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No meu Palato

No meu Palato

Vinum at Graham's | Guerra e Paz: A faísca de um sonho

"O vinho torna a vida mais fácil e suportável, com menos tensões e maior tolerância... Quando o vinho entra, apenas sai a verdade!!!” Benjamin Franklin

Vinum at GrahamsEstamos em 1788 e o que está prestes a acontecer na Sala de Assembleias do Estado da Pensilvânia vai originar acontecimentos extraordinários: a transferência pacífica de poder por 46 vezes; a construção da ferrovia transcontinental, do canal do Panamá e do Sistema Rodoviário Interestadual; o envio do homem à lua; a invenção da Internet, a criação do maior PIB mundial (quase duplicando o do país que ocupa a segunda posição - a China), e a vitória em duas Guerras Mundiais ... num continente que não era o seu. Tudo isto em pouco mais de 200 anos, é obra!!!

Vinum at GrahamsEstou a falar da criação da constituição dos Estados Unidos da América por parte dos "Pais Fundadores".  Sem eles, não haveriam os Estados Unidos da América, Sinatra ou Hemingway. Os "Pais Fundadores" eram um grupo de proprietários/empresários, que uniram 13 colónias díspares, lutaram pela independência da Grã-Bretanha e redigiram uma série de documentos governamentais influentes e que orientam o país até aos dias de hoje. 

Vinum at GrahamsTodos os "Pais Fundadores", incluindo os quatro primeiros presidentes dos Estados Unidos, eram inicialmente súbditos britânicos. No entanto, e em resposta às medidas demasiado restritivas do rei Jorge III, lutaram pela independência, conseguindo uma impressionante vitória militar sobre o que então era a superpotência militar do mundo. Nessa Constituição, um poderoso documento (embora incompleto), existiam dois fortes desígnios: liberdade e igualdade. Desígnios esses que se mantiveram, mesmo quando o país já era independente e estava em paz. 

Vinum at GrahamsQuando o governo federal vacilou sob os Artigos da Confederação, os "Pais Fundadores" reuniram-se de novo para afinar a Constituição, levando a que fossem superados a maior parte dos desacordos entre grandes e pequenos estados, e entre os estados do sul e os do norte, emergindo um sistema político estável, equilibrado e robusto. Mostrando ainda dotes visionários, este grupo incluiu ainda uma Declaração de Direitos, que consagrou muitas liberdades civis em lei e forneceu um modelo para outras democracias emergentes. 

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George Washington, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton e James Madison são os nomes mais conhecidos desse grupo de heróis, que em conjunto nos parecem querer segredar um conselho para encarar os dias em que vivemos actualmente: para ganharmos um guerra não precisam de estar em maioria (nós não estávamos), ter mais meios (nós não tínhamos) ou possuírem armas mais modernas (não era o nosso caso), "basta" serem corajosos, serem inventivos, serem perspicazes e trabalharem como equipa.  Estes "Pais Fundadores" conduziram os Estados Unidos a uma vitória improvável (quase impossível) porque eles respeitaram esses quatro princípios basilares. 

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Washington possuía qualidades de liderança tão incríveis que conseguiu manter o exército unido para que conseguisse sobreviver, não só ao inverno rigoroso de Valley Forge (um refúgio perto de Filadélfia) como também às constantes retiradas diante de um inimigo (muito) mais forte.  Benjamim Franklin tinha inteligência (inventou o para-raios, as lentes bifocais, o fogão Franklin e um hodómetro, formou a primeira biblioteca pública na América e o primeiro corpo de bombeiros na Pensilvânia) e as habilidades de escrita que permitiram a obtenção de um documento tão rico como a Constituição dos Estados Unidos da América. 

Vinum at GrahamsPor sua vez, John Adams tinha as habilidades políticas/oratórias necessárias para defender a Constituição no Congresso, garantir financiamento para a guerra com os holandeses e, mais tarde, negociar um tratado de paz com os britânicos. James Madison, para além de ser um dos parteiros oficiais da Constituição, era um político tão influente quanto inteligente, desenvolvendo um plano para dividir o governo federal em três poderes: o legislativo, o executivo e o judicial. Esse plano, que foi amplamente adoptado por todo o mundo, rendeu-lhe o apelido de “Pai da Constituição”.  

