Os melhores de 2022 | A nossa máquina do tempo
"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória." José Saramago
Fevereiro é o mês de "entrega" de prémios no nosso blogue, pelo oitavo ano consecutivo... O ano de 2022 foi particularmente rico, uma roadtrip aos Bálticos que contemplou quatro países, hotéis de charme incríveis, uma viagem de inverno a Munique, várias visitas a restaurantes Michelin (nacionais e internacionais) e provas de inúmeros vinhos com 100 pontos!!! Mas o melhor de tudo são mesmo as memórias que 2022 nos deixou e que se materializam nos sorrisos da fotografia de acima.
Como de costume, os prémios estão divididos em três categorias: restaurantes, hotéis e vinhos. A riqueza que vos falei anteriormente fez com que este ano tenha sido o mais difícil na decisão de quase todas as distinções. Isto foi tão renhido que numa delas, pela primeira vez, há um empate. Comecemos então pelos hotéis.
Melhor Hotel: Six Senses Douro Valley
Em quase todos os hotéis que visitamos, o Six Senses Douro Valley é tido como o epitome, o pináculo muito superior, o símbolo inquestionável da qualidade alicerçada na sustentabilidade, quase como o grau máximo de excelência no que à hotelaria diz respeito. Acho que por tudo o que vos disse anteriormente, fica bem vincado o porquê dessa fama: lá o nosso sexto sentido, o do gene por vezes encolhido, emerge, garantido.
Melhor Wine Hotel: MW Douro Wine & Spa
Este é é um hotel que, tal como o Código de Hammurabi, coloca as relações humanas, os afectos, aquilo que nos diferencia das outras espécies animais, no centro da nossa edificação cultural: um autentico património mundial de valores, catalisado pelo vinho. Vinho esse que é um dos presentes mais preciosos que a Terra nos oferece. Assim exige-nos amor, consideração e respeito. Também merece que o celebremos, o MW Douro Wine & Spa é um excelente local para essa solenidade enogastronómica :P
Melhor Enoturismo: Casa das Pipas, Quinta do Portal
A Casa das Pipas Hotel e tudo o que a Quinta do Portal tem para oferecer a quem a visita, passou a estar na lista dos mais recomendados (de sempre) do blogue. Para quem gosta de gastronomia, vinhos e de aproveitar as propriedades terapêuticas que a luz tem para oferecer, este é um local de visita obrigatória. Por vezes, o silêncio é mesmo a melhor confissão, por isso remeto-me a ele, confidenciando-vos apenas que adoramos este autentico cacho de luz desenturvador!!!
Hotel Revelação: Riverside Santa Apolónia Hotel
Este é um hotel realmente especial, coloca-nos numa outra época cheia de sons, sotaques e idiomas, passeando no tempo, sem perdermos a ligação com a comodidade de um hotel de charme, mas não podem, não podem mesmo, não visitar o seu restaurante. O Chefe André provavelmente não estará lá, ou melhor, "estará", mas apenas o veremos de uma outra forma. :P Basta colocar os óculos historiográficos de Tokarczuk para conseguirmos ver o que apesar de não ser aparente, ainda assim está presente.
Melhor Hotel internacional: Andaz Munich Schwabinger Tor - a Concept by Hyatt (Munique, Alemanha)
Na viagem de Natal deste ano ficamos alojados no incrível Andaz Munich Schwabinger Tor - a Concept by Hyatt. Está localizado no animado bairro estudantil de Schwabing, entre o Estádio Olímpico e o Jardim Inglês, perto da estação de metro de Dietlindenstraße: sitio ideal para conhecer a cidade e os seus mercados, e ao mesmo tempo proporcionar um pouco de paz longe da agitação. Foi inaugurado em 2019, e por isso tudo é novo. Tem 277 quartos com sofisticados detalhes interiores e obras de arte inspiradoras, distribuídos por 12 andares. Ficamos numa suite Andaz com 77 m² e vista panorâmica para a cidade. Uma das razões pelas quais escolhemos o Andaz foi o seu Spa com 2000 m². Está localizado no quinto andar e possui uma grande piscina coberta, sauna, banho turco, massagens, sala de fitness e diversos tratamentos. Estar no quinto piso panorâmico de um hotel, numa piscina aquecida inserida num SPA de cortar o fôlego, na brincadeira com a família enquanto lá fora nevava é uma experiência que jamais esquecerei.
