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No meu Palato

No meu Palato

Boeira Garden Porto Gaia, Curio Collection by Hilton | Quanto encanto nesse recanto

"Neste momento, isto ainda não é o fim. Nem sequer é o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo."  Winston Churchill

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonPlatão defendia que "a parte mais importante de um trabalho é o seu inicio". Assim é, não só no trabalho, mas também numa obra, num projecto, numa relação, num livro, numa família, na vida, e como no final vão perceber, também num hotel. Quase sempre, esse inicio vai condicionar o final, mas mais importante que isso, vai moldar o entretanto, e isso acrescenta algum encanto aquilo que costumamos chamar de destino.

1 (14).jpgPara reforçar esta ideia, vou falar-vos do filme «Encanto» da Disney. Por favor, não sejam preconceituosos, porque os filmes desta empresa já há muito tempo que deixaram de ser, "apenas" para as crianças.  Caso ainda não tenham visto o filme, podem continuar a ler, pois não há spoilers importantes. :P

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonEste «Encanto» não ocorre num ano específico, no entanto percebemos que o cenário deve pertencer ao início do século XX. A história começa com os avós de Mirabel Madrigal, a protagonista, a fugir de um conflito, durante o qual seu avô, Pedro (que nome bonito ;)), morre (isso já não é tão bonito...). O clã Madrigal é um pouco "fora da caixa"...

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonA corpulenta Luísa possui força sobre-humana, Isabela tem a habilidade de conseguir fazer as flores desabrocharem, António consegue falar com os animais, e Pepa é capaz de controlar o clima com seu humor. Os problemas começam a surgir quando Mirabel se apercebe que não foi abençoada com nenhum tipo de dom.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonEsta menina adorável parece surgir em contrassenso com outras heroínas da Disney, como Moana, Rapunzel ou a Elsa de Frozen, pois é ... normal. Quando a milagre (uma vela encantada nascida do amor da Avó Alma e do avô Pedro e que metamoforiza o dom mágico dos Madrigais) começa a escurecer (e com ela, desaparecem os poderes de todos), começam também a surgir rachaduras na casa da família: a formosa e colorida casita.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonÉ a pequena Mirabel, sem poderes especiais, quem tem de descobrir como manter a chama acesa. Assim, «Encanto» não é tanto um conto de fadas, mas uma saga familiar com uma pitada de realismo mágico. É uma epopeia musical sobre amor incondicional, sobre o entender do valor próprio e sobre o fardo de viver de acordo com as expectativas de alguém. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonDesenrolando-se algures nas montanhas da Colômbia, este musical brilhante toca muitos assuntos sensíveis, como a rivalidade entre irmãos e a capacidade curativa da normalidade. O que é interessante (e confesso inesperado) é a abordagem subtil do trauma e deslocamento geracional decorrente da evolução cultural das relações humanas.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonAprendemos que nem tudo o que funcionou bem no passado, nos garante um futuro auspicioso. O filme tem ainda como mais-valia uma banda sonora espectacular, composta por originais de Lin-Manuel Miranda. A salsa "We Don’t Talk About Bruno" é viciante (sobretudo se ouvida na versão original, passeando uma harmonia fonética incrível)!!! 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonA "histeria" prolongada e globalizada, em torno de «Encanto», no entanto, parece ser sustentada no seu afastamento do tradicional sentimentalismo em direcção a uma celebração da cura comum e orientada para e pela comunidade, que nos oferece inúmeras/valiosas lições.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonQue não somos definidos pelas nossas habilidades ou poderes, que não devemos carregar todos os problemas apenas nas nossas costas, que precisamos mesmo de falar do "Bruno" (sobre as pessoas, doentes ou não, que veem as coisas de maneira diferente ou que se comportam de maneira diferente), que o nosso maior poder é a capacidade de comunicar, que os nossos traumas não são apenas nossos, e que algumas coisas necessitam mesmo de ser quebradas para que possam realmente ser concertadas definitivamente. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonNa minha opinião, o final revela o dom de Mirabel, o de conseguir manter os poderes dos seus familiares vivos, ajudando-os a florescer. Quando ela ajuda Isabela a aceitar-se, as rachaduras na casita começam a fechar e a sua irmã descobre novas habilidades. Pelo contrário, quando Mirabel e Abuela discutem devido a problemas familiares, o milagre diminui, e as rachaduras na casita, que simbolizam as rachaduras na família Madrigal, arruínam a casa e o milagre está perdido.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonÉ somente quando toda a família se reconcilia no local onde Abuela recebeu o milagre pela primeira vez, que a magia pode ganhar vida novamente. Na versão em Inglês os autores parecem querer empurrar-nos para esta conclusão, pois, "Mirabel" sugere "miracle" e "Madrigal" remete para "magical". Mas isto, podem ser apenas teorias... :P