Vinum at GrahamsAlexander Hamilton, um órfão pobre, ilegítimo e que ganhou destaque por ajudar Washington, criou grande parte da economia dos Estados Unidos, que apesar de todos os seus problemas, tem vantagens irrefutáveis para a maioria dos americanos: crescimento, longevidade, estabilidade e conforto. Conhecendo toda esta história, parece bastante óbvio que nenhum destes homens poderia, individualmente, dar à luz o país mais poderoso que alguma vez já existiu. Como equipa, estes quatro heróis materializam, muito provavelmente, a colecção mais formidável de inteligência e talento alguma vez reunida.

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Estes quatro mostraram-nos que para liderar bem não é necessário um poder absoluto, antes sim, saber escolher uma equipa. Acho que como Europa, e sem pretender dar lições de moral/história a ninguém, temos muito a aprender com os Estados Unidos e no modo como souberam conciliar as diferenças para que o bem comum fosse alcançado. Só uma Europa federalista terá tamanho (territorial, económico, financeiro, ideológico, político, social e militar) suficiente para combater dementes que por vezes chegam a chefes de estado. 

Vinum at GrahamsDeixando estes assuntos contemporâneos de lado, voltamos a 1788, logo após o nascimento da Constituição dos Estados Unidos. George Washington, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton e James Madison decidem sair para jantar e comemorar, junto com mais 50 pessoas, o resultado de cinco árduos meses de trabalho.  Comemorar com que? Ora bem, a resposta a esta pergunta vai demorar um pouco a ser escrita. 100 garrafas de vinho, 22 garrafas de Porto, dezenas de Madeira (anos antes, a 4 de Julho de 1776, a independência dos Estados Unidos já havia sido celebrada com um brinde deste vinho), 12 garrafas de cerveja, 8 garrafas de uísque, 8 garrafas de cidra e 7 garrafas de ponche.  Tudo isto acompanhado pelo que de melhor a gastronomia de então tinha para oferecer: marisco, ostras, mousse de salmão, sável, linguado e uma enorme diversidade de tartes, queijos e gelados.

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Por tudo isto, Walter Staib, (conhecido Chef e apresentador do programa “A Taste of History”), afirma que nesse grupo que apresentou a Constituição em 1787 estavam os primeiros foodies da América. Além de seu legado como revolucionários e políticos, os "Pais Fundadores" dos Estados Unidos da América eram, antes de tudo, apreciadores de (boa) enogastronomia. Como muitos dos foodies de hoje, eles procuravam alimentos obtidos através de agricultura e a pecuária sustentáveis, alimentos importados exóticos, cerveja artesanal, vinhos especiais e eram apaixonados por harmonizações. 

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A história destes quatro é polvilhada com textos que mostram o seu amor pela comida e pela arte de comer, amor esse que acabaria por se traduzir na cultura alimentar diversificada que hoje reconhecemos nos Estados Unidos. Acredito que esta base enogastronómica contribuiu, ainda que em pouca medida, para o sucesso dos "Pais Fundadores" enquanto presidentes, pois como postulou Benjamim Franlkim, o vinho e a gastronomia tornam a vida mais fácil,  mais suportável, com menos tensões e mais tolerante. Não é tudo isto que a política, atrevo-me mesmo a dizer a vida, necessita?

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O mote saído desse jantar comemorativo da constituição: "no vinho, um sonho; e no sonho, uma faísca" foi discutido por muitos escritores americanos, um deles, Steven Grasse (autor de Colonial Spirits: A Toast to Our Drunken History) faz um bonito trocadilho acerca da ligação entre a comida, o vinho e a história dos Estados Unidos: "muitas ideias malucas podem surgir de uma noite de conversa bem regada".

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Mas não pensem que esses "Pais Fundadores" ou então aqueles que gostam de harmonizar vinhos com comida (conheço alguns ;)) estão-no a fazer "apenas" por prazer ou para comemorar esta relação história entre vinho-comida-liberdade-verdade-igualdade, fazem-no também, e sobretudo, pela sua saúde (:P), pois ao consumirmos comida na presença do vinho: reduzimos o risco de intoxicação alimentar, combatemos compostos causadores de doenças resultantes da digestão, e melhoramos a nossa própria digestão.

