The Vintage House Hotel | Amor, vinho e um sorriso
"As memórias são as adegas da mente." Felix Timmermans
Li as últimas páginas do "A adega de Estaline" aquando da visita ao The Vintage House Hotel. Aparentemente estes dois acontecimentos isolados nada têm a ver um com o outro, com o decorrer deste texto perceberão que há algo que os une quase umbilicalmente ... ;)
"A adega de Estaline" é muito provavelmente o livro de vinhos mais extraordinário, improvável e fascinante que li nos últimos anos, pois mistura vinho com aventura e mistério. Fala-nos de uma enorme adega subterrânea com mais de 40 000 garrafas escondidas num antigo estado soviético.
As garrafas que nela constam eram propriedade de Josef Estaline que as confiscou ao último czar da Rússia, Nicolau II, e ao seu pai Alexandre III, momentos antes de os executar. Após este roubo, os vinhos foram escondidos por Estaline em Tbilisi na Geórgia, perto do local onde nasceu, pois o ditador temia que Hitler ao invadir a Rússia lhe confiscasse a colecção (ladrão que rouba ladrão...).
Desde então as garrafas repousaram num porão profundo, escuro e húmido, durante mais de 70 anos. A colecção é assombrosa, com mais de 200 garrafas de Château d'Yquem. Uma garrafa deste vinho do ano 1847 (haviam algumas garrafas desta safra na adega de Estaline), foi vendida em 2017 pela Christie's pela módica quantia de 37 000 euros.
Para além destas preciosidades, a adega contava ainda com outros grandes Sauternes e os melhores vinhos de Bordéus, alguns deles com safras que remontam há 150 anos: um autentico tesouro vínico inigualável e muito difícil de imaginar.
O que torna a história contada no livro ainda mais inesperada é que esta adega foi descoberta quase ocasionalmente por alguns comerciantes de vinho australianos. No final da década de 1990, John Baker era conhecido por comercializar vinhos raros, antigos e elevada qualidade em Sidney.
Sempre empreendedor e pronto para a aventura tinha as características ideais para que Kevin Hopko, um parceiro de negócios ocasional, o abordasse com uma misteriosa e eclética carta de vinhos: os vinhos da adega de Estaline.
É assim que John e Kevin embarcaram numa viagem audaciosa, saborosa e sedutoramente perigosa para a Geórgia com 3 objectivos principais: 1) descobrir se os vinhos realmente existiam; 2) perceber se as garrafas eram autênticas e; 3) investigar se toda a colecção poderia ser comprada e transportada para uma casa de leilões em Londres ou Nova Iorque.
O lucro previsto era de 10 milhões de euros!!! Durante todo este processo, os dois amigos inspeccionaram minuciosamente a adega, manusearam garrafas, documentaram rótulos e até provaram alguns desses vinhos icónicos. O livro é um autêntico passeio selvagem, às vezes difícil, no mundo glamoroso dos vinhos de topo.
Um roteiro vínico que vai de Double Bay em Sidney a Tbilisi na Geórgia, passando pelas ruas de Paris, as vinhas de Bordéus e o icástico Chateau d'Yquem. Esta aventura numa adega multimilionária com uma colecção de vinhos de tirar o fôlego é um sonho que qualquer enófilo gostaria de um dia poder concretizar.
Página a página fui invejando cada vez mais John e Kevin. Para além de Estaline, Hitler e o czar Nicolau II, o restante elenco incluía um bando muito heterogéneo de empresários/cowboys/criminosos georgianos, nos primeiros dias do crescimento empresarial russo que levaria à Russia de Putin e aos seus oligarcas.
Deixando a parte vínica de lado, um dos recursos literários que torna este livro tão atraente é o uso inteligente de citações directas que dão dinamismo aos personagens e aos acontecimentos. Algumas destas citações teriam de ser inventadas, pois recordar com precisão todas as conversas que ocorreram há 20 anos não seria nada fácil.
Desta forma, o livro é um blend ponderado de romance ficcional com uma narrativa precisa, relembrando que a frase “Baseado numa história real” escrito na capa em letras pequeninas não está lá apenas para ocupar espaço.
