Maison Albar – Le Monumental Palace | O expresso do inconsciente
“O melhor do comboio não é a comida. Há algo intrigante a respeito de … vários estranhos juntos por alguns dias, com nada em comum, além da necessidade de viajar … nunca se verem novamente.” Hercules Poirot
Ainda é tida como a viagem mais glamorosa (e uma das mais famosas) da história. Realeza, aristocracia, ricos, famosos, diplomatas e espiões viajavam regularmente nesse comboio de magia inconsciente.
Os melhores Chefes de todo o mundo eram convidados a preparar refeições requintadas para nele serem servidas e que incluíam frequentemente caviar esturjão Beluga, trufa negra, foie-gras e caranguejo real.
Para harmonizar estes "modestos petiscos": Champanhes como Taittinger, Laurent Perrier Rosé e Louis Roederer Cristal; brancos como o Domaine Leflaive Montrachet Grand Cru ou tintos como o Château Lafite. A refeição acabava com pompa através dos melhores Portos, Tokaji, Sauternes, Conhaques, whiskys e whiskeys.
Os compartimentos eram luxuosos (ao nível dos hotéis mais famosos como o Ritz de Paris), havia ar condicionado em todo o comboio, três carruagens luxuosas estavam totalmente destinadas ao restaurante (mais uma para armazenar vinhos), os espectáculos culturais a bordo eram executados pelos artistas mais talentosos, o serviço era superlativo e o chá-lanche nele servido ganhou por si só reputação a nível mundial.
O luxo era tanto que, nessa época, os lavabos dos compartimentos, as toalhas e as cortinas eram mudados de acordo com o período do dia ou estado do clima e os funcionários estavam proibidos de dizer não a qualquer solicitação por parte dos clientes (bah, qualquer solicitação que qualquer cavalheiro ou dama fizesse com educação, nível e sem segundas intenções :P).
O Expresso do Oriente original (criado pela empresa belga de vagões-cama Compagnie Internationale des Wagons-Lits) funcionou pela primeira vez em 1883, ligando Paris a Varna (na Bulgária), passando por Munique e Viena, tendo os passageiros de completar sua viagem por mar até Constantinopla (a actual Istambul na Turquia).
Em 1889, ocorre a primeira viagem sem escalas entre Paris e a então capital turca. No seu apogeu (na década de 1930), o Expresso do Oriente operava diariamente de Paris a Istambul, numa viagem de mais de 3.000 km e que durava requintados 3 dias.
Não tão conhecida é a existência de mais duas rotas em operação simultânea: o Simplon Orient Express através do então novo túnel Simplon na Suíça (inaugurado em 1919); ou o Arlberg Orient Express, via Zurique (Suíça) e Innsbruck (Áustria).
Porém, com o passar dos anos, as rotas foram alteradas em decorrência das mudanças das linhas ferroviária dos diferentes países, e também devido aos inúmeros conflitos em todo o continente europeu. As linhas que anteriormente uniam povos passavam agora a separá-los.
Piorando ainda mais este cenário, já de si bastante sombrio, logo após a Segunda Guerra Mundial, muitos países desligaram-se oficialmente da companhia de vagões-cama para criarem as suas próprias empresas de transporte ferroviário "gourmet" na tentativa de capitalizarem para si os lucros.
Apesar de todos estes contratempos, o comboio continuava a pincelar com magia em forma de fumo os diversos países por onde passava, até que em 14 de Dezembro de 2009, o Expresso do Oriente original deixou de operar devido aos preços (demasiado baixos) praticados pelos comboios de alta velocidade e pelas companhias aéreas de baixo custo.
Felizmente o Expresso Veneza-Simplon Orient, propriedade de uma companhia privada de Belmond ainda usa as carruagens originais da Compagnie Internationale des Wagons-Lits das décadas de 1920 e 1930. Este novo "Expresso do Oriente" continua a ligar Londres a Veneza e outros destinos europeus, incluindo o trajecto mítico original entre Paris a Istambul.
Quer o original, quer o mais recente "Expresso do Oriente", são ambos sinónimo de romance, glamour, elegância, graciosidade, aventura e mistério, intimamente ligados a viagens que serpenteiam com charme algumas das mais majestosas cidades europeias.
Todo este legado histórico de suntuosidade, quase novelesco, fez com que este comboio se tornasse no cenário de eleição de diversos romances e filmes, alimentando mitos e sonhos, sendo o mais famoso de todos o "O Crime No Expresso do Oriente" escrito por Agatha Christie (um dia falo-vos sobre ele pois é um dos meus livros favoritos).