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonAssim, e de forma resumida, o poder de Mirabel é a aglutinação, do amor, do apoio e da união, pela família e pela comunidade. E essa comunidade dá-nos também uma lição de como superarmos os problemas: em equipa. Após décadas a ser ajudada pelos Madrigal, a cidade retribui, na altura em que esta família mais precisa. Desta forma, percebemos que a magia mais abnegada está nos relacionamentos pessoais: um grupo unido pode mover montanhas aparentemente intransponíveis.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonEste filme metamoforiza bem aquilo que eu disse no inicio: a importância do começar bem e de que esse começo nos faça perceber a beleza do que estamos a conhecer.  Por meio de uma narração muito fluida e de um espectáculo cinematográfico impressionante, aprendemos como uma vela mágica é capaz de gerar um milagre que traz dons sobrenaturais para a família e o que isso significa para eles, para a comunidade e para a sua casita.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by Hilton: JantarPercebemos isso no inicio, rapidamente, como se sempre o soubéssemos. Isso é o que os bons contadores de histórias fazem: embeber-nos numa narrativa, como se fizéssemos parte dela. Um inicio assim, cria também expectativas para as personagens e faz-nos, de certo modo, prever o futuro. Um bom começo torna o resto mais fácil, estabelece uma base sobre a qual construir. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by Hilton: JantarNão é apenas nas introduções da Disney ou no estabelecimento das dinâmicas familiares da família Madrigal que o começo é importante. Uma boa educação básica ajuda-nos na nossa vida académica. Bons alicerces são essenciais para uma casa estável. O modo como começamos um refugado dita muito daquilo que será o nosso guisado.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by Hilton: JantarEsta relação entre o que se é no inicio e aquilo que se quer ser no futuro, é particularmente sensível, como vos disse no inicio, no caso da hotelaria. Há que encontrar uma necessidade, um cliente alvo, um espaço, uma filosofia, uma identidade ... que a concorrência não tenha já. Tudo logo no inicio, comunicado ao cliente, como se sempre tivesse existido.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonHoje fala-vos de um caso, em que o inicio me faz antever um futuro auspicioso: o Boeira Garden Porto Gaia Hotel, Curio Collection by Hilton. Perto do Porto histórico, este hotel está a menos de dois quilómetros do bairro da Ribeira e a 15 minutos a pé das caves do vinho do Porto em Gaia. Oferece jardins históricos e exuberantes para eventos ao ar livre ou para um simples passeio, suites espaçosas e um relaxante SPA (com piscina interior, banhos termais, sauna, banho turco, centro de fitness, banhos Vichy e sessões de meditação). 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by Hilton: JantarPelo Boeira é ainda possível desfrutar da bela piscina exterior, visitar as caves de vinho do Porto Boeira (do inicio do século XX, já falamos delas) e para êxtase da pequenada há também uma sala de jogos e dois parques infantis externos. O restaurante do hotel, o Raízes, é elegante no design e acolhedor no ambiente, assumindo-se como o  local perfeito para quem procura saborear a verdadeira alma da comida portuguesa, mas com um toque contemporâneo que a eleva a outro patamar.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonTodas as propostas que experimentamos estavam confeccionadas no ponto, bem apresentadas e superiormente harmonizadas, no entanto, tenho que fazer alguns destaques que me deixaram de palato caído.  Começo pelo Atum, cogumelos shitake, bróculos baby, cenoura, ervilha de quebrar e chimichurri

