Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua | Nos olhos de um elo perdido
"Todos nascemos 100 anos antes de vir ao mundo." Fátima Campos Ferreira
Como acontece com qualquer outra espécie, também a população humana foi moldada pelas forças relacionadas com a selecção natural. São disso exemplo a fome, as doenças, as guerras ou os desastres naturais. Na última década uma nova força tem ganho notoriedade na explicação dessa evolução condicionada. Essa força surge com uma implicação surpreendente: a de que nos últimos 20.000 anos, as pessoas esculpiram, inadvertidamente, a sua própria evolução.
Essa força é a cultura, amplamente definida como qualquer comportamento, tradição ou conhecimento, aprendido por um determinado grupo social. Entre outros, isso engloba a língua, as comidas típicas, a religião, a música, a arte e o vestuário. A evidência desta constatação é ainda mais surpreendente quando a relacionamos com o facto da cultura parecer desempenhar exatamente o papel oposto. Foi o caldo cultural que nos foi transmitido que nos levou a mitigar essa selecção natural. Desenvolvemos os abrigos contra tempestades, as roupas contra o frio e a agricultura contra a fome.
Foi por causa desta acção tampão, que os biólogos sempre conceberam a cultura como uma espécie de travão evolutivo, em que ao mesmo tempo que nos protegia dos perigos, também nos impedia de ganhar defesas genéticas contra os mesmos. Os estudos científicos mais recentes estão a fazer com que olhemos para essa cultura sob uma luz muito diferente.
Embora seja certo que a cultura protegeu as pessoas de outras forças, também é verdade que se assume como uma força poderosa de seleção natural. Isto porque, as pessoas adaptam-se geneticamente a mudanças culturais sustentadas. E essa interação funciona mais rapidamente do que outras forças selectivas, levando alguns cientistas a defender que a coevolução da cultura genética pode ser o modo dominante da evolução humana.
A maior evidência científica de que a cultura é uma força selectiva, é a tolerância à lactose que encontrámos em muitos norte-europeus. A maioria das pessoas "desliga" o gene que digere a lactose no leite logo após o desmame, mas nesses norte-descendentes de uma antiga cultura de criação de gado que surgiu nessa região há cerca de 6.000 anos, na qual a grande parte de nós se inclui, o gene permanece ligado na idade adulta.
A tolerância à lactose é agora reconhecida como um caso em que uma prática cultural, a de beber leite, causou uma mudança evolutiva no genoma humano. Presumivelmente, esta nutrição extra foi tão vantajosa que os adultos capazes de digerir o leite deixaram mais descendentes sobreviventes, fazendo com que a mudança genética varresse toda a população.
Os mais cépticos dizem que essa relação entre leite e alterações genéticas não poderia ser totalmente atribuída à cultura, uma vez que sendo a lactose um composto químico (um dissacarídeo, que é composto por dois monossacarídeos: a glicose e a galactose) poderia desencadear uma reacção química que teria como consequência uma alteração genética.
Em resposta a este cepticismo, os cientistas apresentaram outra evidência, desta vez deixando a alimentação de parte. O modo como culturalmente praticamos sexo também molda os nossos genes. Nas regiões onde a prática cultural do casamento entre parentes consanguíneos era mais comum, eram também detectados mais frequentemente alelos muito raros associados a doenças genéticas.
Mas se pensarmos bem, quer o consumo de leite quer os hábitos sexuais podem não advir somente do caldo cultural que nos foi transmitido pelos nossos antepassados, podem apenas resultar da imitação de atitudes que vemos nos outros membros da nossa comunidade, aquilo que hoje vulgarmente definimos como moda. O comportamento de outros animais parece fortalecer este argumento.
Os humanos não são a única espécie com a capacidade de "aprender a usar ferramentas", a imitar comportamentos ou a formar grupos sociais complexos. Os chimpanzés, as formigas e as abelhas são exemplos de "sociedades" que funcionam bem com essa informação transmitida pela observação. Mas então, o que é que aconteceu na evolução humana que fez com que a nossa espécie se destacasse dos outros hominídeos? Porque é que a nossa cultura é diferente da das outras espécies?
Várias teorias apontavam para a nossa capacidade única de desenvolver cultura através de uma aprendizagem social, uma capacidade de ensinar e aprender com os outros, como o ponto de viragem na evolução humana. Somos humanos porque aprendemos algo que nos foi ensinado por outros humanos. Todas essas teorias passaram a ter uma evidência prática em 2020, através de um artigo publicado na prestigiada revista Journal of Philosophy of Education.
Esse artigo reportava uma experiência muito curiosa. Quando crianças de 4 anos eram solicitadas a tirar um amendoim de um tubo de plástico alto e fino, usando apenas água, quase todas elas não percebiam que enchendo o tubo com água lhes resolveria o problema. Quando previamente lhes era mostrado um vídeo com fantoches a executar uma tarefa igual, as crianças continuavam incapazes de resolver o problema.
