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No meu Palato

No meu Palato

Essência do Vinho - Porto 2021 | O intoxicante poder dos aromas

"As pessoas podem fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e até podem tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podem, nunca, escapar ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração, e com esta, ele penetra nas pessoas, que não lhe podem escapar, caso queiram viver. E é bem para dentro delas que vai o aroma, directamente para o seu coração. E é lá dentro que se distingue, categoricamente, entre atracção e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominar os odores ... domina o coração das pessoas." Patrick Süskind

Essência do Vinho 2021A "principal experiência do vinho em Portugal" está de regresso para concretizar a 18ª edição. Assim, a Essência do Vinho – Porto volta a reunir o mundo do vinho no Palácio da Bolsa, de 31 de março a 3 de abril, ao ter em prova mais de 4.000 exemplares representados por 400 produtores, nacionais e estrangeiros, a que se junta um intenso programa paralelo de actividades.

Essência do Vinho 2021Entre os destaques da programação deste ano, a competição “TOP 10 Vinhos Portugueses”, com a participação de um júri internacional. Uma pré-selecção do painel de provadores da Revista de Vinhos, baseada nos exemplares que obtiveram as mais elevadas pontuações no último ano, é sujeita ao crivo de especialistas convidados (líderes de opinião, críticos, jornalistas e sommeliers), que representam diferentes sensibilidades e mercados. Mas, há muito mais a conferir. Para lá da prova aberta com produtores, os visitantes do Essência do Vinho – Porto poderão inscrever-se num conjunto de acções que incluem provas temáticas, conversas sobre vinho e harmonizações vinho/gastronomia.

Essência do Vinho 2021No capítulo dos fortificados, a programação é particularmente generosa. A comitiva internacional convidada participará na prova “Fortificados de Sonho”, que reunirá edições raras e de coleccionador de vinhos muito velhos do Porto, Madeira, Carcavelos e Moscatéis de Setúbal. Disponíveis para inscrições pelos visitantes, a Dalva mostrará a beleza ímpar de Vinhos do Porto Brancos envelhecidos, enquanto a Kopke desafia a uma viagem por Portos com Indicação de Idade – 20, 30, 40 e o novo 50 Anos. Para quem pretender aprofundar conhecimentos sobre Vinho Madeira, há também uma prova que versará sobre as castas principais que estão na base do fortificado insular que ao longo dos séculos tem viajado pelo mundo.

Essência do Vinho Porto 2020Sendo a notável capacidade de evolução ao longo do tempo das principais características dos vinhos portugueses, Essência do Vinho – Porto enfatiza isso mesmo em diferentes sessões. Do Alentejo, o Esporão fará uma prova de diferentes colheitas do Private Selection, branco e tinto. Do Dão, a Quinta dos Carvalhais mostra o comportamento de várias colheitas do monocasta Touriga Nacional. Nos Vinhos Verdes, outra prova comentada vai explorar a longevidade da casta Loureiro, a estrela do Vale do Lima, e da Bairrada chegarão diferentes exemplares da Quinta d´Aguieira. Não faltará também uma sessão com vinhos nacionais da década de 90.

Essência do Vinho Porto 2020No capítulo internacional, um dos sublinhados é a prova “La Bella Itália”, que reunirá alguns dos mais sonantes nomes da Toscana, popularmente reconhecidos por “Super Tuscans”. De Champagne, a maison Henri Giraud mostrará os pergaminhos do “terroir” de Ay Champagne, sobretudo através da interpretação borbulhante da casta Pinot Noir. Na sessão “The Wine World” confrontam-se vinhos da velha Europa e de países tidos do Novo Mundo, havendo igualmente lugar à apresentação da nova linha de copos de cristal da austríaca Riedel, a “Winewings”, nome inspirado nas asas das aeronaves.

Essência do Vinho Porto 2020Provas com vinhos de Cabriz, Quinta da Pacheca, Quinta do Côtto, Vale Meão, Lavradores de Feitoria e Blackett complementam o cardápio, que também serve três sessões de harmonização, combinações entre vinho e gastronomia com chefes que lideram restaurantes distinguidos pelo Guia Michelin. Arnaldo Azevedo, do portuense Vila Foz, o “Restaurante do Ano 2021” pela Revista de Vinhos, cria pratos para harmonização com os champanhes Philipponnat, maison de largo historial, que remonta já ao séc. XVI. Diogo Rocha, do galardoado Mesa de Lemos, em Silgueiros – Viseu, mostra combinações com os vinhos da Quinta de Lemos e o chefe Vitor Matos cria gastronomia a pensar na combinação com os vinhos salinos e tensos da Azores Wine Company.

Essência do Vinho Porto 2020“Portos Tawny 10 Anos: a verdade que se impõe!”, “Boas Compras do TOP Revista de Vinhos”, “Rosés de piscina, rosés gastronómicos e vinhos palhete”, “O que são os Orange Wines” são apenas alguns dos temas das sempre didáticas “Conversas Sobre Vinho”. 