Melhor Quarto: Boeira Garden Porto Gaia
O Boeira Garden Porto Gaia Hotel, Curio Collection by Hilton fica perto do Porto histórico, a menos de dois quilómetros do bairro da Ribeira e a 15 minutos a pé das caves do vinho do Porto em Gaia. Oferece jardins históricos e exuberantes para eventos ao ar livre ou para um simples passeio, suites espaçosas e um relaxante SPA (com piscina interior, banhos termais, sauna, banho turco, centro de fitness, banhos Vichy e sessões de meditação). Este é um daqueles casos em que as imagens falam por si ;)
Melhor Spa: Six Senses Douro Valley
Uma das mais valias do Six Senses Douro Valley é indubitavelmente o seu SPA. De generosas dimensões e decorado com materiais amigos do ambiente, transmite uma atmosfera suave e actual; um encontro entre a natureza, tradições portuguesas e os elementos de água, pedra e madeira. Possui sauna panorâmica, diversos tipos de banho e uma piscina interior com cromoterapia.
Melhor Piscina: Palácio Estoril Hotel
Ian Fleming inspirou-se no Palácio do Estoril para escrever o “Casino Royale” em 1953, e para em 1968, ter sugerido o Hotel para cenário principal de “Ao serviço de sua majestade”. O exterior do Hotel, o lobby, a piscina e alguns quartos, são parte integrante de muitas das cenas desse filme que estreou em 1969. A piscina é realmente incrível, e foi lá onde demos os primeiros mergulhos do ano ;)
Melhor Pequeno Almoço: Boeira Garden Porto Gaia, Curio Collection by Hilton
Qualidade, riqueza, frescura, diversidade, ovos mexidos e espumante, o que mais podemos querer? :P Aos fins de semana e feriados, o inventivo Chef Bruno Drumonde, prepara ainda um delicioso brunch que inicia com uma selecção de pão e pastelaria e inclui ainda os clássicos de pequeno-almoço como os ovos Benedict (dos melhores do país!!!), Florentine ou Royal, french toast e panquecas. Para os mais gulosos há ainda ostras :P O Boeira Garden Porto Gaia só não ganha também o prémio "Melhor Brunch" por causa de algo inacreditável, da qual vos falarei mais à frente...
Melhor Vinho: Manoel dos Passos Freitas Boal Vintage 1896
Quando coloquei o (nada consensual) Manoel dos Passos Freitas Boal Vintage 1896 (3000.00 €, 100 pts.) na boca soltei um "Che gelida manina, mio caro Madeira". Possuía uma frescura incrível (equilibrada, ainda audaz, fina) e notas de torrefacção, iodo, azeitona, chã verde e pedra vulcânica. Mas foi aquela frescura, quase gélida, que me conquistou. Confesso que guardei um pouco desse vinho num frasco para a Clarisse provar. Ainda guardo o frasco, ainda hoje, quando o abro, apenas com uma gota de vinho, perfuma toda a sala.
Melhor Tinto: Quinta de Ervamoira Tinto 2019
O solo da Quinta de Ervamoira faz parte do complexo de xisto-grauváquico ante-Ordovícico e, neste contexto geológico homogéneo, a singularidade da Quinta de Ervamoira assenta na diversidade de exposições do anfiteatro onde está implantada. A história da quinta contada on site pelo Jorge Rosas foi um dos melhores momentos que o blogue me proporcionou. Relativamente aos vinhos e apesar de ter provado vários na visita à Quinta, vou destacar o extraterrestre Quinta de Ervamoira Tinto 2019 (100.00 €, 97 pts.) com uns apontamentos balsâmicos gulosos enobrecidos pelos frutos silvestres muito puros, pelas notas florais (violetas), caixa de tabaco, alguma pedregosidade e cachimbo. Na boca é super elegante, equilibrado, harmonioso, fresco e longo. Uma maravilha!!!