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonO peixe era tão carnudo, amanteigado e fresco que na verdade não precisava de grande tempero. Todavia, essa dose extra de sabor engrandecida pelos vegetais, deu-lhe mais camadas de texturas e gostos, fazendo com que cada garfada provocasse pequenas explosões de sabor na nossa boca. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonO Salmonete com brocolini e ameijoa é nível Michelin.  O salmonete estava delicioso, muito suculento e levemente braseado por fora. O nível de sal e intensidade do molho de marisco foi pensado ao pormenor para elevar todo o prato, a apresentação era simples mas inovadora (adorei a cama de ameijoa), sempre com uma boa dose de surpresa nos sabores. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonAli vivem as mais puras recordações do mar que nos fez crescer como país. Fez-me fechar os olhos, sorrir com o palato e abrir novos horizontes. É uma criação que vale por si só a visita ao restaurante O terceiro destaque vai para uma sobremesa: Chocolate e triflé de café. Com diversas texturas e intensidades de café,  demonstrou-se camaleónico na prova, pois a cada momento iam surgindo diversos sabores, contrastes, intensidades e harmonias.  

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonPara harmonizar esta bela sobremesa, o Timóteo Mendes (director F&B do hotel), após conversamos sobre algumas aventuras que ambos tivemos por Itália, sugeriu um Italicus Rosolio di Bergamotto que acrescentou bergamota, cedro e lavanda ao prato, e que equilibrou a doçura do chocolate com uma amargura crocante. Tão eficaz quanto surpreendente... ;)

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonPara refeições mais ligeiras (os hambúrgueres são excelentes, para quem como eu gosta de sabores picantes, o vegetariano é o indicado), acompanhadas por algumas das melhores referências de vinhos portugueses, o hotel oferece o elegante Bar1850, num ambiente descontraído, relaxado e informal, mas sem perder a classe.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonAos fins de semana e feriados, o inventivo Chef Bruno Drumonde,  prepara ainda um delicioso brunch que inicia com uma selecção de pão e pastelaria e inclui ainda os clássicos de pequeno-almoço como os ovos Benedict (dos melhores do país!!!), Florentine ou Royal, french toast e panquecas. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonPara complementar a refeição, são ainda servidos diversos pratos principais que variam todas as semanas. Aconselho-vos, antes dos principais, a passarem pela zona das saladas, provavelmente, como aconteceu comigo, não saem de lá... :P  O brunch pode ser acompanhado por um suplemento vínico que inclui três vinhos (espumante, branco e tinto).

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonComo já vos tinha dito anteriormente, outra das mais valias do hotel é a de incluir uma cave de vinho do Porto da Boeira. Os hóspedes do hotel são convidados a visitar este espaço, sendo-lhes oferecido um voucher que lhes permite conhecer a cave (se tiverem sorte através da amicíssima Raquel Ricardo) e provar alguns vinhos. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonFora desta "prova grátis", aconselho-vos a experimentar as tâmeras, alperce, nozes e equilíbrio do Quinta da Boeira 20 Anos Branco; e a amêndoa, a avelã, o mel, o café e a exuberância do Quinta da Boeira 30 Anos. Se se quiseram apaixonar, como eu me apaixonei, peçam o Quinta da Boeira Very Old Tawny Port. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonUm vinho com mais de um século e carregado de noz-moscada, cacau, figos, rebuçado de café, maçapão e charuto. No palato é complexo, rico, equilibrado, elegante, persistente e exuberante.  Mas deixemos para trás estes deliciosos vinhos, e regressemos ao hotel...