A programação detalhada e as condições de acesso à 18ª do Essência do Vinho – Porto estão disponíveis online, em essenciadovinhoporto.com

Vemo-nos por lá, hoje, amanhã, ou no domingo ;)

Esta é uma excelente oportunidade para se deixarem seduzir pelo intoxicante poder dos aromas do vinho que nos vai pincelando a alma com memórias e emoções.;)

DOP - Chef Rui Paula | A ousadia da consistência

"Somente os tolos exigem a perfeição, os sábios contentam-se com a coerência." Provérbio Chinês

DOPEça de Queirós defendia que o tempo, e só ele, daria verdadeira consistência à vida e à sorte. Só ele poderia separar o hábito da casualidade. Essa verdade de Eça procurava transmitir algo que Aristóteles já havia deixado na nossa memória colectiva: que somos aquilo que fazemos repetidamente, seja qual for o contexto. A excelência, vigiada impiedosamente pelo tempo, deixa, assim, de ser um acto (que poderia resultar de uma brisa de sorte), para passar a ser um hábito que se cultiva diariamente. 

DOPNa minha opinião é essa consistência que primeiramente faz um grande Chef. Seja nos sabores ou na apresentação, cada vez que um prato, por vezes de forma inconsciente, ajuda a formar um padrão em quem o aprecia, junta mais uma peça aquele que é o puzzle identitário do Chef que o concebeu. Essa construção, garfada após garfada, pode também ser definida como a memória gastronómica que vamos associando a algum lugar ou a algum Chef.

DOPEsta construção de identidade baseada na consistência e memória, é algo que dá muito trabalho nos dias que correm, demasiado acelerados e em que as modas estão em constante evolução. Ainda assim, quando falamos de gastronomia de topo, o foco continua a ser a criação de experiências gastronómicas originais materializadas numa cozinha que potencie autenticidade. Autenticidade essa em termos de tradição, inovação, identidade e consistência.

DOPJá disse muitas vezes, que neste nível de gastronomia, cozinhar é uma arte e, tal e qual como acontece com os pintores, com os poetas ou com os músicos, os Chefs gostam de, por vezes,  ousar inventar algo novo no seu ofício, mas sem adulterar a alma da sua identidade. Se quando repetimos a ida a um Estrela Michelin ou visitamos outro restaurante de um Chef que apreciamos muito, nos sentirmos defraudados com algum dos pratos, por aquela peça não fazer sentido no puzzle que íamos construindo, alguma coisa correu mal: com o artista, com a obra ou com quem a executou.

DOPSe já é difícil para um Chef manter a consistência num restaurante, a tarefa tornasse hercúlea quando se pretende criar obras de arte gastronómicas em diferentes espaços, com diferentes públicos, para diferentes preços e por vezes executadas pelas mãos de quem não concebeu essas obras.  É aqui que a consistência se cruza com a excelência.

DOPPara vos passar a minha visão deste "cruzamento" ideológico vou contar-vos uma história, que a pessoa que me convidou para trabalhar na Universidade do Minho (em 2006!!!) me contou em jeito de "conselho de carreira". Percebi no final da história que esse conselho havia sido dado, 30 anos antes, pelo seu orientador de doutoramento. A história é assim...

DOPCerta vez, um cavalheiro visitou um templo em construção onde viu um artista a esculpir uma imagem de um deus numa pedra. Imagem essa que havia sido desenhada, com bastante detalhe e rigor, pelo seu mentor que no momento se encontrava ausente devido a doença. De repente, ele reparou que nas proximidades havia já outra escultura idêntica. Surpreso, o cavalheiro perguntou ao escultor porque é que ele precisava de duas estátuas iguais, representando o mesmo deus.

DOPO escultor, sem desviar o seu olhar da obra que tinha entre mãos, respondeu-lhe que não,  acrescentando que estava a fazer outra, porque quase no final, a primeira escultura tinha sido irremediavelmente estragada. O cavalheiro examinou a escultura e não encontrou nenhum dano aparente...  «Há um pequeno arranhão no nariz, resultante de um descuido meu», disse o escultor, ainda embebido no seu trabalho....

DOPApós muito procurar, e de limpar várias vezes os óculos, o cavalheiro lá conseguiu encontrar o tal arranhão. «Mas o teu mentor vê assim tão bem, ao ponto de conseguir reparar nesse pequeno arranhão?» Na ausência de resposta, fez outra pergunta. «Mas afinal onde é que a estátua vai ser colocada?" O escultor, visivelmente irritado com as consecutivas distracções, respondeu que a estátua seria colocada no topo de um pilar com seis metros de altura. 

DOPO cavalheiro ficou ainda mais confuso e inquieto com  resposta do escultor. Se a estátua iria ser colocada tão longe e apenas com um pequeno arranhão, quem é que iria dar por ele? Nesta altura o escultor parou de trabalhar, levantou-se, sorriu e com toda a calma disse: «Eu iria saber que o risco está lá. E que esse risco tinha sido resultado de uma incompetência minha. Vês algum risco neste projecto do meu mentor?»

DOP"Sempre que decidires subir uma montanha não o faças com a intenção de que o mundo te veja, faz isso com objectivo de ver o mundo." Terminou assim a história da minha orientadora. O que é que eu aprendi com isto? Que o anseio pela excelência é independente do facto das outras pessoas gostarem ou não, saberem ou não, perceberem ou não. A excelência é uma bitola interior, não exterior,  pois não a cultivamos para que os outros notem, mas para garantirmos a nossa própria satisfação, felicidade e evolução, isso, a longo prazo, assegura-nos consistência. Basta um desleixo para voltarmos ao inicio da história e da construção dessa consistência.

