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No meu Palato

No meu Palato

Casa Amarela - Casas da Quinta | Uma carta e um beijinho

"O rio defronte descia, preguiçoso e como adormentado sob a calma já pesada de maio, abraçando, sem um sussurro, uma larga ilhota de pedra que rebrilhava. Para além a serra crescia em corcovas doces, com uma funda prega onde se aninhava, bem junta e esquecida do mundo, uma villasinha clara. O espaço immenso repousava n’um immenso silencio...  Jacintho adiante, na sua egua ruça, murmurava: Que belleza!" Eça de Queirós

 Casa Amarela - Casas da Quinta Marcado por uma intensa ironia, o enredo de "A cidade e as serras" desenrola-se em torno de Jacinto, herdeiro afortunado da antiga aristocracia rural portuguesa. Este protagonista vivia uma vida confortável e abastada em Paris, mas foi obrigado a regressar à modesta Tormes, um pequeno lugarejo serrano no norte de Portugal, para resolver assuntos familiares.

 Casa Amarela - Casas da Quinta Jacinto sentia-se entediado e infeliz na agitação de uma cidade grande como Paris. É ao entrar em contacto com a paisagem rústica e natural do Douro, que descobre um novo modo de vida até então desconhecido e decide embeber-se nele. Este contraste entre a vida cosmopolita de Paris e a simplicidade rural de Tormes conduz a uma interessante reflexão sobre as diferentes formas de existência.

 Casa Amarela - Casas da Quinta Publicado um ano após a morte do autor (esta obra foi inicialmente ignorada quer pelos críticos, quer pelo público), "A cidade e as serras" é considerada um dos marcos da fase final da produção de Eça, pincelada por um tom mais leve e bem-humorado, ainda que não deixando de discutir as questões existencialistas.  Nessa obra de Eça, é reavaliado o conceito de civilização tão em voga no século XIX.

 Casa Amarela - Casas da Quinta O livro explora ainda a temática da mudança constante do tempo e da evolução da sociedade, enquanto oferece um retrato crítico acerca da experiência de viver nesse mesmo contexto. Numa das últimas vezes que visitei o Douro, percebi que essa busca por uma experiência mais autêntica e próxima da natureza, ecoa alguns dos aspectos do que o turismo dessa região deveria ser nos dias de hoje. 

 Casa Amarela - Casas da Quinta O aumento do interesse turístico pode trazer consigo questões de desenvolvimento descontrolado que podem importar para o Douro os mesmos problemas que Jacinto encontrou na frenética e impaciente Paris. 

CASA AMARELAUma cidade monótona e artificial, com eventos sociais repetitivos num ambiente culturalmente vazio, onde a superficialidade prevalece; com falta de contacto com a natureza; com excesso de agitação, azáfama e stress; e que promove um enorme afastamento das raízes e tradições.

 Casa Amarela - Casas da QuintaNesse sentido, o Douro, deve capitalizar essas raízes através das suas paisagens deslumbrantes com vinhas, socalcos e cursos de água sinuosos, pois é isso que o afasta de Paris, podendo atrair viajantes em busca dessas experiências mais únicas, menos padronizadas, mais personalizadas, e por tudo isso ... mais autênticas. 

 Casa Amarela - Casas da Quinta Da mesma forma que Jacinto procurava uma fuga da cidade grande para encontrar uma conexão mais profunda com a natureza, os turistas que procuram este turismo mais autêntico, desejam, sobretudo, desconectar-se do ritmo acelerado das grandes cidades e apreciar a beleza serena, autóctone e natural da região.

 Casa Amarela - Casas da QuintaÉ esse quebrar de amarras com o superficial que nos permite vivenciar o quotidiano local, desfrutando da cultura, da gastronomia e dos vinhos produzidos na região património mundial. 

 Casa Amarela - Casas da QuintaAlém disso, tal como a obra de Eça de Queirós reavalia o conceito de civilização e questiona essa moda comportamental do século XIX, este turismo mais significativo no Douro também pode ser interpretado como uma reacção à massificação do turismo da região.

 Casa Amarela - Casas da Quinta A 4 de Agosto de 2020 a Quinta da Casa Amarela abriu um novo projecto que se foca exactamente nisso, num turismo mais genuíno, com raízes a cada esquina. Projecto esse que se assume como um novo pilar da Quinta da Casa Amarela, já sustentado por outros: a viticultura, a produção de vinhos DOP – Douro e Porto – e o enoturismo.