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Foi com todas estas mais valias enogastronomicas em mente que nos deslocamos a um dos locais onde essa combinação entre vinhos e boa gastronomia é particularmente muito feliz: o Vinum at Graham's Restaurant & Wine Bar. Este restaurante é uma das referências gastronómicas do Porto, graças a uma proposta de excelência, centrada no produto e no canône gastronómico do Norte de Portugal.

Vinum at GrahamsResulta da união da história de duas famílias e duas paixões, que se uniram para criar um espaço único. Os Symington (produtores de vinho do Porto e do Douro, que há mais de 130 anos vivem o mundo do vinho e, muito em particular, o Douro como muito poucos) na hora de escolher um parceiro para um arrojado projeto de restauração, que exibisse ideais comuns e partilha na dedicação, compromisso e amor pela gastronomia descobriram Iñaki Lz de Viñaspre García e a sua família, que há mais de 20 anos criaram o Sagardi, que hoje se espalhou por vários pontos do mundo, em mais de 32 restaurantes devido ao rigor e a uma reputação baseada na excelência do produto e numa cozinha de elevada qualidade.

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O Vinum apresenta uma proposta gastronómica de alto gabarito, que traz para a mesa as melhores tradições do Douro, de Trás-os-Montes, do Minho e do Atlântico que banha Portugal: alheira de Mirandela IGP,  peixe do mercado de Matosinhos e a exclusiva carne de vaca velha de Trás-os-Montes são alguns dos clássicos que podem ser provados. Juntamente com estes pratos tradicionais, pode ainda ser provado o melhor da parrilla Basca e pratos contemporâneos de referência internacional, tais como os tártaros, o robalo de linha com cogumelos, os pratos de foie gras e o rabo de boi estufado em vinho biológico. Tudo orquestrado através da batuta gastronómica do chef Francisco Miranda, que procura fazer rimar essa tradição, com inovação, apresentação e superação. 

Vinum at GrahamsAlém de uma garrafeira bem cuidada e de um serviço de excelência em torno do vinho, o Vinum é Vinho, e por isso os pratos do restaurante foram criados especialmente para harmonizar com os vinhos Douro DOC, do Porto e alguns Alentejanos produzidos com mestria pela família Symington, assim como com vinhos produzidos pelos seus amigos, em Portugal e no mundo, com os quais partilham a paixão por um produto tão nobre.

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A sala de refeições do Vinum é a extensão das caves do Séc. XIX onde envelhecem os famosos vinhos do Porto da Graham’s, e por isso respira esse mesmo mundo do vinho, com as históricas vigas de madeira de pinho suportadas por pilares de ferro de 1890 e uma vista única sobre as cerca de 3200 pipas de vinho em envelhecimento nas caves. Uma sala histórica, recuperada para criar uma atmosfera única e apetecível onde somos convidados a viver e sentir a glória do vinho ao lado da melhor comida que a cidade tem para oferecer.

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No prolongamento da sala principal encontra-se o Atrium – o jardim de Inverno, e onde tivemos um almoço memorável e podemos desfrutar, de uma paisagem arrebatadora e de uma das mais belas vistas de Portugal. Debruçado sobre a histórica cidade do Porto (Património da Humanidade pela UNESCO), sobre o rio Douro e a singular Ponte Dom Luís, poucos restaurantes no país podem proporcionar este conforto, ambiente e cenário.

Vinum at GrahamsFalando mais concretamente da enogastronomia, gostamos muito do modo como a frescura, as notas citrinas, o abacaxi e o briche do  BRUMMELL Methode Traditionnelle Brut Blanc de Blancs elevou a riqueza voluptuosa dos Croquetes artesanais do Vinum com presunto ibérico, das Chamuças de Moura e maçã e da Alheira de Mirandela IGP na grelha com pimentos. Já tinha achado isso no Sagardi e reforcei essa ideia no Vinum, esta "malta" são dos que melhor trabalham os enchidos, elevando-os a outro nível sem desrespeitar a tradição. 

Vinum at GrahamsSeguiu-se o melhor tártaro de peixe que provamos até hoje: Tártaro de atum dos Açores com tomate confitado. Uma delicia!!! Conjugava de modo muito harmonioso os aromas, a frescura e a leveza do mar, e contrastando tudo isto com a voluptuosidade e riqueza do atum. Para além de todos estes predicados o tártaro transmitia ainda uma alegria contagiante, nos sabores, nas cores e nas texturas. 

