Novos brancos Casa Velha | Rejuvenescimento global
"As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas." Sun Tzu
Os mais distraídos podem ainda não se ter apercebido mas o modo como tratamos o planeta está a moldar a maneira como ele nos "oferece" vinho. Se antigamente os melhores espumantes eram produzidos na região francesa de Champagne, o aquecimento global está a fazer com que as condições climatéricas ideais para a sua produção transitem para o Reino Unido. Pommery, Taittinger e Moët & Chandon são apenas alguns dos gigantes de Champagne que já iniciaram a plantação de vinha no Reino Unido, predominantemente na região de Hampshire- Kent.
O responsável por esta mudança abrupta de paradigma, o aquecimento global, é um fenómeno complexo e preocupante que afecta nosso planeta, mas no meio de tantas consequências nefastas, também podemos observar alguns laivos positivos em sectores específicos, como o da viticultura. Nas últimas décadas, os cientistas têm reportado um aumento nas temperaturas médias globais, que tem conduzido a alterações nos padrões climáticos e geográficos de muitas regiões vínicas. Essas mudanças podem beneficiar a produção de vinhos brancos em terroirs mais frescos e provenientes de altitudes mais elevadas.
Isso permite aos produtores mais perspicazes explorar novos terroirs, ricos em características únicas, como os solos heterogéneos ou a maior amplitude térmica entre o dia e a noite, o que pode conferir aos vinhos brancos maior complexidade e frescura. Além disso, o aquecimento global pode alargar a época de crescimento das uvas, proporcionando um período mais longo e quente para a maturação das diferentes castas. Esse período prolongado permite que as uvas amadureçam mais paulatinamente, resultando em vinhos brancos com sabores mais intensos, aromas mais complexos e níveis mais equilibrados de acidez.
Outra vantagem é que o aumento das temperaturas em regiões mais frias pode reduzir o risco de geadas tardias, que costumavam danificar as vinhas e prejudicar a produção de uvas. Com menos geadas e Invernos mais amenos, as plantações de vinhas nessas áreas agora podem prosperar, garantindo uma colheita mais consistente e de maior qualidade. Todo este contexto climático, leva-nos a Favaios, uma das regiões portuguesas que mais pode "beneficiar" deste aquecimento global.
Favaios já não é só dos moscatéis. Esta aldeia vinhateira do planalto do Douro e a emblemática adega que lhe dá vida afirma-se na produção de vinhos DOC brancos, potenciando as qualidades deste Douro mais fresco, localizado acima dos 500 metros de altitude. A gama Casa Velha produzida pela Adega é disso exemplo.
O caminho destes vinhos brancos do Douro vem sendo feito, desde há duas décadas, com estudo e experimentação por parte da equipa de enologia da Adega, a par de incentivos aos viticultores associados para plantar castas brancas que revelaram uma boa adaptação ao clima e ao solo de Favaios. Entre as variedades preferidas estão as mais conhecidas como a Gouveio, a Viosinho e a Arinto e também algumas mais raras e esquecidas como a Samarrinho.
Com cerca de 500 associados, a Adega realizou, nas duas últimas décadas, investimentos significativos na melhoria de condições dos centros de recolha das uvas e de vinificação, bem como nos espaços de acolhimento de visitantes, tendo a funcionar diariamente, desde 2012, um serviço de enoturismo, o qual inclui sala de provas, loja e espaço museológico.
Hoje falo-vos dos últimos 5 vinhos brancos apresentados pela Adega de Favaios, com a camisola "Casa Velha", um deles que recupera uma casta rara e esquecida do Douro: a já falada Samarrinho. Mas comecemos pelo Casa Velha branco 2022 (5.00 €, 83 pts.) que é produzido a partir de uvas colhidas a uma altitude entre 600 e 700 metros, em vinhas na freguesia de Favaios. Integra uma pequena percentagem de Moscatel (20 %), que contribui com o seu perfume para a harmonia do lote e combina muito bem com o Gouveio (40%) e Viosinho (40%). O vinho estagia entre três e seis meses, sendo o lote final constituído por 20% de vinhos de barricas usadas e 80% de inox. De porte amarelo citrino, exibe notas de maracujá, abacaxi, pêssego e um ligeiro anisado. Na boca é fresco, directo e descomplicado.
Já o Casa Velha Gouveio 2022 (6.00 €, 84 pts.), é uma das apostas da Adega de Favaios, pelo elevado potencial que a casta tem revelado nesta zona de planalto. Apresenta um perfil aromático de grande intensidade e muito particular. Resulta de maceração pré-fermentativa de três dias seguida duma longa fermentação (20 dias) em cuba de inox. Seguiu-se estágio integral em inox durante 6 meses. