicidade-complexidade, foi atribuída ora a um, ora a outro. Daquilo que li, é mais provável que a mesma tenha sido feita pelo filho, mas como vos disse, sem certezas. O certo é que um destes homens postulou um pensamento tão complexo que poucas pessoas perceberam a sua profundidade na altura, se calhar nem mesmo ele foi capaz de o entender completamente.
Confessem lá, que sem mais explicações, até para vocês leitores cultíssimos de um blogue imensamente erudito, se torna difícil perceber o que aquelas 27 palavras, em conjunto, significam. Vou tentar simplificar...
Desenhem mentalmente uma curva em forma de sino/montanha. Da esquerda para a direita aumenta a compreensão, e de baixo para cima aumenta a complexidade de um determinado fenómeno ou sistema. O inicio da curva, à esquerda, marca o momento em que no deparamos com algo complexo e onde somos ingenuamente felizes (esta é a simplicidade que há deste lado da complexidade). As nossas opiniões/percepções são demasiado simplistas e redutoras, mas como não o sabemos, vivemos "na boa" com isso.
Para nos conseguirmos mover para a direita na curva, temos forçosamente de testar hipóteses, ganhar experiência no assunto e aprender. O nosso conhecimento e percepção aumentam à medida que conhecemos mais detalhes sobre um determinado tema e os testamos sob diferentes perspectivas. Ao atingirmos o pico da complexidade, significa que conseguimos obter toda a informação e todos os dados disponíveis sobre esse assunto.
Contudo, não conseguimos comunicar esse conjunto de informações complexas de modo eficaz, uma vez que ao percebermos um assunto não significa que o saibamos explicar adequadamente numa história significativa e concisa a uma outra pessoa, alguém ainda no lado esquerdo da curva.
Este topo da curva, ao contrário do que possa parecer, é um lugar infeliz onde se tenta geralmente explicar infrutiferamente as ideias complexas, pois essas pessoas por terem reunido todos os dados disponiveis acham que para perceber essa ideia as outras pessoas também precisam de todos esses dados e por isso, normalmente baseiam as suas explicações num curso, num documento com um elevado número de páginas ou então numa pilha de artigos científicos. Estes são aqueles que precisam de horas para explicar um assunto, sem que no final alguém o perceba e, frequentemente, a audiência sai mais confusa do que quando entrou.
Mas quando decidimos continuar para a direita (não, não estou a falar em termos políticos!!! ou será que estou? :P) na curva da compreensão, continuamos a testar os dados, a encontrar significado nos dados e a reformular a nossa opinião com base nos dados. Não paramos este movimento, porque sabemos que à direita da curva está novamente a simplicidade. Uma simplicidade, que ao contrário da da esquerda é uma simplicidade informada e conhecedora. Essa é a simplicidade do outro lado da complexidade.
Quanto atingimos a parte final da curva, à direita, somos não só capazes de sintetizar o conteúdo na nossa própria visão do assunto, mas também conseguimos discernir a essência da ideia de uma maneira tão simples e direta, que a conseguimos comunicar a outras pessoas, da esquerda, e da direita. A parte mais bonita desta visão é a de sermos capazes de fazer que pessoas com pouco ou nenhum conhecimento sobre um assunto possam mover-se ao longo de sua curva, movendo-se para a direita. Este é um dos princípios basilares da boa pedagogia.
O lugar que finalmente atingimos à direita, a tal simplicidade do outro lado da complexidade, costuma ser muito óbvio em retrospetiva. E esse é mesmo o objectivo: tornou-se óbvio para os outros porque ouve alguém que teve o pesado fardo de passar por toda a curva.
No mundo vínico também há muitos caminhantes nessa curva da compreensão, alguns deles assumindo-se como verdadeiros especialistas, quer estejam à esquerda, no topo, ou à direita do conhecimento vínico. Não é disso que vos vou falar hoje, antes sim, de por vezes, serem os próprios vinhos que provamos, a nos fazerem mover para a direita na sua compreensão.
No inicio, à esquerda, não conhecemos nada (ou apenas pouco) das suas características. A sua cor, os seus aromas, a sua boca fazem-nos então absorver um conjunto de informações que nos fazem querer montar o seu puzzle (chegamos ao topo da curva), para momentos depois, o percebermos, finalmente, em conjunto e não em retalhos de sensações. A última vez que isto me aconteceu, da esquerda à direita da curva, foi com a prova do novo Tinta Gorda do Palácio dos Távoras (Costa Boal).