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonO Boeira Garden Porto Gaia, Curio Collection by Hilton tem aquela dose de charme dos hotéis históricos da cidade do Porto, misturado com as sensibilidades mais modernas, uma decoração reconfortante e um design minimalista.  Essa elegância misturada com as linhas retas da arquitetura, com o ferro e com o cimento, acrescenta-lhe alguma arrogância, quase a roçar a austeridade, e isso dá-lhe um carácter único, quase encantado, um agri-doce arquitetónico. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonPor todo o hotel está tudo muito bem cuidado, desde o jardim até à piscina, passando pelo lago onde é possível alimentar alguns patos. O ambiente tranquilo, sereno e relaxado, conjugado com as ofertas de lazer bastante diversificadas e ecléticas, faz-nos, por vezes, esquecer que este pequeno recanto em forma de oásis citadino, quase uma casita, está a apenas 15 minutos a pé do ambiente mais acelerado do Porto. 

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonNa minha opinião é este o seu nicho, a sua identidade e aquilo que o vai tornar um dos hotéis mais concorridos da região, vai uma aposta? ;) Como tudo na vida, também esta minha visita ao Boeira Garden Porto Gaia, Curio Collection by Hilton, teve o inicio, quando falei com o André Castro, manager comercial do hotel. Simpatizei imediatamente com ele e com a filosofia que queria ver implementada por aqueles lados.

Boeira Garden Hotel Porto Gaia, Curio Collection by HiltonEsse inicio conduziu a outro inicio, de uma troca de impressões com Timóteo Mendes (como pais lá acabamos por falar da Disney e do filme Encanto), que me informou da visão que tem para o hotel, de criar um autêntico refúgio, de conforto, de sofisticação e de elegância, no coração de Gaia, para os clientes mas também abertas para a comunidade. Algumas das suas ideias são bastante arrojadas e muito fora da caixa (até no modo como engloba todo o staff numa bolha comunitária de exigência, excelência e amizade), são elas que não deixarão aparecer rachas na "sua" casita. ;)

Notas de prova Quinta de Monforte | O carácter de uma dicotomia

"Nunca se refugiem na falsa e enganadora segurança do consenso." Christopher HitchensQuinta de Monforte A originalidade do lugar define o projecto. Oriundos de vinhas em terraços de muros de granito, uma particularidade pouco comum nos Vinhos Verdes, os novos vinhos da Quinta de Monforte são versáteis, leves, suaves e, ao mesmo tempo, complexos e estruturados. Nesta dicotomia, percebemos que a modernidade dos Vinhos Verdes passa, também, por Penafiel.

Quinta de Monforte Integrada numa encosta com vista para a cidade de Penafiel, a Quinta de Monforte tem o encanto típico dos solares da região de Vinhos Verdes e ainda uma modernidade discreta. O mesmo acontece com os vinhos ali produzidos: aromáticos, leves e frescos, mas igualmente vinhos minerais e estruturados, na linha dos vinhos mais complexos que a região tem vindo, felizmente, a valorizar.

Quinta de Monforte A movimentação de solos permitiu a reorientação solar das parcelas e a melhoria da estrutura do solo. A par, foi construído um sistema de drenagem em toda a quinta e preservadas zonas de floresta (a área total da Quinta de Monforte tem de cerca de 100 hectares) que favorecem a manutenção de habitats muito diversificados.

Quinta de Monforte A escolha das castas a plantar recaiu maioritariamente nas típicas da região e do Vale do Sousa: Padeiro de Basto, Vinhão, Loureiro, Azal, Alvarinho e Fernão Pires, sendo que as diferentes parcelas de vinha foram plantadas numa cota entre os 300 e 400 metros de altitude. 

Quinta de Monforte O legado histórico do berço destes vinhos é imenso, a actual Quinta de Monforte tem registo documentado de 1683, ano de construção da capela que um dos bispos da família, D. António de S. Dionísio, ali mandou edificar. Ao longo dos séculos, a quinta, então denominada Quinta da Naia, foi mudando de propriedade, tendo pertencido a algumas famílias ilustres de Portugal.

Quinta de Monforte Passando aos vinhos, o amarelo-cristalino Quinta de Monforte Loureiro 2020 (8.90 €, 85 pts.) é resultante de uma prensagem das uvas com engaço e aperto suave, de modo a preservar alguns taninos que ajudam a uma evolução harmoniosa. Tem o tradicional exagero aromático da casta controlado,  exibindo aromas a tília, flor de limoeiro, limonete, pedregosidade (granito molhado), algum damasco e uma pitada de noz-moscada. Na boca é muito seco, fresco e bastante gastronómico. 