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A "Coca" de rosbife e queijo curado da Serra da Estrela DOP com vinagrete de mostarda era uma verdadeira salada de sabores, muito rica, heterogénea e com uma dicotomia muito engraçada entre acidez e untuosidade. Quer a "coca" quer o tártaro ganharam muito com o hibisco, a casca de laranja cristalizada, o alperce, a framboesa e acidez acutilante do Quinta da Fonte Souto 2020 Rosé 2020. Paragem seguinte: Sopa rica de peixe e marisco do Mercado de Matosinhos. A pescada e o camarão estavam no ponto, e, em conjunto, exibiam um sabor inspirador a mar, único e inconfundível, que combinava diferentes influências, sabores e aromas. Adorei a textura do camarão, a riqueza da ameijoa e a untuosidade do peixe... A harmonia construída na voluptuosidade e frescura marítima é diga de realce.

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Como prato principal Linguado do mercado de Matosinhos. Sem dúvida o momento alto da refeição, momento esse alicerçado quer na excelência do produto quer na mestria da sua confecção.  Como condimentos apenas muito azeite, bastante alho, algum vinagre e Guindilla basca. Ácido, intenso, delicado e carregado de sabor. Este é um daqueles pratos que nos faz  lamber os lábios!!! Destaco ainda a classe, saber e elegância na preparação à mesa do linguado e pela perfeição na harmonização vínica por parte do João (até por ter sido conseguida com um vinho que não conhecia). Um vinho cremoso e com uma estrutura incrível,  que perfumava o peixe com manga, toranja e uma baunilha deliciosa. Sei que ainda estamos no inicio, mas leva para já a distinção de harmonização do ano.

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Nota ainda para o pratos dos miúdos. Lombo de robalo com acelga e batata doce assada, a mostrar que para agradar ao palato dos mais pequenos, a solução fácil (comida rápida e infantilizada) não é sempre a solução vencedora, escusado será dizer que não sobrou nada nos pratos.  Para sobremesa Ananás dos Açores caramelizado no forno, Graham's Tawny 20 years old e gelado de coco. Leveza e elegância são os adjectivos que melhor a caracterizam. O ananás em diversas texturas e a extravagância do coco emprestam uma alegria ao prato que chega a ser contagiante, quase que a poder ser metamoforizada numa piña colada gourmet que pode ser mastigada.

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As nozes, a laranja confitada, doçura qb e enorme equilíbrio do Graham's 20 anos enobreceram a sobremesa, mas preferi os tostados, figos secos, cacau complexidade e diversidade aromática do Graham's 40 anos (sugestão do Paulo ;)), que serviu ainda de anfitrião para uma longa conversa nos jardins da Graham's.  Já ao final do dia ainda houve tempo para visitar as pitorescas Caves Graham's, ali mesmo ao lado, na agradável companhia de Pedro Saraiva. 

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Destaco Graham's Port Vintage 2000 (105.00 €, 95+ pts.), ainda com alguns anos de boa evolução pela frente e ainda carregado de romã, ameixa e eucalipto, mas já com tabaco, couro e flores secas.  Como surpresa realço o rubi Graham's Port Crusted 2013 (30.00 €, 91 pts.) e a sua ameixa, frutos silvestres, alcaçuz, eucalipto e afinado equilíbrio. No entanto e apesar destes destaques prévios, o que mais brilhou na prova foi o Single Harvest Tawny Port 1990 Lodge Edition (130.00 €, 96 pts.). De porte laranja-acobreado exibia orgulhosamente aromas de arbusto, damasco, casca de laranja confitada e baunilha. Mas é na boca que passeia toda a sua classe: frescura, complexidade e equilíbrio e muita aristocracia.

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Por vezes, e por tudo o que hoje vos contei, num copo de vinho após uma deliciosa refeição, para além de alguns dos aromas que hoje vos descrevi, estão também encerrados valores como a liberdade, a igualdade, a tolerância, a paz e a verdade. Brindemos a isso e também a que mais uma vez, a resistência, a sorte e resiliência acompanhem o lado certo, democrata e tolerante da Guerra. Se podermos vencer a tirania com a coragem, a inteligência, a perspicácia e o trabalho de equipa (em oposição à leia da bala), tanto melhor.