Não vos vou contar como o livro acaba, apenas vos espicaço um pouco a curiosidade ao vos dizer que este tesouro vínico ainda se encontra disponível a uma curta viagem de avião de distancia ;)
Embora o tema principal esteja seja o vinho inserido numa caça ao tesouro, atrás da Cortina de Ferro, com vista a resgatar um dos tesouros escondidos de Stalin, o secundário remete-nos para a atmosfera romântica das adegas e que ajuda a definir o que é um grande vinho: algo misterioso, imprevisível e talvez, em última análise, incognoscível.
Foi esta atmosfera única das adegas que encontrei no The Vintage House Hotel. Nascido da reconversão de uma antiga adegado séc. XIX, este magnífico hotel de interiores confortáveis e sofisticados aninha-se no coração da Região do Douro e por detrás da belíssima estação ferroviária do Pinhão.
Toca delicadamente o rio, numa calma e encantadora paisagem, ainda dominada pelas antigas quintas e grandes vinhas em socalcos. Assume-se como um refúgio de luxo rústico no região Património Mundial e procura criar uma atmosfera acolhedora e confortável de refúgio campestre.
Os quartos são super confortáveis e espaçosos, estão carregados de mimos e têm varandas com uma vista deslumbrante sobre o Rio Douro, que nos permitiu desfrutar de um fantástico pôr-do-sol.
Toda esta exaltação do Douro também tinha de se fazer sentir também na gastronomia do hotel. No conforto do Restaurante Rabelo desfrutam-se das melhores iguarias regionais, ao nível gastronómico e vínico.
Num ambiente clássico e elegante, são recriados os inconfundíveis sabores do Douro, regados com os melhores néctares da região. Iremos destacar alguns deles...
A Supresa de pato com misto de cogumelos, creme de batata e agrião trufado carregado de sabor, intensidade, untuosidade e uma ligeira acidez já fazia antever o mundo de sabores que iriam compor as restantes sugestões. Comia o creme de batata e agrião trufado todos os dias!!! ;)
Seguiu-se o melhor prato vegetariano do ano: Tagliatelle com lentilhas estufadas, nozes, pinhão, espinafres, tomate cherry assado e molho de natas. Cheio de texturas complementares, voluptuosidade e muito sabor. Muito bom!!!
Nos peixes destacamos o Bacalhau com feijoada de sames, puré de feijoca, mini couve, que exibia um sabor a mar inspirador e era conciliado com textura algo gelatinosa dos sames de bacalhau, com a frescura dos cominhos e com o ligeiro picante dos enchidos.
O feijão dava-lhe corpo, os sames davam-lhe alma. Um hino às texturas, às influências, às sabores e, sobretudo, à memória gastronómica da região. Já no campeonato das carnes, houve espaço para o Lombinho com puré de castanha, favas estufadas, crocante de salpicão e molho de enchidos.
O lombo possuía uma untuosidade requintada que combinava muito bem com acidez, intensidade e riqueza aromática dos restantes ingredientes, provocando um jogo de sabores incrível que nos transportava imediatamente para o cânone gastronómico tradicional.
Nas sobremesas, os frutos secos, a casca de laranja cristalizada e a canela do Taylor's 20 anos acompanharam muito bem o Leite Creme, enquanto que o tabaco, o chocolate preto e a ameixa do Fonseca Guimaraens Vintage 2005 foram os anfitriões irrepreensíveis da Mousse de Chocolate.
Destaque ainda para serviço, próximo, amigo e profissional, e para as outras mais valias que o hotel tem para oferecer: as bicicletas para passear pela vila, as visitas guiadas às quintas de vinho do Porto, uma bela piscina à beira do rio, uma loja de vinhos, cursos de vinhos para conhecer com mais profundidade os vinhos da região, um cruzeiro no Douro e os diferentes programas desenhados para quem quer ter uma experiência mais completa.
Mas mais importante que tudo isso o The Vintage House Hotel tem para oferecer ... memórias. O escritor belga Felix Timmermans defende que as memórias são autênticas adegas da mente, esta antiga adega deixou-nos com algumas muito bonitas. Acho que os sorrisos dos 4 deixam transparecer uma boa parte delas... ;)