Quinta de Monforte Por sua vez, o Quinta de Monforte Escolha branco 2020 (6.80 €, 82 pts.) é produzido a partir de uvas próprias, maioritariamente da casta Loureiro, mas também de Alvarinho (cerca de 20%). A vinificação é feita com engaço no momento da prensagem das uvas e a data de vindima foi criteriosamente decidida, de modo a manter o teor alcoólico na linha dos brancos da região (12,5 %). De cor amarela-palha clara, este vinho emana limonete, lima, manga e ananás. No palato é directo, expressivo e muito fresco. O final ligeiramente pétillant dá-lhe um certa jovialidade que até lhe assenta bem. 

Quinta de Monforte Já o Quinta de Monforte rosé 2020 (13.00 €, 90 pts.) foi produzido a partir de uvas da casta Vinhão, colhidas precocemente, logo no início da vindima e que seguiram para a prensa (com engaço incluído) com intervenção mínima e sem aperto. Deste modo, obteve-se a partir do tradicional retinto da casta Vinhão o rosado suave e sedutor que personaliza o vinho. No nariz mostra muita pedregosidade (pedra partida), flores secas e uma fruta muito escondida (mirtilos e groselha). No palato é elegante, seco, acutilante e guloso, revelando uma acidez inquieta e um equilíbrio impressionante. É um rosé que tem tudo para não ser consensual e isso dá-lhe carácter. Carácter esse que é transversal a todos os vinhos que provei. 

Restaurante 3 Pipos | Lá ainda existe lá

"Persistência é a irmã gémea da excelência. A primeira é a mãe da qualidade, a outra é a mãe do tempo." Marabel MorganRestaurante 3 PiposPara aqueles que ainda não sabem, Guimarães para além de ser o berço do nosso país, é também a minha cidade berço. Nasci no seu antigo hospital, mesmo ao lado do Castelo e passei a minha infância numa pequena vila vimaranense: Moreira de Cónegos. Com os 18 anos chegou a universidade e a minha mudança para Braga. Com o início da minha carreira como professor de Física e Química, aos 22 anos, regresso a Moreira de Cónegos, mas sem nunca deixar a investigação cientifica na Universidade do Minho. 

Restaurante 3 PiposCom 24 anos o meu lado cientista vai ganhando cada vez mais terreno ao meu lado docente, e regresso a Braga. Aos 27 deixo definitivamente de leccionar no secundário. No decorrer do doutoramento vou saltando entre Braga, Cambridge, Madrid e Bilbao. Aos 28 caso, termino o doutoramento e regresso a terras vimaranenses, desta vez para viver em Caldas das Taipas, local por onde me tenho mantido. Quero com isto dizer que a minha vida tem sido uma série de fases caracterizadas por sair ou regressar a Guimarães. 

Restaurante 3 PiposEm cada uma dessas diferentes fases da minha vida, fui ganhando o orgulho bairrista que caracteriza qualquer vimaranense. Por vezes, perco-me no horizonte da minha memória na busca do momento a partir do qual comecei a reconhecer e valorizar Guimarães, os lugares e pessoas associadas à cidade, como os meus, como o sitio de onde pertenço, como a minha casa. Costuma-se dizer por Guimarães que esse orgulho pela terra, pela nossa terra, nos é transmitida através do ADN, de pais para filhos. No meu caso até parece fazer sentido, visto que, já pertenço, no mínimo, à quinta geração que residiu em Guimarães.

Restaurante 3 PiposFoi com esta "mania" de achar que percebia de onde vem o sentimento de pertença a algum lugar (e que cinco gerações me davam esse direito) que comecei a ler o «Lá não existe lá» de Tommy Orange. Este é um romance poderoso, o primeiro deste jovem autor, mordaz, inquietante e inovador (foi eleito um dos melhores livros de 2018 pelo New York Times), que entrelaça um conjunto de vozes de índios norte-americanos numa narrativa polifónica sobre família, perda, identidade, poder e pertença. Nesse livro, a cidade berço é Oakland, na Califórnia.