 Casa Amarela - Casas da QuintaA casa de 1835 faz parte do projecto familiar e foi requalificada e reabilitada, respeitando a história e o território envolvente, mas de um modo que lhe conferisse o conforto e a modernidade para quem a exigência e a qualidade são requisitos na escolha. 

 Casa Amarela - Casas da QuintaDispõe de 4 suites no interior da Casa e uma suite exterior com a assinatura do reconhecido designer de Interiores Paulo Lobo. Quando planeado com tempo, é possível usufruir de tudo isto em regime de exclusividade. 

 Casa Amarela - Casas da QuintaPara que a experiência não fique sócio-culturalmente vazia, a Quinta da Casa Amarela propõe uma enorme variedade de actividades, tais como experiências vínicas (provas de Vinho do Porto com chocolate e descoberta do perfil pessoal de vinho), gastronómicas (sabores do Douro: queijos, enchidos e azeite; e degustação de bôlas regionais); culturais (visita monumental e histórica a Lamego, e ao Museu do Douro na Régua); e naturais (passeio ao longo do rio Douro, seguido de picnic em lugar surpresa e cruzeiro em barco “rabelo” com prova de vinhos a bordo).

 Casa Amarela - Casas da QuintaA nossa experiência na Quinta da Casa Amarela começou com a visita aos cascos de 1885, embalados pelas 4 estações de Vivaldi, na companhia do amicíssimo administrador Gil Regueiro e prosseguiu com uma incrível prova dos vinhos produzidos na propriedade.

 Casa Amarela - Casas da QuintaNela ficámos a conhecer a frescura, intensidade e fruta vermelha do Casa Amarela Rosé 2021 (11.00 €, 86 pts.); e a pedregosidade (xisto molhado), flores silvestres, acácia-lima, damasco, baunilha, ligeiro fumo, finesse, austeridade, garra e densidade do impressionante Casa Amarela Grande Reserva Branco 2019  - um dos melhores brancos que provei no Douro (39.00 €, 93 pts.). 

 Casa Amarela - Casas da QuintaNos tintos gostei muito das amoras, cassis, framboesa, pimenta preta, violetas e elegância do Casa Amarela Selection km20 2020 (17.00 €, 87 pts.); da fruta do bosque, compota de ameixa, pimenta branca, sous-bois, trufa, cacau, tosta, elegância, carnosidade e equilíbrio do Quinta Casa Amarela Grande Reserva 2016  Elísio (50.00 €, 93 pts.), e de tudo no Quinta Casa Amarela Laura 2017 (70.00 €, 97 pts.).

 Casa Amarela - Casas da QuintaNão é um vinho consensual mas encheu-me as medidas. De traje rubi intenso, mostra no nariz ameixa preta, cassis, cereja madura, esteva, baunilha, pimenta preta, xisto e caixa de tabaco. Na boca passeia-se com taninos por camadas, enorme estrutura, densidade, elegância, equilíbrio e complexidade.

 Casa Amarela - Casas da QuintaJá nos Portos, gostei muito do frutos silvestres, ameixa vermelha, pimenta preta, tosta e frescura do Quinta Casa Amarela Porto Reserva (25.00 €, 87 pts.); da telha de amêndoa, nozes, figos secos, canela, cacau, pinho, harmonia e frescura do Quinta Casa Amarela Porto Tawny 10 anos (36.00 €, 91 pts.); e da compota de frutos silvestres, cereja, mirtilos, lagar, intensidade, elegância e persistência do Quinta Casa Amarela LBV 2017  (30.00 €, 89 pts.).

 Casa Amarela - Casas da QuintaO Quinta Casa Amarela Vintage 2017 (30.00 €, 94 pts.) merece uma análise mais detalhada. De porte rubi-violeta muito concentrado, passa para o nariz com notas de mirtilos, amoras silvestres, ginja, cacau, canela e engaço. No palato mostra intensidade, taninos redondos, complexidade, equilíbrio, austeridade e uma enorme frescura. Precisa ainda de umas décadas em garrafa para se poder mostrar em todo o seu esplendor.

 Casa Amarela - Casas da QuintaDepois desta prova muito rica e de termos passeado um pouco pela quinta, era chegada a hora do jantar. Para não perder a autenticidade (lembrem-se que foi por aí que esta história começou) o cardápio era totalmente concebido com base no que de melhor a gastronomia regional tem para oferecer.