DOPPenso que seja também essa filosofia que assegura a consistência de um Chef que vos vou falar hoje, o Chef Rui Paula.  A critica resulta de uma visita ao DOP, no Porto, mas bebeu inspiração (e informação) de outros encontros, em eventos, no DOC e na Casa de Chá da Boa Nova. O DOP procura brindar os comensais com experiências gastronómicas inesquecíveis, com incursões pelos verdadeiros clássicos da cozinha portuguesa reinterpretados e elevados pelas mãos do Chef Rui Paula.

DOPGoza de um ambiente descontraído, calmo, causal, e com vista para o centro histórico da cidade invicta. Ao contrário das outras duas casas, o DOP foi pensado para funcionar dentro de uma cidade movimentada como o Porto, com bom gosto, com alma cosmopolita,  mas ao mesmo tempo com um aconchego familiar que nos faz sentir em casa. 

DOPO nosso almoço começou com as boas-vindas em forma de snack estilo finger-food: uma salada de polvo com coulis de pimentos, muito fresca e mini hambúrguer de vitela untuoso e carregado de sabor. Seguiu-se um Carpaccio de Polvo, com azeitonas em diferentes texturas (explosão de azeitona verde, azeitona desidratada, coulis de azeitona preta, tosta de azeitona e merengue de azeitona). Diferentes técnicas, incluindo a cozinha molecular, potenciaram uma experiência gastronómica sublime. Desde a explosão de sabor que a esfera de azeitona não fazia antever, até à textura sedosa do polvo, passando pela complexidade dos aromas encontrados. 

DOPA interpretação de Rui Paula da Açorda de Bacalhau surgiu logo de seguida, com brandade de bacalhau (uma emulsão de batata,  bacalhau e azeite), croutons de pão, lascas de bacalhau, gema de ovo confitada em azeite, espuma de bacalhau e caviar de azeite. Dá um traje de gala, muito mais texturas e diversas camadas de sabor a um prato que organolepticamente respeita a tradição da cozinha genuinamente portuguesa. É intenso, rico, elegante, saboroso, equilibrado e voluptuoso. Uma delícia!!! O Rebolar Branco 2018 emprestou-lhe mineralidade, frescura, citrinos e uma ligeira tosta. Bela harmonização!!!

DOPO Linguini Nero, amêijoa, robalo e lula, com linguini de tinta de choco, filete de robalo cozinhado no forno, molho de ameijoa e calamares; é um prato de massa com sabor a mar e a fumo. A massa estava estupenda (a Bia disse que não se importava de comer só a massa), a lula estava crocante, untuosa e ligeiramente fumada, o robalo cozinhado na perfeição e o singelo tomate acrescentava a cor e a acidez que o prato precisava.  É um prato muito guloso e que nos faz querer "limpar" o molho que sobra no prato com um pouco de pão. ;) O sommelier Cláudio, muito profissional e atencioso, escolheu a mineralidade, a frescura e a ligeira untuosidade do Niepoort Conciso Branco 2018 para a harmonização, revelou-se uma escolha super acertada.

DOPAntes das sobremesas, Vazia maturada e batata doce, com batata doce em diferentes texturas, cogumelos, legumes salteados e molho chimichurri. A complexidade, doçura, acidez, fumados, adstringência e uma alma enorme trazida pelo puré de batata doce, quase que nos fazia esquecer que no prato havia também carne, quase... ;)  Carne essa que exibia uma deliciosa crocância fumada no exterior e um suco muito rico aprisionado no interior. As pedras de sal davam-lhe ainda mais garra, fazendo realçar a nobreza dos seus sabores. As notas florais, couro, e elegância do Fraga Alta Tinto 2004 foram uma excelente companhia. 

DOPComo pré-sobremesa, Curd de limão, ananás macerado, uvas congeladas, merengue de ananás e sopa de eucalipto, com um mix de frescura, vegetalidade, acidez e doçura. Acredito que cada um dos elementos não funcionariam individualmente, em conjunto proporcionam uma experiência muito agradável, tendo ainda a funcionalidade extra de despertar o palato para a parte final da refeição. A dedicação colocada nesta "pré" criação, pensada "apenas" para fazer a transição entre momentos, mostra  exigência com que ali se trabalha.  A Manga, coco, lima e malagueta, com daquoise de côco, manga em picle, manga fresca, véu de yuzo, sorvete de manga, lima caviar, mousse e nuvem de côco; é um prato que evoca a alegria e as cores da primavera, materializado numa espécie de tarde de coco gourmet elevada pelas diferentes texturas e enorme acidez. O Secret Spot Late Harvest Petit Manseng 2018 acrescentou a todos estes predicados, damasco confitado, intensidade e uma vincada frescura. 

DOPPor último, Chocolate de S. Tomé, banana e fava tonkaparfait de banana com praliné, sorvete de banana, chip de banana desidratada, mousse de chocolate com fava tonka e bolo de cerveja preta. Ligeiramente/deliciosamente salgado, demonstrou-se camaleónico na prova pois a cada momento iam surgindo diversos sabores, contrastes, intensidades, harmonias e texturas. Uma sobremesa consistente (;)) e que merece ser degustada com tempo e com os frutos secos, caramelo, amargura, sumptuosidade e excelente acidez do Blandy's 10 anos Bual

