Roadtrip Polónia e Estados Bálticos | Por detrás da cortina ... uma alma
"Quando a alma, ao termo de mil hesitações e desenganos, cravou as raízes para sempre num ideal de amor e de verdade, podem calcá-la e torturá-la, podem-na ferir e ensanguentar, que quanto mais a calcam, mais ela penetra no seio ardente que deseja." Abílio Guerra Junqueiro
Era uma vez uma menina chamada Jūratė, deusa do mar (na verdade, “Jūra” significa literalmente “o mar”), que vivia por baixo das ondas do Mar Báltico num belo castelo feito de âmbar. Ela era a rainha do mar e, portanto, governava todas as criaturas marítimas, mantendo também a paz e o equilíbrio entre elas.
Certo dia, um jovem pescador chamado Kastytis estava a pescar perto do castelo de Jūratė. Kastytis era muito trabalhador e talentoso, e naquele dia estava a conseguir apanhar uma enorme quantidade de peixes. Esse facto deixou Jūratė enraivecida, pois ela achava que o desaparecimento de um numero tão elevado de criaturas marinhas iria perturbar o sossego do oceano, sua casa.
Assim Jūratė decidiu punir o pescador para restaurar a paz no seu reino, no entanto, quando a deusa enfrentou Kastytis, os dois desconhecidos apaixonaram-se perdidamente um pelo outro. Jūratė e Kastytis viveram felizes, juntos, no castelo de âmbar de Jūratė, mas isso foi "sol de pouca dura".
Erkūnas, o deus do trovão, o mais poderoso/temido dos deuses Bálticos, e o pai de Jūratė, acabou por descobrir o caso amoroso existente entre ambos. Ele ficou furioso com a sua filha, não só por ousar amar um insignificante humano (o que não era permitido aos deuses por serem criaturas superiores), mas também porque ela havia prometido casar-se com o deus da água, conhecido como Patrimpas.
Cego pela revolta, Perkūnas usou os seus poderosos relâmpagos para matar Kastytis, atingindo também o palácio de âmbar, reduzindo-o a meras ruínas. O destino/castigo dado a Jūratė, foi o de ser amarrada às ruínas do castelo para toda a eternidade.
A lenda diz-nos que, ainda hoje, Jūratė chora na sua prisão submarina a perda do seu amado Kastytis. Diz-nos ainda que esta é a razão pela qual os inúmeros pedaços de âmbar continuam a chegar com a maré às praias do Mar Báltico: eles são o que resta do palácio submarino de Jūratė. As mais pequenas, aquelas que se parecem com uma pequena lágrima de âmbar são consideradas as mais preciosas, pois são as lágrimas de Jūratė que chegam à costa durante os dias tempestuosos que agitam o oceano.
Apesar desta lenda ser comum a todos os Estados Bálticos (Lituânia, Letónia e Estónia) e à Polónia (é certo que com pequenas alterações em cada um desses países), e de todos eles serem banhados pelo Bálticos, é engraçado percebermos que as suas culturas são na realidade muito diferentes. A Lituânia, o último país da Europa a adoptar o cristianismo, está repleta de história pagã. A Letónia tem paisagens incríveis e muitas camadas culturais. A Estónia, com influências da vizinha Finlândia, é conhecida pelo invejável sucesso económico. Por sua vez, a Polónia é famosa pela sua sua arquitetura medieval e pela herança judaica.
Foi (também) por isso que escolhemos estes 4 países para roadtrip deste ano. Eles são relativamente pequenos (no maior, a Polónia só iríamos visitar a parte Norte), mas são historicamente ricos e possuem uma "personalidade" muito vincada. Para além da lenda de Jūratė, haverá mais alguma coisa que os una? Será que essa lenda influenciou a existência dessa tal coisa? Foi para respondermos a essas duas perguntas que percorremos mais de 3000 quilómetros em duas semanas. Neste guia daremos algumas sugestões (atracções turísticas e culturais, hotéis e restaurantes) para cada uma das cidades constantes dessa roadtrip.