Melhor Branco: AdegaMãe Terroir Branco 2017
O AdegaMãe Terroir Branco 2017 (49.00 €, 95 pts.) é composto por Viosinho e Arinto e resulta de desengace total, prensagem ligeira, decantação a frio, fermentação em barricas de carvalho francês de 400 L e bâtonnage durante 12 meses. De porte amarelo ocre cristalino, exibe rebuçado de tangerina, maracujá, amêndoa, flores brancas, acácia-lima, salinidade, sílex, cera e fumo. Na boca é fresco, complexo, untuoso e muito longo. É um belo branco que tem tudo para crescer (muito!!!) em garrafa.
Melhor Rosé: São Luiz Winemaker’s Collection Tinto Cão Reserva Rosé 2021
Este São Luiz Winemaker’s Collection Tinto Cão Reserva Rosé 2021 (21.00 €, 91 pts.) traja uma bonita cor salmão-rosada e um aroma bastante complexo/equilibrado/inesperado carregado de rebuçado de framboesa, groselha, arandos, rosas, chocolate branco e cravo. As notas fumadas e uma ligeira pedregosidade aparecem em segundo plano, dando-lhe uma camada extra muito interessante. Na boca é fresco (quase a remeter-nos para um espumante), persistente e muito equilibrado. É um vinho que (incessantemente) pede comida e que entrou na lista dos meus rosés favoritos!!! ;)
Melhor Porto Vintage: Noval Vintage Nacional 2020
O rubi-escuro Quinta do Noval Vintage Nacional 2020 (1000.00 €, 100 pts.) é uma ode à beleza tânica. Entra no nariz com aquele aroma a lagar nos dias de vindima, a engaço, a frutos silvestres e com alguma percepção de violetas. Num segundo plano surgem sous-bois, ameixa seca e menta. No palato é complexo, focado, com uma estrutura esculpida como se de uma jóia se tratasse, longo, ecléctico, quase arrogante, e exibe uns taninos como ainda não havia sentido ate hoje: elegantes, austeros e frescos. É mais um monstro que vai desafiar as linhas do tempo, criado pela Noval.
Melhor Porto Tawny: Taylor's Very Very Old Port
O Taylor's Very Very Old Port (800 €, 100 pts.) é a mais recente de uma série de edições limitadas de Vinhos do Porto excepcionais e muito raros extraídos das reservas de vinhos velhos envelhecidos em casco da Taylor’s. Esta obra de arte em forma de vinho é um dos lotes mais antigos lançados até hoje. É elaborado a partir de uma selecção de vinhos raros envelhecidos em madeira nas caves Taylor’s, alguns dos quais do espaço temporal que separa as duas guerras que vos falei no inicio, e que atingiram uma concentração que faz deles uma quintessência mágica. De côr ambar escura, densa e cristalina, exibe um nariz maravilhoso com crème brûlée, figos secos, compota de pêssego, bolo de laranja, flor de limoeiro, maçapão, café, baunilha, cardamomo, canela, pimenta preta, resina, equilíbrio harmonia, elegância, largura, profundidade, precisão, complexidade, frescura e requinte.
Melhor Relação Qualidade/Preço: Quinta do Convento Tinto 2019
O Quinta do Convento Tinto 2019 (12.50 €, 88 pts.) provém de um lote de Touriga Nacional (40%), Tinta Roriz (20%), Touriga Franca (20%) e de um field blend (20%), com as uvas vindimadas à mão, e que mais tarde foi fermentado em lagar a temperaturas controladas durante 8 dias. Estagiou depois em barricas de carvalho francês de segundo ano por 9 meses. De traje rubi cristalino, exibe timidamente notas de frutos silvestres. De modo mais evidente surgem também aromas a esteva, sous-bois e pimenta vermelha. Na boca mostra carácter e é austero, fresco, intenso e harmonioso.