 Casa Amarela - Casas da QuintaComeçamos por umas Tostas de queijo Brie e compota de pimentos, seguindo-se uns Folhados de tâmaras e bacon e uma Tábua de queijos e enchidos.

 Casa Amarela - Casas da QuintaA reconfortante Sopa de ervilha e lentilhas com croûtons serviu como desculpa para voltarmos a provar o surpreendente Casa Amarela Grande Reserva Branco 2019, uma delicia!!!

 Casa Amarela - Casas da QuintaSeguiu-se um dos melhores Arroz de pato que provei até à data. O arroz tinha absorvido as notas gulosas do pato e do caldo caseiro, ganhando um sabor profundo e rústico. A carne tenra e suculenta do pato desfazia-se na boca, libertando notas de um sabor intenso e ao mesmo tempo harmonioso. Os temperos, como o louro e a pimenta, dançavam no palato, adicionando uma pitada de alegria mas sem se sobreporem ao resto.

 Casa Amarela - Casas da QuintaPara sobremesa uns Papos de anjo harmonizados com o Quinta Casa Amarela Porto Tawny 10 anosOs papos de anjo são pequenas maravilhas culinárias que nos remetem para uma espécie de pedra preciosa doce, tentadora e brilhante. A sua massa suave, levemente adocicada e com uma textura aerada, derretia na boca, libertando a fragrância da calda de açúcar quase caramelizado e das especiarias que nos despertam memórias das tradições culinárias passadas de geração em geração no Douro, evocando, também assim, a história e a cultura da região. A companhia vínica foi simplesmente perfeita.

 

 Casa Amarela - Casas da QuintaFoi por tudo isto, vinhos, experiências locais, alojamento requintado mas com alma, gastronomia regional e serviço próximo, amigo e profissional, que o Jacinto d "A cidade e as serras" do Eça de Queiróz me pareceu ser o anfitrião histórico-cultural ideal para esta publicação relativa à Casa Amarela - Casas da Quinta.

 Casa Amarela - Casas da Quinta"A cidade e as serras" continua a ser uma obra fascinantemente actual, abordando questões relevantes sobre a vida, as relações, os migrantes, as comunidades, a identidade e a busca por uma existência autêntica.

 Casa Amarela - Casas da QuintaEm última análise, "A cidade e as serras" é também uma reflexão sobre os valores humanos e a essência da felicidade, sugerindo que o verdadeiro significado da vida pode ser encontrado ao valorizar as experiências mais autênticas e mais genuínas, em contraposição à busca incessante por riqueza material e vivência superficial.

 Casa Amarela - Casas da QuintaQuase no final, d"A cidade e as serras", o Jacinto decide romper com a tal vida cosmopolita em Paris e opta por viver permanentemente em Tormes, abandonando a agitação e artificialidade da cidade grande e atribulada. Estabelece-se na região serrana de Portugal, desfrutando da serenidade e da beleza de um Portugal mais desconhecido em que o tempo parece passar mais devagar. 

 Casa Amarela - Casas da QuintaO livro termina com uma carta enviada por Jacinto ao seu amigo José Fernandes (que também é narrador), na qual ele descreve a sua decisão e os motivos que o levaram a escolher Tormes como seu lar permanente.

 Casa Amarela - Casas da QuintaNão tenciono mudar-me permanentemente para a Casa Amarela (:P), no entanto escrevi-vos esta carta em forma de publicação para vos mostrar que para conhecer verdadeiramente o Douro não há que ser extremista, pois há que ter um pé na autenticidade, natureza, rusticidade, pureza e tranquilidade de Tormes e outro na classe, no conforto, na modernidade e no requinte de Paris.

 Casa Amarela - Casas da QuintaAs casas da Quinta da Casa Amarela permitem-vos tudo isso e ainda o "extra" de se deliciarem com o que de melhor a enogastronomia local tem para nos seduzir. Se Jacinto a visitasse diria com certeza: "Que belleza!!!" ;) Um beijinho para a Laura e para o Gil por estes dias passados no Douro, cheios de autenticidade, alegria, felicidade, natureza, rusticidade, pureza e tranquilidade, tudo isto, sem nos desligarmos do conforto, da classe e de uma certa garbosidade.