Dia 1: Porto - Varsóvia
Viajamos na Lufthansa do Porto para Varsóvia (fazendo escala em Munique) e escolhemos um hotel bem perto do aeroporto, o Novotel Warszawa Airport, de modo a descansarmos dos voos e também para nos permitir alugar o carro com que faríamos a roadtrip. Escolhemos a agência CarNet porque pratica preços acessíveis e trata de toda a papelada (e seguros) para podermos viajar nos 4 países (existem alguns problemas burocráticos com a passagem para a Lituânia devido à guerra que a agência resolve rapidamente).
Dia 2: Varsóvia - Białystok (200 km)
Ainda na Polónia e indo na direcção de Vilnius na Lituânia, pernoitamos em Białystok, a maior cidade do nordeste da Polónia e a capital da Podláquia. Esta cidade é conhecida pelos "Pulmões Verdes da Polónia", devido ao tamanho dos seus parques naturais (Parque Nacional Biebrza e o Parque Nacional Białowieża). Mas não vos vou mentir, o motivo principal desta paragem teve a ver com o Tomcio Paluch Gastro, um restaurante/roulote muito ao estilo de Anthony Bourdain. Comida de conforto, carregada de sabor e cheia de alegria. A costela de porco grelhada lentamente foi a melhor que comi até hoje, merece por si só a viagem ;) Passamos a noite no melhor hotel da cidade: o Hotel Traugutta3.
Dia 3: Białystok-Vilnius (305km)
No dia seguinte chegamos a Vilnius. Começamos por visitar a Cidade Velha, um autêntico pastiche de arquitectura barroca e gótica, e em seguida o museu de arte e história no Palácio dos Grão-Duques da Lituânia e, antes do almoço o Castelo de Gediminas que remonta aos tempos neolíticos. À tarde passamos algum tempo no bairro boémio de Užupis. Foi ali que um grupo de indivíduos criativos (criatividade essa despertada pela cerveja ;)) decidiu, em tom de brincadeira, proclamar a sua independência, chegando a redigir uma constituição para a sua recente república.
Desde então, o governo lituano alinhou na piada, permitindo que Užupis permanecesse independente, embora esse status não seja totalmente legal. Para jantar aconselho-vos o pub Šnekutis: ambiente incrível, cerveja artesanal fantástica e uns deliciosos Cepelinai (bolinhos de batata feitos com batatas raladas e arroz e recheados com carne picada, requeijão seco e/ou cogumelos). Dormimos no Radisson Blu Hotel Lietuva numa suite com sauna e uma vista incrível para o centro da cidade.
Dia 4: Vilnius - Daugavpils (305km)
Antes de partirmos em direcção a Daugavpils na Letónia, regressamos à Cidade Velha de Vilnius (haveríamos de regressar inesperadamente a Vilnius ainda nesta roadtrip, mais à frente conto-vos o motivo) para almoçar no Etnodvaras. Enriquecido com tradições e costumes, o menu deste restaurante brinda-nos com o que de melhor a comida tradicional lituana tem para oferecer. As receitas são "certificadas" pelo tempo e o ambiente é super confortável. Adoramos os Cepelinai e os Dumplings.
Daugavpils é uma das poucas cidades da Letónia que pode ostentar um conjunto unificado de estilos clássicos e eclécticos. De acordo com a etimologia antiga, a palavra Daug-ava significa muito, e Daugavpils é literalmente uma cidade aquática rica em idiomas, cultura e denominações. Visitamos a catedral católica de St. Peters, a rua Mihoelsa carregada de arquitectura clássica, o forte, o centro de arte moderna e o museu Shmakovka que disponibiliza uma história moderna e atraente sobre a mais antiga bebida alcoólica da Letónia. Ficamos alojados no reconfortante Homelike Hotel Daugavpils, o nome diz tudo ;) Jantamos bem perto, no Čili Pizza e as pizzas são genuinamente boas!!!