Vinho Revelação: Dona Matilde Calços Largos 2020
O Dona Matilde Calços Largos 2020 (40 €, 92 pts.) é um vinho com pouca extracção, fermentado com leveduras indígenas e estágio de 18 meses em inox, uma opção que assegura a exuberância de aromas, mantendo, a par, grande elegância e complexidade. Foi produzido a partir de uvas colhidas em vinhas velhas da Quinta Dona Matilde, com cerca de 80 anos e 30 castas tradicionais do Douro. A apanha das uvas foi feita à mão em caixas de 25 Kg, seguindo-se a pré-selecção dos cachos à entrada da adega. Traja um vermelho-rubi denso e entra no nariz com frutos silvestres, eucalipto, urze, sous-bois e alguma pedregosidade. Tudo muito genuíno. Na boca é fresco, elegante, surpreendentemente austero e muito harmonioso. É um excelente companheiro para um arroz de pato mas também se bebe bem a solo, tão bem que mal nos demos conta do seu término. ;)
Énologo do ano: Paulo Nunes
Este prémio é atribuído, sobretudo, pelos trabalhos que o Paulo Nunes tem vindo a fazer com os produtores Quinta da Rede e Costa Boal. Em ambos procura expressar o terroir através da elegância, da frescura, da acidez, dessa singularidade que nos deixa o palato salivante. Tudo o resto é maquilhagem desnecessária e desvirtuadora.
Produtor do ano: Kopke
Carlos Alves (enólogo da Sogevinus) levou para o Palácio da Bolsa do Porto na Essência do Vinho 2022 alguns dos maiores tesouros da Kopke, a mais antiga casa de Vinho do Porto. Em patamares crescentes de densidade e complexidade, foram sendo apresentados, provados e comparados, brancos e tintos com a mesma indicação de idade, incluindo os estreantes 50 Anos. Tirando a acácia lima e notas limonadas, transversais a quase todos os brancos da Kopke, pouca diferença encontramos ao nível da intensidade, elegância e complexidade entre brancos e tintos (na maior parte dos casos a nota até foi a mesma para a mesma indicação de idade). Em todos, encontrei qualidade, finesse e identidade. Estavam "escancaradas" as portas para o prémio "Produtor do ano". Confirmado uns meses depois, com a apresentação de três novas colheitas da insígnia São Luiz. O Quinta de São Luiz Vinhas Velhas Grande Reserva Tinto 2018, o Quinta de São Luiz Vinha Rumilã Grande Reserva Tinto 2017 e a nova edição Winemaker’s Collection Folgazão & Rabigato: o Grande Reserva Branco 2018. Três vinhos que são do que melhor se faz por Portugal no que aos vinhos tranquilos diz respeito, ponto.
Evento do ano: Madeira Wine Experience
Este foi mais um evento que só poderia ter sido organizado pelo Paulo Cruz. Pela sensibilidade, pelo risco, pela novidade, pela excelência e pela preocupação com quem se senta à sua mesa para provar. Como já vem sendo costume, o Paulo, para além de escolher vinhos verdadeiramente estratosféricos, acrescentou ao "menu" algumas surpresas como a inclusão de um Porto "intruso" com 110 anos, provas cegas, jogos e desafios. As seis horas de prova passaram com um piscar de olhos. Viajei de propósito de Guimarães para Sintra para participar nesta prova memorável. Cheguei um pouco mais cedo (a prova estava agendada para as 15h30) para conversar um pouco com o Paulo e tirar algumas fotografias ao espaço e aos vinhos. Quando entrei na sala de prova senti imediatamente o aroma arrebatador e complexo proveniente dos Madeiras já abertos. Só esse momento já "valia" os mais de 400 km, percorridos na sua maioria sob forte chuva.
Restaurante do ano: Le Monument Restaurant
Em 2022 a visita ao Le Monument consistiu numa sublime viagem gourmet que, tal como nas anteriores, combinou diversos sabores, texturas, aromas, produtos e produtores regionais, viagens, inspirações, estórias e contrastes, mas, desta vez, tinha mais alguma coisa. Uma certa "arrogância" abnegadamente engenhosa, demonstrada em diversos elementos surpreendentes ao longo do menu, que só pode ser (o)usada por quem sabe o que está a fazer. E o Chefe Julien Montbabut sabe muito bem o que está a fazer. Recorre a ingredientes inusitados, por vezes quase que parecendo deslocados, para nos pôr no centro das suas criações gastronómicas, e com isso nos transmitir a sua verdade acerca do canône gastronómico lusitano. É nessa irreverência resultante de uma sabedoria de experiência feita, de visita a produtores, mercados e lavradores, que separa o descobrir do encontrar. Escusado será dizer que o Chefe Julien Montbabut e o seu Le Monument Restaurant ganharam (finalmente) a estrela Michelin em 2022. A estrela é também um prémio muito merecido para o Diogo Matos e para toda sua equipa.