DOPEste foi um menu que foi de encontro aquilo que vos disse no inicio acerca da consistência do Chef Rui Paula. Um Chef que sabe usar a experiência naquilo que ela garante, mas também se sabe libertar dela, naquilo que ela prende. É um autentico artista dos sabores, das texturas, dos aromas e das temperaturas, que procura criar propostas com base no cânone gastronómico português mas sempre com uma boa dose de ousadia, irreverencia e  sentido estético. Mas mais importante que essas mais-valias é o facto de ter conseguido transmitir tudo isso à sua equipa, fazendo com que a consistência da excelência parta de dentro para fora, quer o mestre esteja no restaurante, quer esteja a pintar obras de arte comestíveis noutro sitio qualquer. A certeza é só uma: ali ninguém vai deixar arranhões no nariz da estátua... ;)

 

Roadtrip Costa Vicentina (III) | O sorriso que nostalgicamente ofereceres

"Todos nós temos as nossas máquinas do tempo. Algumas levam-nos para trás, são chamadas de memórias. As outras levam-nos para a frente, são chamadas de sonhos." Jeremy Irons

Roadtrip Costa VicentinaVocês acreditam em viagens no tempo? Pois bem, no final deste texto vão perceber que essa possibilidade fantasiosa é na verdade uma realidade cientifica. Sempre que nos lembramos de algo do passado ou imaginamos o nosso futuro, a nossa mente entra numa viagem no tempo. Mas vamos por partes, alguns cientistas da Universidade de Cambridge (EUA) começaram por descobrir que, quer viajemos mentalmente para o passado, quer o façamos para o futuro, activamos sempre as mesmas regiões do cérebro.

Roadtrip Costa VicentinaUma dessas regiões é o hipocampo, uma estrutura cerebral muito conhecida pelo seu papel na construção de memórias a longo prazo. Danos no hipocampo causam-nos problemas de memória, mas também prejudicam a nossa capacidade de imaginar experiências futuras. Essa conexão cerebral no hipocampo entre o passado e o futuro, sugere que a memória, o planeamento e a tomada de decisões futuras podem estar profundamente entrelaçadas.

Roadtrip Costa VicentinaComo é óbvio, a capacidade de formar memórias permite-nos reavivar o passado, mas o que a ciência dos dias de hoje nos diz é que, muito provavelmente, a nossa capacidade para criar memórias tenha evoluído de tal forma que condiciona o modo como pensamos e planeamos o futuro. Um pequeno quebra-cabeças vai tornar esse condicionamento mental um pouco mais evidente.

Roadtrip Costa VicentinaTentem encontrar uma maneira para bater com uma raquete numa bola de pingue-pongue, de modo a que a bola percorra uma certa distância, inverta o sentido, e regresse para vocês. Neste vosso exercício não podem fazer com que a bola adquira uma trajectória curvilínea, nem que embata em algo durante todo o percurso (tirando, é claro, a pancada inicial).  Se nunca tiverem jogado, ou visto jogar, pingue-pongue têm maior probabilidade de encontrar a resposta certa do que aqueles que já o fizeram.

Roadtrip Costa VicentinaA solução para este enigma é bastante simples (tentem encontrá-la antes de a verem no final da publicação), no entanto, as vossas memórias estão a condicionar a vossa capacidade de imaginar o que poderá acontecer no futuro. A parte mais interessante de tudo isto é o porquê deste bloqueio mental ocorrer. Alguns especialistas argumentam que as pessoas têm dificuldade em resolver este enigma porque os cenários que podem imaginar estão limitados pelas experiências passadas, pois acostumaram-se a ver as bolas de pingue-pongue a moverem-se na horizontal/curvilineamente.

Roadtrip Costa VicentinaQuando imaginamos a bola na nossa mente, é difícil concebe-la movendo-se na vertical porque as nossas memórias principais não estão associadas a esse tipo de movimento. Na nossa mente, passado e futuro são um casal que vivem em união de facto numa casa que se chama presente. Os cientistas de Cambridge para evidenciarem esta relação entre passado, presente e futuro, fizeram várias experiências, concluindo, quer em humanos quer em ratos, que os seres vivos com danos no hipocampo (por exemplo com amnésia) têm muito mais dificuldades em criar cenários (por exemplo a imaginar-se numa praia com uma modelo da Victoria's Secret a servir-lhe um Porto Tónico :P) do que pessoas saudáveis. 

Roadtrip Costa VicentinaMesmo em pessoas saudáveis essa relação é bastante patente. Quando num grupo de pessoas sem patologias a nível do hipocampo era pedido para recordarem algo do passado (o primeiro beijo, a última vez que bebeu um Barca Velha ou o último aniversário, em segredo, da amante :P) e mais tarde imaginarem algo que nunca fizeram (uma viagem à ilha de Grande Caimão, a prova de um Domaine de la Romanee-Conti Grand Cru 1945 ou um date com a "voluptuosa" Nicole Scherzinger), foi verificado que as descrições desses eventos, passados e futuros, incluíam um número semelhante de detalhes. 

Roadtrip Costa VicentinaPara além disso, o pensar sobre esses dois eventos activou também uma rede semelhante de regiões do cérebro, especialmente no hipocampo. Essas descobertas sugerem que o hipocampo trabalha com outras áreas do cérebro tanto para nos deixar lembrar o passado quanto para nos permitir imaginar o futuro.

Roadtrip Costa VicentinaEsses estudos mostram-nos que as nossas memórias de eventos passados desempenham um papel importante quando pensamos sobre o futuro e tomamos decisões. Talvez tenhamos evoluído para ter memórias não apenas para nos debruçarmos sobre o passado, mas também para que possamos prever (ou no mínimo fazer concepções sobre) o futuro, de modo a tomarmos decisões mais ponderadas/acertadas/assertivas no presente.