Dia 5: Daugavpils -Tartu (400km)
Na manhã seguinte partimos em direcção a Tartu, a segunda maior cidade da Estónia. Está pincelada pela alegria dos estudantes, pelo conhecimento dos intelectuais e pela contemporaneidade dos criativos. Esta cidade é berço de uma das universidades mais antigas do norte da Europa, tem muitos museus (como o Museu Nacional da Estónia) e exibe uma exuberante vida nocturna. Tartu é muito compacta, com a maioria dos pontos turísticos, restaurantes e bares arrumados em apenas algumas ruas paralelas. Sendo a segunda maior cidade da Estónia e um berço da cultura criativa e científica, há sempre algo a acontecer em cada canto, desde apresentações teatrais a concertos e festivais.
É em Tartu que fica o hotel que mais gostei em toda a viagem (é quatro estrelas e não é o mais caro): o Lydia Hotel, super confortável, cheio de requinte e um SPA de cortar a respiração. Esse hotel combina a atmosfera da Cidade Velha com a arquitectura moderna e está localizado na encosta de Toomemägi, atrás da Praça da Câmara Municipal de Tartu. Outra das mais valias do Lydia Hotel é o seu restaurante, o Holmerestoran. O Hõlm está na lista dos melhores restaurantes da região Báltica de acordo com o guia gastronómico White Guide Baltics e é recomendado pelo Guia Michelin 2022.
A sua cozinha é liderada pelo chef Sven Pärn, que promove experiências gastronómicas inesquecíveis, nas quais cada detalhe é cuidadosamente considerado, cuidadosamente preparado e apresentado com carinho. O que torna o restaurante especial é o facto da sua cozinha ser totalmente aberta, criando uma ligação directa com os comensais, permitindo-lhes desfrutar da arte de cozinhar na primeira fila. O restaurante utiliza técnicas interessantes na preparação dos seus pratos, onde a qualidade, a simplicidade e a pureza dos ingredientes desempenham um papel importante.
Dia 6: Tartu-Tallin (190 km)
A 190 km de Tartu surge Tallin, o destino de Verão preferido dos estonianos. É uma cidade graciosa, elegante, muito animada e repleta de pontos turísticos arrebatadores, de que são exemplos a Câmara Municipal gótica (que domina a praça central), a graciosa Catedral Alexander Nevsky (para mim a mais bonita da viagem) - uma catedral ortodoxa russa com cúpula em forma de cebola e com uns frescos lindíssimos), e o Museu ao Ar Livre da Estónia. Podem ainda (arriscar) molhar os pés numa das suas praias. ;)
Dias 7 e 8: Tallin
Ficamos hospedados no My City Hotel, um pequeno e encantador hotel de primeira classe, localizado num belo edifício histórico no centro histórico de Tallinn. A arte e a música jazz são encontradas a cada canto deste hotel. Para jantar, a uma curta caminhada do hotel, aconselhamos o Solaris Vapiano, cujo cardápio respeita a genuína e deliciosa cozinha italiana, baseando a sua cozinha em ingredientes da máxima qualidade e super frescos. As pizzas, as massas, as saladas, os antipasti e o tiramisú são deliciosos!!! .
Para uma opção mais requintada sugerimos o Salt Restaurant. A cozinha do Salt é inspirada simplesmente na ... vida, combinando, no mesmo prato as culturas de diferentes mundos e as tradições locais mais ancestrais. Os Chefes Andres Allas e Marko Kaljend fazem com que o foco esteja no produto, na técnica e nos sabores. É no mínimo "original" que um dos fine dining mais afamados de Tallin use como sala de jantar um passeio ao lado de uma estrada muito movimentada. Também não é nada habitual vermos comensais com fraques e vestidos de gala sentados num passeio... ;)
Dia 9: Tallin - Riga (300 km)
Entre Tallin e Riga (capital da Letónia) surge o melhor restaurante desta roadtrip e um dos que mais me marcou: o Põhjaka manor, no condado de Järva. Apresenta menus sazonais, quase sempre confeccionados no fogo, e que mudam diariamente (em função do que o quintal/quinta de melhor tem para oferecer naquele dia) e que respeitam, fielmente o cânone gastronómico local.