Restaurante revelação do ano: Conceito – Restaurante
Segundo Pessoa, os actos de loucura estão normalmente associados a uma inadaptabilidade ao meio, a uma vontade de querer fazer diferente, a uma tendência de querer acrescentar algo aquilo que já existe. E é isso mesmo que, na minha opinião, define o Conceito – Restaurante: comida de autor; menus de degustação coerentes e com sentido; máxima exigência nos produtos, confecção e serviço; extrema atenção aos detalhes; tudo isto enlaçado num espaço casual chic e sem pretensiosismos.
Restaurante tradicional do ano: 3 pipos
Este é um restaurante que mistura a tradição, a comida de conforto, o legado gastronómico da região e um serviço próximo, cuidado, atento aos detalhes mas descomplicado; com ingredientes da máxima qualidade, um serviço de vinhos exemplar (até na escolha dos copos para cada um dos diferentes momentos da refeição) e um ambiente ecléctico mas relaxado. Abriu portas em Maio de 1992 quando Maria de Jesus, António Miranda e João Cavaleiro recuperaram o espaço a partir de uma antiga adega, do respectivo lagar e de outros anexos que, outrora, serviam de apoio à preparação do vinho. Ainda no que ao vinho diz respeito, a carta tem mais de 450 referências das principais regiões portuguesas, havendo, é claro, um generoso destaque para o Dão. O espaço é constituído por 5 salas, quase em labirinto, com paredes em granito, 3 lareiras, um jardim com 400 metros quadrados e uma lojinha. A decoração é casual, simples e natural, assente sobretudo em alfaias e outros utensílios agrícolas. Desse labirinto das memórias apenas é possível sair recorrendo ao olfacto, que nos conduz, invariavelmente, para a cozinha com forno a lenha e de onde saem as deliciosas iguarias servidas em travessas de barro preto de Molelos (aldeia do concelho de Tondela).
Restaurante internacional do ano: Tantris Maison Culinaire (Munique, Alemanha)
O restaurante Tantris Maison Culinaire, com duas estrelas Michelin, deu-me uma das melhores experiências gastronómicas da minha vida. Coloca o foco nas origens da arte culinária francesa, através de pratos franceses clássicos e pratos exclusivos de cinco décadas de Tantris. Pratica uma cozinha intemporal focada nos melhores produtos. Fiquei maravilhado com a delicadeza do Oeuf de poulet poché, crosnes et truffle blanche D’Alba; apaixonei-me pela complexidade salivante dos Langoustines de Guilvinec, beurre blanc à la vanille (passou a ser um dos pratos da minha vida!!!); surpreendi-me com a aristocracia organoléptica do Noix de Saint-Jaques, topinambour et hollandaise au Champagne; e jamais irei esquecer a intensidade suculenta do Tourte de chevreuil de Bavière, sauce poivrade aux airellees. O serviço é quase teatral/artístico e as sobremesas e queijos surgem com pompa e circunstancia num carrinho de sonhos gastronómicos. Tudo isto acompanhado pelos melhores vinhos franceses (se bem que nas sobremesas brilhou um Madeira D'Oliveiras Malvazia 1991) num ambiente requintado mas sem ser austero. Para quem poder, recomendamos vivamente, não se vão arrepender ;)
Restaurante tradicional internacional do ano: Põhjaka manor (Järva County, Estónia)
Entre Tallin e Riga (capital da Letónia) surge o melhor restaurante da roadtrip de Verão e um dos que mais me marcou: o Põhjaka manor, no condado de Järva. Apresenta menus sazonais, quase sempre confeccionados no fogo, e que mudam diariamente (em função do que o quintal/quinta de melhor tem para oferecer naquele dia) e que respeitam, fielmente o cânone gastronómico local. Este restaurante com fama internacional está implementado numa mansão construida em 1820 e cercada por belos bosques. A gastronomia oferecida é despojada e rústica, mas ao mesmo tempo fina e elegante. Chega-nos em porções generosas e com um sentido estético muito apurado.