Roadtrip Costa Vicentina

Assim, quando chegamos a um entroncamento existencial, seja por termos de decidir qual vinho abrir ou a que peça de teatro assistir, podemos imaginar cada uma das escolhas, e essa simulação mental pode-nos ajudar a avaliar como nos sentiríamos "vestindo o futuro" com cada uma das possibilidades que temos no presente, usando como "batota mental" aquilo que vivemos no passado.   

Roadtrip Costa VicentinaJá Winston Churchill, o antigo primeiro-ministro do Reino Unido parecia ser conhecedor desta informação privilegiada, décadas antes de ser cientificamente publicada: a de que as memórias coletivas ditam as experiências futuras de um povo, afirmando que uma nação que esquece seu passado não tem futuro. Esta bonita relação entre passado, presente e futuro é especialmente sui generis quando gostamos de viajar. Outros investigadores (prometo que é a última vez que falo em ciência hoje), desta vez chineses, constataram, no ano passado, que memórias de viagens felizes no passado nos fazem querer voltar a viajar no futuro, "drogando" o nosso cérebro com  neurotransmissores potenciadores de nostalgia...

Roadtrip Costa VicentinaA publicação de hoje tem tudo a ver com aquilo que vos falei nesta introdução, pois esses neurotransmissores têm estado bastante activos desde os acontecimentos que hoje vos narro.  Falo-vos da terceira (e última) parte da nossa crónica relativa à Roadtrip na Costa Vicentina. Tínhamos ficado na Praia da luz (Lagos), no Baía Da Luz Resort, já vos tínhamos falado do hotel, faltava-nos dizer alguma coisa sobre o seu restaurante.Roadtrip Costa VicentinaA Bia tinha ficado encarregue de escolher o local para jantar nessa noite, e depois de andarmos "uma semana a peixe e marisco", a pequena queria massa, pizza ou risotto. Onde é que encontramos tudo isto? Num italiano é claro. ;) O Alloro é especialista em cozinha italiana e tem um ambiente eclético, mas informal, e com um serviço bastante simpático.

Costa VicentinaEstá encostado à piscina principal do Baía Da Luz Resort e por isso goza de vista privilegiada. O jantar iniciou através de um Antipasto Misto com presunto, salame Napoli, legumes grelhados, alcachofras marinadas, tomates assados, mozzarella fresca, pesto e ciabatta grelhada, que nos remeteu logo para aquilo que de melhor a dieta mediterrânea tem para oferecer. 

Roadtrip Costa VicentinaAs Gamberoni Fritti, gambas salteadas com alho, malaguetas, limão e salsa, cheias de sabor e ligeiramente picantes serviram de prequela para os pratos principais. Pasta recheada de espinafres e ricota, servida com molho de tomate e rúcula (com massa do dia e ingredientes da máxima qualidade); Risotto com cogumelos selvagens salteados e parmesão (al dente e muito rico) e Pizza Margherita, a favorita da Bia e com uma massa deliciosa.

Roadtrip Costa VicentinaNas sobremesas Tiramisu, a minha favorita, com mascarpone fresco embebido em licor e café, carregada de delicadeza e generosidade ornanoléptica; e a esteticamente apelativa Torta de chocolate, com bolo de chocolate quente, molho de chocolate e gelado de baunilha. Esta última provocava um jogo de contrastes saborosíssimo. 

Roadtrip Costa VicentinaEm todas estas criações, gostei especialmente de verificar que as especiarias, as ervas e os condimentos não mascararam a mestria dos sabores genuinamente mediterrâneos que a cozinha italiana transporta (ou deve transportar) consigo. Não é a mesma coisa de nos sentarmos à mesa do La Notizia de Nálopes do grande Chef Enzo Coccia, mas remeteu-me para lá, e este é o melhor elogio que posso tecer ao restaurante  Alloro.

Roadtrip Costa VicentinaContinuamos em direcção a Oeste e encontramos a povoação do Burgau a 10 minutos da praia da Luz, muito conhecida pela sua praia. Está situada no limite poente do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. O areal estende-se ao longo de uma pequena enseada que funciona como porto piscatório e onde ainda se praticam formas artesanais de pesca, sendo utilizadas artes como o alcatruz, a rede de amalhar ou o aparelho de anzol.  

Roadtrip Costa VicentinaPara lá chegar é necessário descer a localidade para encontrar uma rampa que vai dar à praia e ao porto piscatório, onde ainda estão os famosos e coloridos barcos tradicionais. Com sorte é possível observar o regresso de alguns desses barcos à praia carregados de peixe, que mais tarde podem ser saboreados nos restaurantes do Burgau. A disposição das arribas conjugada com a orientação do areal faz com que a praia do Burgau esteja protegida dos ventos e das intempéries, proporcionando banhos super tranquilos.

Roadtrip Costa VicentinaA outros dez minutos chegamos ao hotel com a melhor vista (e sejamos justos uma habitação com 3 pisos ajuda a aumentar ainda mais esta percepção ;)): o NAU Salema Beach Village.  A 500 metros da Praia da Salema, este hotel ostenta uma localização fantástica na vila piscatória de Salema. A vila permanece ainda genuína e longe do turismo massificado do litoral algarvio, com as suas tradições ligadas ao mar, ruas estreitas e casas caiadas de branco.  A grande mais valia do NAU Salema Beach Village é a de nos permitir desfrutar, pitorescamente, de um Algarve secreto, com o conforto e a hospitalidade que o grupo NAU já nos habituou.