Serviu também de inspiração para os corredores que ligam aos quartos do Maison Albar – Le Monumental Palace Porto, mas como vão ver, as semelhanças entre comboio e o hotel, não se ficam apenas por aí... ;) Os grandiosos espelhos, os candeeiros exuberantes, as alcatifas com desenhos únicos, o ferro forjado, todos eles escolhidos em diversos antiquários, que no seu conjunto compõem o glamoroso ambiente dos anos 30, são óbvios pontos em comum.
Ambiente esse que une, quase umbilicalmente, o expresso com o hotel. Não há muitos locais assim, onde o luxo é inconsciente, é quase como uma consequência casual que tem muito mais a ver com a essência, com a elegância, com a educação e com a classe do que com o status.
O hotel foi construído no local onde em 1930 existia o mais famoso café da cidade, o Café Monumental, oferecendo desde a sua inauguração (finais de 2018) um local tranquilo, criado com bom gosto e que nos brinda com uma intimidade aristocrata e nos convida a passear pela sua biblioteca, a tomar um chá à beira da sua reconfortante lareira, a jantar no seu soberbo restaurante, a acordar com um brunch principesco e a embarcar numa viagem revitalizante no conceituado e retemperador (quase terapêutico) Spa Nuxe.
É um hotel de detalhes para quem dá valor a esses detalhes, desde a decoração até aos materiais, passando pelo cuidado/subtilidade com que os mais pequenos são convidados a perceber a singularidade do sitio em que se encontram. Nas suites somos apanhados numa perigosa teia de sedução que combina, deliciosamente, apontamentos vintage com modernidade e conforto.
A luz confortável com que foram pensadas dá uma outra vida a esses detalhes: tecidos pastel, esplêndidas madeiras lacadas e móveis de linhas delicadas e harmoniosas. Nas casas de banho de mármore, imponentes e com todas as comodidades, há ainda espaço para um toque generoso dos produtos Nuxe.
Se porventura acharem que alguém se esqueceu da televisão, procurem melhor e vão descobri-la subtilmente dissimulada numa obra de arte em forma de espelho. Se tal como nós necessitarem de mais espaço para a pequenada dar largas à sua irreverência e respectivo som "peculiar", há também a possibilidade de comunicar com outro quarto de modo quase isolado, tranquilo e com classe... ;)
Para além de tudo isto e quanto a nós continua a ter o melhor brunch do país, está mais curto, mas também mais refinado e com maior graciosidade. Destacamos a Salada Caesar (uma a sério!!!) com alface romana (e uma textura sedutora), peito de frango, anchovas, queijo Parmigiano, croutons e molho Caesar; e o Hamburger Monumental com pão caseiro, carne Wagyu (lembram-se do que vos "falei" à bocadinho dos detalhes?), mostarda, bacon, chalota confitada, tomate, rúcula e molho cocktail; as Ostras (das melhores que o mar tem para oferecer, peçam-nas ao natural.)
Os Ovos Benedict (com salmão, abacate e uma untuosidade refrescante deliciosa) ainda me fazem ficar com água na boca ao pensar neles, pois promoviam no palato uma interessante mistura de sabores, texturas, densidades e intensidades, com um copo de bom Champanhe e estou no céu... :P
No que diz respeito aos doces, as Rabanadas com Xarope de Vinho do Porto e nata batida com canela são uma delicia e um hino à gulice aristocrata (tenho amigos que se apaixonaram por elas!!!) e o Ananás dos Açores com lima e gengibre fazem rimar simplicidade com complexidade e autenticidade (a frescura deste ultimo momento é vedadeiramente viciante).
Quanto ao serviço, fez-me recordar o que li no prefácio de um livro sobre o luxo do Expresso do Oriente e escrito por Coco Chanel: “Algumas pessoas pensam que o luxo é o oposto da pobreza. Não é. É o oposto da vulgaridade. Também não é a aparência, é a essência. Não é o dinheiro, é a educação. Não é a roupa, é a classe.”
A acrescentar a tudo isto, à essência, à educação e à classe, junto, de novo, a importância dos detalhes, até na atitude que se tem quando as coisas correm menos bem. Este hotel conta também com um dos melhores directores F&B do país, o Diogo Matos que procura que o Maison Albar – Le Monumental Palace seja visto como uma espécie de comboio fidalgo, composto por diferentes carruagens, mas que todas elas, no final da viagem, nos mostram que, de modo inconsciente não há senão um verdadeiro luxo, e esse é o das relações humanas alicerçadas em momentos que nos façam celebrar os "conseguimentos", os sítios, os amigos, a família e ... a vida.
Nestes casos, e só nestes casos, não concordo com a ideia do perspicaz Hercules Poirot, pois vários "estranhos" juntos por alguns dias, com nada em comum , além da necessidade de viajar, podem ter a necessidade de se ver novamente para reavivar essa celebração dos pequenos prazeres da vida. Obrigado e até um dia destes ... neste verdadeiro expresso do luxo inconsciente!!!