Foi um dia muito especial onde para além do lançamento do Palácio dos Távoras Tinta Gorda 2020, ainda tivemos o privilégio de provar o Palácio dos Távoras Bago a Bago tinto 2020, o Palácio dos Távoras Gold Edition 2018, o Palácio dos Távoras Alicante Bouschet 2018 e o Palácio dos Távoras Grande Reserva branco 2020.
Dois deles são oriundos de uma vinha centenária de Sendim (no Douro Internacional e na fronteira transmontana com Espanha) e pertencem à gama de topo da Costa Boal para Trás-os-Montes, o Palácio dos Távoras Tinta Gorda 2020 e o Palácio dos Távoras Bago a Bago, e refletem muito a especificidade da sub-região do Planalto Mirandês.
O Palácio dos Távoras Tinta Gorda 2020 (35 €, 91 pts.) apresentava-se numa espécie de simbiose entre um Pinot Noir (na cor) e um Gamay (na boca). Rubi rosado na cor, emanava aromas muito frescos, sedutores e puros a ameixa vermelha, amora, framboesa, flores silvestres e rebuçado de morango. A boca é longa, delicada, complexa e com taninos aguerridos.
Já o Palácio dos Távoras Bago a Bago (42 €, 94 pts.) passa a constar na lista dos vinhos que mais me surpreeendeu este ano. Traja uma bonita cor rubi avermelhada, não muito carregada, e no nariz revela fruta intensa com notas de cereja, groselha e frutos silvestres, mas também com uma pimenta preta que o torna muito mais atractivo. No palato, aos taninos uma vez mais aguerridos juntam-se a finesse, a persistência, muito equilibrio e complexidade.
Com origem mais a oeste, na sub-região de Valpaços e no concelho de Mirandela, localiza-se a vinha-mãe da gama Palácio dos Távoras, da qual foram lançadas as novas edições Palácio dos Távoras Gold Edition 2018, Palácio dos Távoras Alicante Bouschet 2018 e Palácio dos Távoras Grande Reserva branco 2020. Estes vinhos têm origem na vinha velha com cerca de sete hectares que a Costa Boal adquiriu em 2010, em Chelas, Mirandela, e à qual o produtor acrescentou recentemente mais seis hectares, adquirindo uma vinha com 55 anos de idade e povoamento com o tradicional blend de castas das vinhas antigas da região.
O Palácio dos Távoras Grande Reserva branco 2020 (25 €, 90 pts.) possuidor de uma cor amarela citrina e de bela intensidade transporta consigo notas a maçã, folha de limoeiro, toranja, granito molhado, caixa de tabaco e um pouco de fumo. No palato é vibrante, suculento, ligeiramente austero, longo e exibe uma bela acidez.
Mudando para os tintos desta sub-região, o rubi opaco Palácio dos Távoras Alicante Bouschet 2018 (35 €, 92 pts.) tem um nariz muto fresco com notas a resina, verniz, pinho, mirtilos, ameixa preta, baunilha e pimenta preta. No palato é seco, fresco, delicado, adstringente e longo.
Para último, o vinho em que a transição entre a esquerda e a direita não é tão óbvia, e por isso foi melhor pontuado, o Palácio dos Távoras Gold Edition 2018 (70 €, 96 pts.). De traje rubi denso, exibe notas de flores silvestres, pimenta rosa, baunilha, amora preta, framboesa, mirtilos, ligeira pedregosidade, sous-bois e uns balsâmicos salivantes. Na boca passeia-se com classe, equilíbrio, harmonia e complexidade. É um vinho que tem tudo, vale pelo todo, e que parece não querer sair do palato. Só conversando com ele, demoradamente, conseguiremos sair do topo da curva e nos mover para a almejada direita da compreensão :P
Todos estes vinhos estavam carregados de acidez, corpo, identidade, harmonia, complexidade e pertença, muito bem!!! Quem defende que já não é possível fazer diferente e com identidade nestas regiões, tem aqui uns belos néctares com que se entreter...