Roadtrip Costa VicentinaLá, a privacidade e a vista mar imperam, numa paisagem que ilustra o postal de férias perfeito com o azul do mar contrastando com os tons brancos das villas. Depois de uma curta viagem de carro, 15 km, chegamos a Sagres. Conhecida pelas suas fortalezas protegidas pelo vento, espalhadas ao longo das suas falésias esculpidas pelo mar, Sagres transmite-nos sensação única de ponta do mundo que nos faz viajar para o passado e para antigas façanhas marítimas de Portugal.

Roadtrip Costa VicentinaNessa primeira metade do séc. XV a presença do Infante D. Henrique por aquelas paragens era frequente. Foi ali que foram abraçadas as primeiras milhas da nossa imponente navegação atlântica e da descoberta da costa africana até ao Golfo da Guiné, facto que associou para sempre este simples (mas bonito) porto de pesca aos Descobrimentos lusitanos. Na Ponta de Sagres, um gigantesco dedo de pedra apontando para o Oceano, algumas edificações evocam ainda este passado glorioso que faz parte da história do mundo, lembrando a vila do Infante que imortalizou a terra.

Roadtrip Costa VicentinaMudando a direcção para Norte, começamos a subir por algumas praias escarpadas, quase desertas e com uma deliciosa brisa carregada de zimbro e esteva (Praia do Telheiro, Praia da Ponte Ruiva e Praia do Castelejo). Em Vila do Bispo visitamos a Igreja Matriz do século XVI, algumas ruas antigas da cidade velha, o Jardim da Fonte e o Menir do Padrão (este último deu um pouco de trabalho até ser encontrado ;)) Abandonamos então a lindíssima N268 e apanhamos a N120 que nos levaria ao mosaico metafórico que é Aljezur, pintando em tons azuis de mar, verdes dos campos e acinzentados da colinas.

Roadtrip Costa VicentinaNa cidade há ainda para visitar o castelo de Aljezur, além de museus e inúmeras igrejas. Seguiram-se mais algumas praias em estado selvagem (Amoreira, Carreagem, Vale dos Homens, Samouqueira) muito tranquilas e delimitadas por imponentes arribas de xisto, até chegarmos  ao Restaurante A Azenha do Mar da Carla Dâmaso. Tem a fama de ser o restaurante conhecido da costa Alentejana. 

Roadtrip Costa VicentinaQuando entramos pela sua  gastronomia a dentro, percebemos o porquê. Peixe e marisco da máxima qualidade, super frescos e saborosos. São confeccionados de modo exímio e que lhes preserva todo o mar de onde vieram.  Aconselhamos a salada de polvoos percebes (provavelmente os melhores de toda a viagem), o mexilhão com molho de cebolada, as ovas de choco, a feijoada de marisco e o arroz de marisco. O peixe fresco chegado diariamente do porto de pesca local é uma escolha segura (o nosso robalo estava divinal!!!).

Roadtrip Costa VicentinaÉ um restaurante para ir com tempo, curiosidade e com o objectivo de aproveitar o presente. Retomamos a N120, passamos por S. Teotónio, Odemira, Vila Nova de Mil Fontes, Sines, Santiago Cacém, Grândola e Comporta. Nesta parte do percurso aconselhámos a reservarem 3 dias para irem desfrutando dos diversos pontos turísticos que surgem no caminho.  

Roadtrip Costa VicentinaA vista mar a partir do Largo da Capela de Nossa Senhora e o porto de entrada da Barca em S. Teotónio; o farol do Cabo Sardão e o jardim ribeirinho do Mira em Odemira; o Forte de São Clemente e a  Praia de Almograve em Vila Nova de Mil Fontes; a antiga vila de pescadores, o castelo medieval e o museu arqueológico de Sines; o castelo e as fascinantes ruínas romanas de Miróbriga em Santiago do Cacém; e o Museu do Mineiro e a Barragem do Pego da Moura em Grândola.

Roadtrip Costa VicentinaA Comporta é a nossa Côte d'Azur, mas em bom!!! :P  Areias douradas, águas azul-turquesa, um horizonte verdejante das florestas de pinheiros e um estado quase virginal da natureza muito sedutor.  Na própria aldeia da Comporta, caiada de branco, tudo parece parado no tempo, e até as cegonhas parecem preguiçosas, ao construírem, demoradamente, os ninhos em cima das chaminés. O banco, a igreja, a padaria, os escritórios, as fábricas e as casas dos trabalhadores mantêm seu carácter rústico e descontraído, que combina de modo harmonioso com construções mais contemporâneas. Não conhecia mas apaixonei-me pela "descontracção com classe" daquele local.

Roadtrip Costa VicentinaA meia hora de carro encontramos a Serenada. Localizada no coração da Serra de Grândola, este enoturismo possui quatro quartos duplos e quatro suites, no meio de uma paisagem que se estende entre serra e o oceano Atlântico. Para além dos vinhos, é a ampla natureza envolvente que torna este local único. 