No entanto, quando o mesmo vídeo era exibido antes da tarefa com um enquadramento pedagógico por parte de um humano (“atenção, vou-vos mostrar uma coisa importante para vocês"), a maioria das crianças conseguia sacar o amendoim. Ou seja, se as crianças percebessem que um seu semelhante lhes iria transmitir algo que é importante para o grupo, ficavam imediatamente mais predispostas a aprender e também a transmitir esse novo conhecimento aos pares.
Curiosamente, essas crianças também evidenciaram uma capacidade de seleccionar que informação era importante ser passada para os outros. Noutra experiência, era ensinada informação sobre um determinado animal. Essa informação era composta sempre por um facto genérico que se aplicava a toda a espécie (“os leões mordem”) e por um facto episódico específico para um animal individual (“por acaso este leão é meigo e não morde”).
Quando a estas crianças lhes era pedido para falarem sobre um leão a outras crianças, as mesmas relataram consistentemente informações genéricas (cuidado, o leão morde!!!) em vez de episódicas (pode haver um leão que não morda).
Assim, e ao contrário dos outros animais, os humanos são capazes de seleccionar a informação que é útil a toda a espécie, deixando de lado aquilo que poderia beneficiar apenas alguns. É desse caldo onde vamos colocando informação que é benéfica/vantajosa para a nossa espécie que vamos criando cultura e reforçando geneticamente a nossa evolução.
É nesta relação (ainda muito pouco esmiuçada) entre o caldo cultural que nos é oferecido pelas gerações anteriores e as mudanças genéticas daí decorrentes que muitos antropólogos encontram o Elo Perdido, o último chimpanzé-humano, o último ancestral comum aos chimpanzés e aos seres humanos. Depois dele, nasce o primeiro homem "apenas homem" e não chimpanzé, a evolução foi acontecendo até chegarmos aos nossos dias.
Depois deste primeiro passo, dado provavelmente há mais de 3 milhões de anos!!!; surge outro igualmente importante mas bem mais recente. A introdução da tecnologia no triângulo da evolução há 20.000 anos. Cultura, genética e tecnologia nunca mais se separaram. É nessa altura que o nosso cérebro cresce quando começamos a ... cozinhar.
A "invenção" da comida cozinhada, que é mais facilmente digerível, não requer uma estrutura muito complexa do intestino de um primata. Cozinhar alimentos, na altura, exigia engenhosidade humana, assim essa tecnologia inovadora (na altura) permitiu que os nossos genes passassem parte da "atenção" dedicada ao intestino para o cérebro. Isso fez-nos mais inteligentes.
Os humanos continuaram a desenvolver novas formas de melhorar a sua qualidade de vida: com as invenções agrícolas que então mudaram a forma como viviam a nível local; com o desenvolvimento de armas que condiciona continuamente as formas como ocorreram os conflitos no planeta; com o melhoramento de ferramentas e formas de pensar que permitiu o aparecimento de diferentes formas de arte: dimensão basilar do que hoje definimos como cultura.
A Revolução Industrial trouxe consigo a tecnologia moderna, com as máquinas e a automação. A simplificação da produção e o aumento geral da qualidade de vida permitiu o tempo, a vontade e o espírito inovador necessários para outras invenções, como os carros, os telefones, os aviões, os computadores e a internet. É apenas quando o básico está garantido no caldo cultural (os alimentos, o ensino, a segurança e a saúde) que olhamos para o futuro com os mesmos olhos que o último chimpanzé-humano olhou para o primeiro humano há mais de 3 mil milhões de anos.
A expressão "todos nascemos 100 anos antes de vir ao mundo" é normalmente usada pelos mais antigos. Fátima Campos Ferreira usou-a no seu livro "O Infinito Está nos Olhos do Outro" para metamoforizar esse caldo cultural que foi "fervido" 100 anos antes do nosso nascimento, e que nos foi dado a beber mal chorámos pela primeira vez, à saída do ventre da nossa mãe.
Todas as lutas, todos os avanços tecnológicos, todas as descobertas cientificas, tudo aquilo que semeamos hoje, será colhido apenas 100 anos depois, pelos que cá estiverem. Esse é o nosso legado. Hoje falo-vos de um homem, que pelo seu carácter visionário, faz com que o aroma do seu caldo de valores ainda se sinta pelo Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua : Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
Fidalgo cavaleiro da Casa Real, capitão de infantaria e ajudante-de-ordens do marechal-de-campo Francisco Maclean, combateu na Guerra Fantástica (1762) como alferes de cavalaria e prosseguiu a carreira militar até aos 31 anos. Em 1771 foi escolhido para Governador e Capitão-general do Mato Grosso. Ficará no Brasil 17 anos, acabando por ser substituído pelo seu irmão mais novo.
Durante a sua longa estadia numa das regiões mais remotas do Império Português, realizou um trabalho exemplar de construção de fortes, que delimitaram até hoje a fronteira ocidental do Brasil. O dinamismo, a inovação e espírito visionário que envolveram a fixação das fronteiras da coroa portuguesa no extremo ocidental do Brasil é expresso por um eleogio que foi feito pelo governador espanhol de Santa Cruz de la Sierra a Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres: O mais ambicioso dos governadores portugueses.