Este restaurante com fama internacional está implementado numa mansão construida em 1820 e cercada por belos bosques. A gastronomia oferecida é despojada e rústica, mas ao mesmo tempo fina e elegante. Chega-nos em porções generosas e com um sentido estético muito apurado. A 250 km do Põhjaka manor aparece a movimentada Riga. Bares, cafés, teatros e inúmeros concertos ao vivo fazem com que nos imersa-mos imediatamente na vida desta sedutora cidade.
Dia 10: Riga
Lá é muito fácil perdermos-nos por entre a arquitectura art nouveau em Alberta iela (uma das ruas principais da cidade), e ficarmos abismados pela dimensão e aromas do Mercado Central de Riga, o maior da Europa e património mundial da UNESCO desde 1988. Visitem também a Catedral de Riga, a maior igreja medieval do Báltico, o imponente Castelo de Riga construido 1330, e a Town Square (a praça da Câmara Municipal) onde fica a House Of Blackheads, sede da irmandade de mesmo nome que foi construída no século XIV e destruída pelos bombardeamentos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Depois os soviéticos acabaram por demolir tudo em 1948. Felizmente, a casa foi reconstruida entre 1995 e 1999 e hoje funciona um museu.
Bem perto dali fica a Igreja de São Pedro, datada de 1209 e que chegou a ser o prédio de madeira mais alto da Europa. Para não fugir à regra, este edifício também foi seriamente danificado durante a Segunda Guerra Mundial e reconstruida pelos soviéticos nos anos 70. Durante essa reconstrução foi instalado um elevador que vai até o topo da torre e que nos permite ter uma vista incrível sobre Riga.
Para almoçar sugerimos o Casa Nostra, que como o nome faz transparecer nos faz sentir em casa, com uma atmosfera amiga, descomplicada e confortável. Está localizado no edifício art nouveau mais fotografado e icónico de Riga, e assenta a sua cozinha em produtos da máxima frescura, honrando a tradição gastronómica italiana.
Sandra e Adriano, os proprietários, fazem mesmo questão que nos sintamos em casa, na sua casa. Nota ainda para os vinhos italianos de bom nível e que harmonizão na perfeição com a proposta gastronómica do restaurante. Para a dormida aconselhamos o Hotel Janne, um lugar ideal para hóspedes que gostam de experimentar interiores "fora da caixa" e com elementos decorativos elegantes/originais, num edifício com mais de 100 anos e uma rica história.
Este hotel está completamente renovado e o interior quebra as fronteiras do antigo e do novo. No momento de check-in é lançado um desafio misterioso às crianças que os faz entrar imediatamente num mundo encantado. Não vou revelar em que consiste essa misteriosa tarefa para não ser spoiller. ;)
Ainda em Riga, experimentem o Two more beers, para além da atmosfera "apubesada", há ainda pelo menos 100 cervejas, uma ampla selecção de petiscos, ofertas de harmonização entre cerveja e comida e uma ampla selecção de molhos caseiros. As cervejas são incrivelmente boas, o hambúrguer de caranguejo é maravilhoso e a costela de porco divinal!!!
Dia 11: Riga - Kaunas
No dia seguinte partimos em direcção a Kaunas. Kaunas é uma pequena cidade no centro-sul da Lituânia. Na confluência dos rios Neris e Nemunas, o Castelo de Kaunas é uma fortaleza medieval com exposições históricas riquíssimas. A leste, a Cidade Velha abriga a Basílica da Catedral de Kaunas, com seu interior ornamentado, e as torres góticas da Casa Hanseática de Perkūnas. Laisvės Alėja, uma rua pedestre ladeada por árvores e cafés, atravessa a cidade de oeste a leste.
Esta cidade oferece-nos ainda Câmara Municipal, várias igrejas, Laisves al, o pitoresco túnel ferroviário e o peculiar Museu do Diabo. Como nestas coisas da história nem tudo são boas memórias, podem aprender um pouco mais sobre o terrível passado recente da Lituânia, visitando o Nono Forte, que é um museu/memorial dos 50 000 lituanos e judeus que foram mortos durante o Holocausto.