Roadtrip Costa VicentinaA atmosfera geral é serena e aconchegante. O silêncio está sempre presente, e a natureza ultrapassa e inspira os hóspedes com sua beleza e tranquilidade. É algo que nasce das árvores, dos cantos dos pássaros, das uvas das videiras, do verde sem fim. Não se compra nem empresta, simplesmente vive-se e partilha-se. Passamos lá uma tarde e ficamos para jantar (ficando prometida, para mais tarde, uma visita mais demorada). 

Roadtrip Costa VicentinaNo restaurante é diariamente confeccionado um menu único (entrada, prato principal, sobremesa, água e café), com base na gastronomia local, que poderá ser desfrutado na sala comum ou no terraço exterior, havendo ainda a possibilidade das iguarias serem acompanhadas pelos melhores vinhos da herdade. Aconselhamos a provarem o monocasta Touriga Nacional, para se deixarem conquistar pelas deliciosas notas balsâmicas, frutos secos, frutos do bosque, compota de ameixa, pimenta preta e alcaçuz. É um vinho muito complexo e super elegante.

Roadtrip Costa VicentinaPara último a maior surpresa da viagem, surpresa essa que lhe garantiu o titulo de hotel rural do ano: o Hotel da Barrosinha. Está estrategicamente situado numa das áreas mais bonitas de Alcácer do Sal e inserida na Herdade com mais de 2000 hectares, ladeada pelo Rio Sado.  Do enquadramento com as vinhas e com a natureza que as embalam, nasce um mundo de modernidade, classe e requinte. Entre paredes, a contemporaneidade cruza-se, de forma singular, com as tradições ancestrais e com a ruralidade tipicamente alentejana.  

Roadtrip Costa VicentinaEssa inspiração rural está bem patente nas originais peças de tapeçarias, nos instrumentos agrícolas, nos mármores alentejanos e nos instrumentos da lavoura, que partilham o espaço com objectos de decoração mais modernos (mobiliário, candeeiros e obras de artes), transmitindo uma almofada de conforto muito agradável.  É o lugar ideal para relaxar, usufruir da fantástica gastronomia local, desfrutar da natureza, provar os vinhos da casa, fazer uma caminhada ou refrescar-se com um mergulho na piscina com vista para toda esta ruralidade moderna. Conta com 37 quartos (entre os quais, duas suites) que nos brindam com todos os mimos e classe que um espaço como este exige.

Roadtrip Costa VicentinaO restaurante bebe inspiração na gastronomia alentejana, recorrendo aos produtos produzidos na herdade em regime biológico quer nas áreas agrícolas, na vinha, no olival ou na produção animal. Falamos do mel, dos ovos, do arroz, do azeite e dos diversos produtos hortícolas. Destacamos o Torricado de sardinha assada e escabeche de pimentos; o Filete de Peixe-Galo com açorda de tomate gambas e hortelã pimenta; a Perna de pato confitado com batata doce assada e molho de laranja; e o Bife de vaca com creme de alho assado, jus de novilho e chips de batata doce. Nas sobremesas e para acompanhar o belo Moscatel da Barrosinha aTorta de laranja da Ti Julia uma delicia!!!); e a Delicia de noz e Moscatel da Barrosinha.

Roadtrip Costa VicentinaHá ainda a Taberna da Barrosinha. Um espaço marcante da etnografia da aldeia da Barrosinha e que foi recentemente recuperado, tendo-se mantido a sua traça original mas introduzindo valências que lhe permitem acolher, com total conforto, o mais variado tipo de comensais. Lá é servida comida de conforto, generosa, genuína e com muito sabor. Na Barrosinha existem ainda outras actividades como as provas de vinho, escapadinhas românticas, vindimas, passeios no Sado e percursos pela Herdade. Este é um daqueles sítios especiais que merece levar o selo de "Altamente Recomendado" pelo blogue ;)

Roadtrip Costa VicentinaAbílio Guerra Junqueiro, político, jornalista e poeta (pus por ordem crescente de importância ;)) da segunda metade do século XIX, senhor de uma poesia positivista sobre relações sociais, defendia que "o sorriso que ofereceres, a ti voltará outra vez", não há muitos sorrisos como o da imagem de acima, faria de novo os 1150 km desta viagem para o rever naquele contexto, apenas para dar trabalho ao meu hipocampo. :P

Todos nós temos as nossas máquinas do tempo. Algumas levam-nos para trás, são chamadas de memórias. As outras levam-nos para a frente, são chamadas de sonhos, que tenhamos sempre muitos sonhos impulsionados por belas recordações como estas, que nos fazem ter saudades do futuro, numa nova estrada, num novo vinho, num novo lago, num novo restaurante, numa nova praia, numa nova serra, num novo hotel, num novo cruzamento, numa nova aventura ... num novo sorriso. 

 

Solução para o enigma: basta bater na bola verticalmente para cima, a bola subirá, mas depois pela acção da gravidade inverterá o sentido e cairá. 

Vinhos Herdade Grande | No final ... sobrevivem os dois

"Nem tudo o que é ouro é luz!!!" Fernando Pessoa

Herdade GrandeDefiniria um carácter do vinho como um "sentimento de pertença" ao local que lhe deu origem, e é uma das principais características que um enófilo procura/deve procurar num vinho. Mais do que aquilo que a palavra francesa terroir transmite, o carácter engloba tudo o que envolveu uma agricultura consciente, uma colheita precisa, uma fermentação cuidadosa e um estágio e/ou envelhecimento consciente. 