Chefe do ano: Rui Paula
Já por diversas vezes destaquei a excelência do que vai fazendo por todos os lugares por onde vai passando. Excelência essa assente no conhecimento, na destreza e na cozinha com memória e para as memórias. O que ele fez este ano Le Garage, no DOP, na Casa de Chá da Boa Nova e no DOP só vem reforçar o que já achava dele: que é um predestinado. Tal como um bom actor, procura aumentar a realidade, neste caso a da gastronomia tradicional lusitana, mas apenas o suficiente para que o seu público, nós que nos sentamos nas mesas dos seus restaurantes, nos possamos identificar com a mestria das suas obras, cada uma delas, adaptadas ao contexto onde se inserem, sem que em conjunto percam identidade. A excelência é um acto que se cultiva diariamente, em qualquer local, contexto ou situação, nem que para tal, tenhamos de colocar o restaurante numa bola de sabão.
Chefe revelação: Milton Ferreira
Confesso que quis visitar a Quinta do Portal pelos seus vinhos, pela Casa das Pipas, e pela sua localização privilegiada. Não estava à espera, não estava nada à espera de encontrar uma proposta gastronómica tão cheia de tudo (de irreverência, de risco, de conforto, de generosidade, de ligação à terra e ao produto local) como a que o Chefe Milton Ferreira por lá exibiu nesses dias. O equilíbrio irrepreensível, a acidez, o sal no ponto, as diferentes texturas, os diferentes jogos de contrastes e equilíbrios, servidos à mesa conjuntamente, sem perder a ligação ao Douro e a fio condutor em todo o menu, faz-me crer que o Milton vai longe, muito longe!!! Para além deste menu verdadeiramente arrebatador, por vezes até inesperado no que à complexidade diz respeito, existem outros dois.
Chefe em destaque: Nuno Matos
O Chef Nuno Matos e a sua equipa estão empenhados na composição de pratos saudáveis e sustentáveis utilizando produtos da horta biológica do hotel, criando os seus próprios ingredientes e utilizando técnicas tradicionais e naturais. Isto é pensar na comida a um nível diferente sem comprometer os objectivos finais de sabor e felicidade. No Six Senses Douro Valley, o conceito gastronómico reúne o melhor dos dois mundos culinários para a sua indulgência ocasional: é saudável e é também delicioso. Nessa vertente gastronómica destacamos ainda a particularidade do Chefe Nuno Matos (este é daqueles que vai longe, e não arrisco mesmo nada em dizer isto). Promove pratos muito naturais e aparentemente simples (quer no número quer no tipo de elementos), tentando destacar a qualidade e frescura dos produtos que usa, maioritariamente, sazonais e locais. Inclui também elementos não locais, para adicionar algo distinto (quase irreverente) ao prato, escondendo sabores que dão uma outra camada de emoção e identidade. Trabalha a acidez dos pratos de um modo como ainda não havia encontrado em Portugal e isso faz com que o palato esteja sempre desperto para o próximo prato e para o próximo sabor escondido.
Prato do ano: Robalo, lingueirão e cevadinha de bivalves (Rui Paula)
Este é um prato que agrada tanto à vista quanto ao palato. Nela, a tradicional concha do lingueirão foi trocada por uma comestível (temos apenas alguns segundos para desfrutar dela em todo o seu esplendor). Em conjunto, todos os elementos, provocam um mergulho num mar gastronómico através de um robalo espectacular. É um prato muito complexo, na apresentação, nas texturas, nos sabores e nos aromas, estando todos estes vértices unidos pelo mar.
Prato tradicional do ano: Linguado do mercado de Matosinhos (Vinum at Graham's)
Linguado do mercado de Matosinhos. Sem dúvida o momento alto da refeição no Vinum at Graham's, momento esse alicerçado quer na excelência do produto quer na mestria da sua confecção. Como condimentos apenas muito azeite, bastante alho, algum vinagre e Guindilla basca. Ácido, intenso, delicado e carregado de sabor. Este é um daqueles pratos que nos faz lamber os lábios!!!