Restaurante 3 PiposÉ quase como uma ambiciosa meditação realizada em conjunto, por 12 personagens, todos índios nativos americanos, sobre a identidade e suas alternativas forçosamente artificiais; sobre o mito daquilo que chamamos casa, filtrado pelas lentes do tempo e pelo caos da vida urbana; sobre a tradição ancestral do berço ainda mais premente devido à sua fragilidade; e que procura derrubar estereótipos sobre a literatura, sobre o pensamento e sobre as atitudes tomadas pelos nativos americanos nas cidades. Tommy Orange parece que nos faz querer conceber uma antiga e saudosa Oakland, como um locus de desejo, legado e sonhos, refazendo-a à semelhança das memórias desse conjunto fascinante de personagens.

Restaurante 3 PiposFiquei abismado com a enorme complexidade e diversidade das histórias, culturas e saberes das várias tribos que em conjunto compõem os "índios das planícies". Cheguei-me a emocionar com a prosa em torno do lugar, das memórias e das práticas primitivas que os fazem ser um povo, e também com a forma como os personagens do livro pensavam sobre o significado da perda, tanto da sua casa ancestral quanto dos locais que actualmente a representam. Foi incrivelmente humilhante perceber que, embora eu visse Guimarães como a minha casa ancestral depois da minha família ter por lá morado durante pouco mais de um século, as famílias de alguns índios das planícies mantiveram-se pelas suas terras por mais de ... 10.000 anos!!!

Restaurante 3 PiposEste livro teve o condão de me fazer deixar os índios de Oakland e a sua luta, para embarcar em assuntos mais existenciais, e me por a pensar sobre inquietação e ambiguidade, sobre o estar preso entre dois mundos: de viver uma vida desfigurada pela perda do que já se foi (e pela memória dessa perda), mas também na necessidade incessante de se fazer sentir parte de algo no presente e de modernizar a identidade ancestral. Esta mistura dissonante, quando colocada em lume brando, dá profundidade, sentido, actualidade e uma espécie de riqueza às memórias, fazendo com que a inovação seja um eco ressonante da tradição. 

Restaurante 3 PiposO título do livro vem de uma das suas passagens, em que um dos personagens nos revela: “descobri que ela estava a falar sobre como o lugar onde ela cresceu em Oakland, havia mudado tanto, se tinha desenvolvido tanto, que o lá da sua infância, esse lá, já se foi, já não havia mais esse lá.” Orange, recorrendo a alguns paradoxos que os seus personagens habitam e incorporam, parece querer avisar-nos para o que a falta de nostalgia pode trazer às nossas vidas demasiadamente urbanas, apressadas e cheias de preconceitos. Esse aviso, passa a estalada literária nas últimas linhas do livro. Esse lá, o lá da identidade, o lá da memória, o lá da pertença, tem de continuar a existir lá de onde vimos, mesmo que esse lá tenha evoluído, crescido, adaptado ou inovado. 

Restaurante 3 PiposÉ assim que conseguimos crescer, modernizar e actualizar qualquer ideologia, conceito ou filosofia, sem perder identidade. Isto é válido para as terras, para os povos, para as pessoas, para as instituições mas também (e como já devem ter adivinhado depois de lerem o titulo desta publicação ;)) para a gastronomia. No âmbito desta ultima dimensão, hoje falo-vos de um local onde lá, felizmente, ainda existe lá: o Restaurante 3 Pipos em Tondela. 

Restaurante 3 PiposÉ um restaurante que mistura a tradição, a comida de conforto, o legado gastronómico da região e um serviço próximo, cuidado, atento aos detalhes mas descomplicado; com ingredientes da máxima qualidade, um serviço de vinhos exemplar (até na escolha dos copos para cada um dos diferentes momentos da refeição) e um ambiente ecléctico mas relaxado. Abriu portas em Maio de 1992 quando Maria de Jesus, António Miranda e João Cavaleiro recuperaram o espaço a partir de uma antiga adega, do respectivo lagar e de outros anexos que, outrora, serviam de apoio à preparação do vinho. Ainda no que ao vinho diz respeito, a carta tem mais de 450 referências das principais regiões portuguesas, havendo, é claro, um generoso destaque para o Dão. 