Herdade GrandeEstes vinhos opõem-se conceptualmente ao sumo de uva insípido, produzido em massa, quente e com excesso de carvalho que revestem as prateleiras dos nossos hipermercados (é claro que lá também podemos encontrar honrosas excepções). 

Herdade GrandeSe enquanto descobrimos os aromas, percebemos a cor, sentimos a frescura, avaliamos os taninos e preenchemos o palato com sabores complementares, distintos e auxiliares, relacionarmos tudo isso com o tal "sentimento de pertença" a um lugar, elevamos aquilo que bebemos, de uma "simples" bebida a uma musa organoléptica ... quase poética.

Herdade GrandeÉ por isso que um Alvarinho do Minho deve, forçosamente, ter um sabor diferente de um do Douro, do Dão ou do Alentejo. Esse carácter deveria ser quase como um "cartão de identidade" do vinho, uma mensagem, onde enólogo nos transmitia: "Este é o meu vinho, fi-lo com engenho, coração e carinho (hoje não paro de rimar, tenho de ver o que se passa com as minhas sinopses :P). "É único e muito especial, eu gosto, espero que gostem também."

Herdade GrandeCom um espírito mais engenhoso, generoso e fantasioso (tenho mesmo de entrar para os rimadores anónimos ;)), o "sentimento de pertença" que um vinho nos transmite é também uma óptima metáfora para a forma verdadeiramente encantadora com que um grande vinho nos leva a viajar pelos recônditos mais íntimos da nossa própria imaginação.

Herdade GrandeMas (e nas boas crónicas há sempre um mas) este carácter tem uma arqui-inimiga: a moda. Moda essa que já foi a Parkerização dos vinhos (muita madeira, muito álcool, muita extracção) e que agora parece ser a Jet-setificação  dos vinhos onde as palavras de ordem passaram a ser baixo teor alcoólico, pouca extracção e elegância (nem que para isso se tenha de colher demasiado cedo ou corrigir a acidez natural no vinho, levando, em alguns casos, à produção de vinhos completamente desequilibrados). 

Herdade GrandePor incrível que possa parecer, há produtores que conseguiram passar de uma moda a outra, em menos de dez anos, e com as mesmas vinhas, é obra... Porém, existem outros, como a Herdade Grande, cuja única "moda" que sempre seguiram foi a do carácter. Quanto à elegância? A singularidade de um bom terroir trata dela. É sobre os vinhos desta herdade que hoje vos vou falar, um deles enorme!!!

Herdade Grande

Começo pelo amarelo-citrino Herdade Grande Roupeiro Vinhas Velhas 2020 (17.00 €, 90 pts.) e os seus delicados aromas a flores silvestres, loureiro, pera, pêssego e alguma lima. Na boca é fino, fresco, pedregoso (pedra molhada), irreverente e harmonioso. Ainda nos brancos o Herdade Grande Grande Reserva Branco 2018 (18.50 €, 90 pts.), de porte citrino, exibe pitaya, toranja, limonete e tosta. No palato é elegante, complexo, equilibrado, longo e untuoso. Foi enorme a acompanhar o Camarão Tigre Gigante com noodles de ameijoa e creme de marisco.

Herdade GrandeGostei muito do Herdade Grande Sousão Tinto 2018 (17.00 €, 90 pts.). É rubi denso no copo e no nariz mostra violetas, grafite, mirtilos, bolacha de canela e uma tosta bem integrada. Na boca pede comida (acompanhou um Naco de maronesa, redução de vinho tinto, legumes ao vapor e frutos secos) e tem uma acidez acutilante, é rústico, complexo e muito longo. 

Herdade Grande

O Herdade Grande Grande Reserva Tinto 2018 (30.50 €, 93 pts.) de porte rubi grená, emana compota de frutos silvestres, mirtilos, cacau, violetas, baunilha, tosta e pimenta preta. No palato exibe taninos aguerridos, intensidade e uma acidez inquieta que lhe dá muita finesse (apesar da estrutura taninica muito elevada).  É daqueles que vai crescer, muito e bem, em garrafa. 

Herdade GrandePara último, dois vinhos de nicho, os Amphora. O Herdade Grande Amphora Branco 2019 (25.00 €, 91 pts.) é delicioso. Começa a seduzir logo no copo com o seu tom âmbar dourado cristalino (como diz Pessoa nem tudo o que é ouro é luz, por vezes parece ser vinho ;)) para mais tarde nos conquistar com as suas notas de fruta cristalizada (ananás e casca de tangerina), papaia, damasco, algum melaço, pinho e uma pedregosidade evidente. No palato tem uma estrutura crocante e é untuoso, rico, denso e equilibrado. 

Herdade Grande

O seu "parente tinto", o  Herdade Grande Amphora Tinto 2019 (25.00 €, 90 pts.), passeia-se com uma bonita cor rubi pouco intensa, soltando notas de frutos silvestres, uvas passas, cogumelos, caixa de tabaco, tosta e um subtil caril. Na boca é equilibrado, elegante, estruturado e tem um enorme carácter.
No final da prova, e em todos estes vinhos,  sobrevivem os dois ... carácter e elegância. ;)
O titulo da publicação é baseada no livro de Adam Silvera, No final morrem os dois, que esmiuça temas tão distintos como as redes sociais, a morte e a sexualidade. Quando o acabar, falo-vos sobre ele ... a propósito de algum vinho, de algum restaurante, de algum hotel ou "apenas porque sim"!!! :P