Sobremesa do ano: Torta de azeitona, sorvet de lima, pólen de abelha, azeitonas, curd de limão e microgreens (André Silva) e Os chocolates (Rui Paula)
8 anos de blogue e é a primeira vez que tenho de "dividir" um prémio. Duas sobremesas incriveis por dois Chefes predestiandos.
A primeira, Torta de azeitona, sorvet de lima, pólen de abelha, azeitonas, curd de limão e microgreens. Só poderia ter saído da cabeça do André. É seca e doce, é ácida e untuosa, e é subtil e exagerada. Passeia-se no palato, cheia de si, e com uma explosão de sabores, texturas imensas e uma acidez estonteante.
A segunda, Os chocolates com brownie de chocolate, mousse de chocolate de leite, crocante de avelã, mousse de chocolate branco e gelado de chocolate branco, de Rui Paula. Com diversos tipos, texturas e intensidades de chocolate, esta foi uma sobremesa que se demonstrou camaleónica e bastante heterogénea na prova, pois a cada momento iam surgindo diversos sabores, contrastes, intensidades e harmonias. É um autêntico hino a este nobre e muito apreciado produto.
Sobremesa tradicional do ano: Pudim de queijo da serra (3 pipos)
Não obstante de todas as sobremesas servidas no 3 Pipos enobrecerem o cânone gastronómico da região, o Pudim de queijo da serra conquistou-me (acreditem que falei dele durante semanas!!!). É quase como se fosse um Abade Priscos com a doçura controlada, com a complexidade reforçada e com um aroma a queijo da Serra arrebatador. É despretensioso, mas ficou logo ali na lista das sobremesas do ano para o blogue.
Harmonização do ano: Do Fumeiro: enguia fumada Hardy, foie gras e toranja com Pera Manca Branco 2020 (Diogo, Le Monument Restaurant)
"Do fumeiro" surgiu uma inesperada enguia fumada Hardy, foie gras e toranja, que conjugava as notas que normalmente associamos a um fumeiro de carnes com a nobreza do foie e ao sabor intenso e acidulado da enguia. Foi harmonizada, na perfeição com as notas fumadas, papaia, pessego, acidez aguerrida, elegancia e gulosa untuosidade do Pêra Manca 2020. Um belo momento enogastronómico. Parabéns Julien e parabéns Diogo!!!
Brunch do ano: Six Senses Douro Valley
Um conceito verdadeiramente diferenciador. Servido em modo "menu de degustação", o desfile começa com um dip sazonal e pão caseiro, azeite virgem extra de Trás-os-Montes, uma salada de folhas verdes biológicas, ostras frescas da costa atlântica (uma perdição!!!) e uma selecção de queijos e presuntos portugueses. Seguem-se um tiradito de robalo, uma abóbora assada, um robalo assado com molho béarnaise e uma selecção de carnes maturadas grelhadas no forno a carvão. O menu acaba com três sobremesas e pode ser acompanhado por uma selecção de 5 vinhos.
Sommelier do ano: Elisabete Fernandes
A distinção não se deve apenas ao serviço de excelência que promove no restaurante gastronómico (o menu de harmonização premium é verdadeiramente assombroso!!!) mas também ao dinamismo, primor e empenho que transporta para iniciativas no The Yeatman como a loja de vinhos, o Christmas Wine Experience, as Sunset Wine Parties, o clube de vinhos, ou os jantares com produtores.
E estão assim "entregues" todos os prémios relativos aos ano de 2022. Obrigado a todos os hotéis, restaurantes, produtores, agências de comunicação e agentes turísticos, aquém e além fronteiras, por todas as memórias criadas neste ano incrível de 2022. A maior parte de vocês passaram de colaborações a amigos e isso é o maior elogio que vos posso fazer, bem hajam!!!
Jeremy Irons no filme "The Time Machine" (adaptado do livro com o mesmo nome escrito por H.G. Well) diz-nos que todos nós temos as nossas máquinas do tempo interiores. Algumas levam-nos pra trás, são as chamadas memórias. Outras levam-nos para frente, são por isso chamadas de sonhos. Bora virar a manípulo dessas maquinas na direcção do futuro para começarmos a criar a lista para os melhores de 2023, pois estamos, verdadeiramente, ávidos de voltar a fazer do nosso palato um parque de diversões!!! ;)