Restaurante 3 Pipos O espaço é constituído por 5 salas, quase em labirinto, com paredes em granito, 3 lareiras,  um jardim com 400 metros quadrados e uma lojinha. A decoração é casual, simples e natural, assente sobretudo em alfaias e outros utensílios agrícolas. Desse labirinto das memórias apenas é possível sair recorrendo ao olfacto, que nos conduz, invariavelmente, para a cozinha com forno a lenha e de onde saem as deliciosas iguarias servidas em travessas de barro preto de Molelos (aldeia do concelho de Tondela). 

Restaurante 3 PiposÀ volta dos tachos está Maria de Jesus (Jú, para os amigos), inspirada nos sabores antigos e tradicionais da Beira Alta. Apoiada, inicialmente, pela experiência da sua mãe, a D. Fernanda, muito conhecida nesta região pelo seu gosto e arte de cozinhar, soube rapidamente evoluir para uma cozinha adaptada à restauração, mantendo, contudo, os temperos e as características dos cozinhados que identificam as vivências desta região beirã, nunca deixando cair o "lá" da memória.

Restaurante 3 PiposComeçamos o almoço com um conjunto de entradas: Pataniscas de BacalhauOvos verdesMisto de enchidosProvadurasMoelasFavas com chouriçoCogumelos salteados com baconQueijo de ovelha da Serra da Estrela curado 12 meses, acompanhadas pelo floral, fresco e equilibrado Casa de Mouraz Biológico Encruzado 2019. Apesar de todas estas iguarias estarem carregadas de sabor, super apuradas e superiormente confeccionadas,  destaco a untuosidade salivante das provaduras (uma espécie de picadinho de carne, resultante da prova das carnes que vão incorporar os chouriços e que são cozinhadas em azeite, pimentão e vinho), uma delicia!!! Dos enchidos do Fumeiro do Caramulo e das moelas, muito ricas, não sobrou nada (até as crianças adoraram), e as Favas com chouriço fizeram-me brindar a Eça de Queirós.

Restaurante 3 PiposO corte muito fino do Queijo de ovelha Serra da Estrela curado 12 meses engrandeceu o seu sabor. Foi a primeira vez que o provei assim e fiquei fã. Seguiu-se o Lombo de bacalhau confitado, malandrinho de espinafres e enchidos, uma espécie de "risotto duriense", al dente,  carregado de sobranceria, gosto e alegria. O bacalhau (de um produtor da região: o Sr. Bacalhau) com apenas um ligeiro toque do garfo lascava logo e exibia um sabor a mar inspirador.  Em conjunto com o arroz provocava uma experiência gastronómica reconfortante que era enobrecida pelas notas de jasmim, mineralidade, acidez, frutos secos, cera e fumados do Maria João Colecção Privada 2014. Antes das sobremesas, Cabrito de leite à Casa, respeitando o receituário familiar, estava crocante por fora e suculento no interior, passeando-se no palato com temperos (ligeiramente picante) e tempo de confecção irrepreensíveis, aos quais se juntavam as batatas e umas inusitadas (e cativantes) migas de couve, feijão-frade, arroz, broa, azeite e alho. 

15 (10).JPGFoi harmonizado com um enorme vinho, o Casa de Cello Quinta da Vegia Superior 2013, que emprestou ao cabrito mineralidade, frescura, fruta preta madura, notas vegetais e uns ligeiros abaunilhados.  Uma combinação que merece ser desfrutada em família, com tempo, partilha e uma boa conversa. Só não digo que foi o melhor momento da refeição por causa de uma parte da sobremesa que se seguiu (e já sabem que eu até nem sou muito de doces). Essa sobremesa surgiu em forma de "pijaminha" de doçaria caseira com Morgado do BuçacoMulinho do CaramuloPudim de queijo da serra (a tal parte da sobremesa ;)), Farófias de forno, e Aletria conventual, na companhia do gastronómico espumante Quinta de Lemos Gégé Rosé. Não obstante de todas elas enobrecerem o cânone gastronómico da região, o Pudim de queijo da serra conquistou-me (acreditem que falei dele durante semanas!!!). É quase como se fosse um Abade Priscos com a doçura controlada, com a complexidade reforçada e com um aroma a queijo da Serra arrebatador. É despretensioso, mas fica na lista das sobremesas do ano para o blogue. 