Ficamos alojados no Radisson Hotel Kaunas, construído no estilo escandinavo. Para além de apresentar uma localização bastante central, coloca à disposição dos hóspedes um casino, um restaurante de bom nível, um ginásio, um spa e uma sauna. Os quartos são super confortáveis e a decoração moderna, elegante e luxuosa.
De Kaunas regressamos a Vilnius por causa de um restaurante, o Restoranas Amandus. Por incompatibilidade de agendas este era o único dia disponível para a visita ao Amandus. A gastronomia valeu cada um dos 100 km do desvio ;) Ao seu leme está Deivydas – fundador e Chefe de cozinha – um artista dos aromas, dos sabores, das texturas e das cores. É devoto da cozinha escandinava e foi eleito, por diversas vezes, o melhor Chefe da Lituânia.
Só funciona com menus de degustação (que duram pelo menos três horas!!!), todos os jantares começam às 19 horas (se chegarem atrasados já não jantam ;)) e no final há uma bela surpresa promovida pelo Deivydas. O cardápio, expressivamente dinâmico, é fortemente influenciado pela sazonalidade das matérias-primas e procura promover uma busca incessante por novos sabores e ideias.
Dia 12 : Kaunas - Varsóvia (400 km)
A última ligação de carro desta roadtrip seria entre Kaunas e Varsóvia. Como também era a viagem mais longa, paramos pelo caminho em Augustow, no extremo nordeste da Polónia. Augustow é cercada por grandes áreas florestais, lagos, rios e canais (é aqui que vão encontrar a parte mais bonita da estrada). É uma cidade carregada de paisagens pitorescas, ar puro, natureza intocada e pessoas muito simpáticas.
Varsóvia atrai multidões com a sua energia contagiante, materializada na sua vida nocturna explosiva e pelo próspero ambiente musical que pincela quase todas as suas praças, ruas e jardins. Guardem pelo menos três dias para conhecerem esta bela cidade. Aproveitem para passear por Lazienki Krolewskie w Warszawie, visitem o Centro de Ciências Copernicus (a Bia adorou!!!) e revivam a fascinante história da Cidade Velha.
Cada cidade tem um lugar que funciona quase como vitrine, imperdível em qualquer viagem. Em Varsóvia, quanto a mim, esse local é a Cidade Velha, inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, é onde o coração da cidade bate há séculos. No entanto, quando cruzamos o rio Vístula e olhamos para Cidade Velha de longe, ficamos impressionados com o quão incomum é o panorama da cidade: os arranha-céus acinzentados erguem-se acima dos telhados vermelhos dos edifícios históricos, as arquitecturas moderna e antiga complementam-se, e a cidade ganha uma riqueza paisagística sui generis.
Dias 13-15 : Varsóvia
Ao passearmos pela Rota Real, que liga as antigas residências dos governantes polacos, aproveitamos para descer até o rio Vístula para ver as avenidas modernas que se estendem entre o Parque da Fonte Multimédia e o Centro de Ciência Copérnico. A cidade vibra com a vida, os cafés e bares abrem-se a quem passa e acontecem, um pouco por todo o lado, festas e concertos ao ar livre. Entretanto, a outra margem mantém-se calma, com o seu carácter natural, único na Europa e que faz as delícias de todos os visitantes. Aí encontramos praias de areia, ciclovias e excelentes condições para a prática de desportos náuticos.
Quase metade da área da cidade é verde. Existem até 95 parques com Łazienki no topo da lista. No Verão, os famosos Concertos de Chopin acontecem num ambiente único ao ar livre, enquanto nos interiores históricos do teatro fundado pelo rei Stanisław August é possível ouvir música de compositores contemporâneos. Varsóvia é uma cidade surpreendente, de todas as que falei nesta publicação, é aquela que gostaria de regressar um dia. Confesso-vos que estes cinco dias me souberam a pouco.