Regressa a Portugal e através da reabilitação do solar erigido no século XVIII, cria a Casa da Ínsua. O edifício mantém a imponente fachada e apresenta um interior ricamente decorado, com presença de azulejaria barroca, tectos trabalhados, lareiras de grande beleza arquitectónica, armas indígenas brasileiras e diversas pinturas nas paredes que nos contam um pouco da história do país e do modo de vida da nobreza da época. Cada quarto possui um nome associado à história da casa, oferecendo grande conforto e uma atmosfera única.
A ligação ao Brasil é mantida através de um valioso espólio documental na sua rica biblioteca, relativo ao Brasil setecentista, da exposição de ferramentas de caça e pesca dos índios do Amazonas do século XVIII e de um acervo gráfico de inigualável importância e representativo da paisagem tropical há três séculos.
O espírito inovador verifica-se, entre outros inúmeros aspectos, na central termoeléctrica de produção de electricidade da Casa da Ínsua construída em 1893 (este foi dos primeiros locais com electricidade em Portugal), na pioneira fábrica de gelo (que também abastecia o hospital de Viseu), e nos aquecedores que também serviam para aquecer a louça antes das refeições.
É possível também visitar a antiga serralharia, uma antiga área produtiva que fornecia toda a propriedade com toda a maquinaria e instrumentos restituídos ao seu estado original, recapturando o ambiente de outros tempos até ao mais ínfimo pormenor. A decoração, o mobiliário, os utensílios, as lareiras e as peças de arte acabam por conjugar passado e presente, com detalhes que fazem os visitantes sentir-se como parte da história da Casa da Ínsua.
Esta casa reserva aos seus hóspedes o acesso aos jardins românticos com mais de 800 anos. Os jardins Inglês e Francês são notáveis pela originalidade e pela variedade de espécies que exibem, algumas delas raras em Portugal, trazidas das viagens dos Albuquerque. No jardim Francês sobressaem uma raríssima flor de lótus, originária da Índia, e uma magnólia monumental de 1842.
Entre as diversas actividades a que os hóspedes se poderão dedicar contam-se a participação nas vindimas, entre Setembro e Outubro, e em provas de vinhos, com a orientação dos enólogos da quinta. Da mesma forma, poderão acompanhar a produção dos vinhos Casa da Ínsua, a manufactura de queijos (a Bia e o Gui adoraram, acho que as fotos demonstram isso mesmo!!!), feita entre Novembro e Junho, e de compotas, ao longo de todo o ano.
A gastronomia é igualmente um dos pontos fortes deste Hotel, com especial destaque para a cozinha regional interpretada de um modo mais apelativo e harmonizada com os vinho Casa da Ínsua. Das propostas gastronómicas destacamos o ombro amigo do Creme de Castanha com crocante de presunto; o Strudel de alheira e abacaxi cheio de acidez e intensidade, o Risotto de lulas e salicórnia (um dos mais surpreendente que provei até hoje), o perfume a mar encantador do Bacalhau confitado com puré de alho e pimentos; e a originalidade, conforto e suculência do Tornedó de cabrito com arroz de grelos.
Ainda na gastronomia, o restaurante da Casa da Ínsua propõe um menu de degustação vínico com Carpaccio de novilho com queijo velho da Casa da Ínsua (divinal!!!), Polvo em Pomme de ervas do jardim e beterraba (crocante, untuoso e com um puré super delicado), Sorbet de abacaxi e gengibre em forma de prepara-palato, Cabrito em tornedó com legumes da horta (com o cabrito desossado e carregado de sabor e ligeiramente confitado), e o Bolo do cardo com bola de gelado e doce de abóbora Casa da Ínsua. O Bolo do cardo vale por si só a visita ao restaurante, provem que não se vão arrepender. Provem também a Aguardente Velha Casa da Ínsua, provavelmente a melhor que experimentei até hoje.
O pequeno almoço é rico, diversificado, assente em produtos da máxima qualidade, e, não menos importante, pode ser acompanhado por um belo espumante da Casa da Ínsua. Quanto aos vinhos, aconselho-vos a provar as notas complexas (frutos silvestres, ginja, violetas, pimenta preta e baunilha), taninos austeros, volume e elegância do Casa da Ínsua Reserva 2017 (15.00 €, 92 pts.).
Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres era um homem visionário, culto, generoso e com extremo bom gosto. A sua maior riqueza não foi o ouro do Brasil. Foi aquilo que o ouro lhe permitiu fazer. Foi à procura dos melhores artistas, das inovações tecnológicas mais modernas, das melhores vinhas, dos materiais mais raros, das árvores mais imponentes, para criar um solar que resistisse ao tempo. No final da sua vida, entregou-o à família, garantindo que dela não saía. Família essa, que através de uma colaboração com o grupo Montebelo Hotels & Resorts, permite que também nós, bebamos um pouco deste caldo cultural. Para mim foi um privilégio.
Nestas lides dos blogues por vezes dizemos coisas demasiado banais (embora eu me esforce para não o fazer), mas a magnificência do Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua obriga-me a recorrer a um cliché: este é um dos segredos mais bem guardados do nosso país. Visitem-no enquanto a aura de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ainda passeia por lá ;)