Restaurante 3 PiposExistem locais e pessoas que nos marcam e aos quais temos a certeza que iremos regressar. O restaurante 3 Pipos e o António Miranda (filho), por tudo o que vos disse anteriormente, entraram para essa lista restrita. ;) O 3 pipos celebra 30 anos no próximo mês, 10 por cada pipo (;)), e há coisas que só chegam mesmo com o tempo: a persistência, a qualidade e a excelência. Obrigado por toda esta experiência enogastronómia memorável!!!

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018 | Manual da elegância

"A elegância está nos detalhes. Num guardanapo de pano numa mesa de jantar. Num vinho servido no copo certo. Na folha de hortelã na almofada antes de nos deitarmos."  Iggy Azalea

Dona Matilde Tinto 2018Na Quinta Dona Matilde todos os vinhos são Field Blend de modo a valorizar o património vitícola e dar palco à tradição portuguesa (e vincadamente duriense) dos vinhos com mistura de castas. Assim, o rótulo da nova edição do Dona Matilde tinto ganhou o símbolo gráfico Field Blend, uma marca de identidade e que remete para esse legado histórico.

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018Esta tradição do velho mundo vitivinícola banhada a Douro valoriza assim práticas ancestrais num contexto de modernidade e contribui para a afirmação internacional dos vinhos de lote. Este tipo de vinhos, produzidos a partir da mistura de castas, conquistam cada vez mais apreciadores em diferentes partes do mundo, refere Filipe Barros, director de marketing e vendas da Quinta Dona Matilde: “A nossa família sempre produziu vinhos com mistura de castas, a começar no Vinho do Porto. Mantivemos esse registo quando passámos a produzir também DOC Douro e actualmente percebemos que é essa a nossa identidade e origem do reconhecimento que os nossos vinhos conquistaram. Os monovarietais não são o nosso caminho”.

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018A escolha enaltece e preserva as vinhas históricas da quinta, com quase um século de idade, e outras mais recentes, com mais de duas décadas, plantadas igualmente com diferentes castas autóctones do Douro e a pensar na produção de vinhos tranquilos da região. Elaborado a partir de uvas colhidas em vinhas localizadas a uma altitude entre os 150 e 200 metros, o Dona Matilde tinto 2018 é exemplo da importância que o lote da vinha pode assumir em todas as gamas de vinhos.

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018 Este blend Dona Matilde tem, aliás, merecido atenção no mercado internacional, tendo a edição de 2017 ganho a medalha de ouro no Mundus Vini 2021. O Dona Matilde tinto 2018 ( (9.50 €, 90 pts.) é um Field Blend produzido a partir das castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Francisca, Tinto Cão e Tinta Roriz, colhidas em vinhas da quinta com 26 anos de idade. Parte do lote estagiou em barrica de madeira usada. Foram produzidas 25 mil garrafas.

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018De porte rubi-violeta, exibe notas intensas a cereja madura, ameixa preta, framboesa, figos, chocolate After Eight, pinho, violetas e pimenta preta. Na boca mostra frescura, bom volume, estrutura e taninos redondos.  É muito gastronómico, super elegante, equilibrado e persistente. Dá-nos muito, até na diversidade e equilíbrio de aromas, para aquilo que custa.

Nota de prova Dona Matilde Tinto 2018O Dona Matilde tinto 2018 marca também o regresso das #notasdeprova no espaço #cáporcasa de modo a poder corresponder ao cada vez maior número de solicitações por parte dos produtores. Serão publicações menos esmiuçadas, mais focadas no vinho e na sua enologia, e forçosamente mais curtas. Quando o vinho passar a marca dos 95 pontos, regressamos às publicações mais contextualizadas, combinado? ;)