Para acabarmos a roadtrip em grande ficamos numa suite do Radisson Collection Warsaw. Para além de estar posicionado numa posição bastante central (na zona financeira), é muito moderno, luxuoso e eclético. O serviço é irrepreensível, o SPA é do melhor que encontramos nas nossas viagens e a proposta gastronómica do restaurante oferece interpretações modernas de pratos polacos e mediterrânicos.
Por falar em gastronomia, se estiverem em Varsóvia, têm mesmo de visitar o Restauracja Klonn. Encontram-no junto ao Castelo de Ujazdowski e é um autentico oásis verde no centro da capital polaca. A inspiração para a criação do local foi uma árvore (monumento natural de 200 anos) que agora faz parte do jardim do restaurante.
É um restaurante que nos seduz imediatamente com um ambiente descontraído mas gracioso, quase que nos obriga a também nós criarmos raízes neste lugar único. O Chefe do restaurante é Michał Gniadek, que ganhou experiência no conhecidissimo (e estrela Michelin) Senses. O que nos chega à mesa está carregado de arte, sabor, risco e conforto. É harmonizado com o que de melhor há pelo mundo ao nível vínico, entre os quais, um Ramos Pinto 30 anos. Se um dia (como pretendo) regressar a Varsóvia, regresso também a este incrível Klonn.
A Cortina de Ferro inspirou o titulo para esta publicação/guia porque este 4 países faziam parte dela. Essa cortina tem a ver com uma guerra, fria, como todas as guerras. Uma cortina que dividiu o mundo, entre nós e eles, durante quase meio século. Foi Winston Churchill quem cunhou essa cortina num discurso de 5 de maio de 1946. Discurso esse que separou os valores, a cultura e a liberdade entre nós e a União Soviética.
Para muitos de nós, sobretudo para os nascidos após essa guerra, o que aconteceu por aqueles lados permanece um mistério. Atrás da Cortina de Ferro, as pessoas não tinham acesso à informação nem lhes era permitido viajar entre fronteiras. Não lhes era permitido alargar os horizontes. Não lhes era permitido conhecer o outro. As viagens para esses países eram fortemente controladas, sendo os (poucos) turistas forçados a ficar em hotéis pré-determinados e controlados por um olhar atento de um "guia turístico" do KGB.
Hoje em dia, estes 4 países viram-se envolvidos numa outra cortina, mas desta vez, estão do lado certo (no que à minha opinião diz respeito). Talvez fosse boa ideia, como Europeus olharmos para a história de Jūratė, a deusa do mar, com que iniciei esta publicação. Não adianta querermos "obrigar" os outros a pensarem ou agirem de acordo com as nossas ideias, pois corremos o risco de tornarmos os palácios de liberdade que fomos construindo em pedras de autodeterminação que apenas recordam a sociedade heterogeneamente rica que um dia já fomos.
O que é que estes quatro países têm em comum para além da lenda de Jūratė e de terem estado sempre do mesmo lado de diferentes cortinas? A alma livre, sonhadora e ambiciosa. Essa nova alma, construida comunitariamente, termo de mil hesitações e desenganos, cravou as raízes para sempre num ideal de amor e de verdade: podem calcá-la e torturá-la, podem-na ferir e ensanguentar, que quanto mais a calcam, mais ela penetra no seio ardente que deseja.
Ao contar esta lenda à Bia ela perguntou-me porque é que Erkūnas, o deus do trovão e o pai de Jūratė, queria que a filha vivesse segundo os seus ideiais e não segundo a sua vontade? Porque é que ele estava mais preocupado com o que é que os outros deuses ia pensar do que com a felicidade da sua filha? Porque é que cada um não pode fazer o que quer, sem pensar no que os outros vão dizer/fazer?
Às vezes os grandes problemas são na realidade bem simples, nós é que os complicamos, as crianças, algumas vezes, muitas vezes, vão-nos relembrando disso. A Bia também perguntou se juntássemos as pedras âmbar todas, conseguiríamos construir de novo o castelo .Na foto de cima, aparece ela pensativa, a orquestrar um método para o reconstruir ;)
Obrigado a todos os parceiros que tornaram esta roadtrip não somente viável como também memorável.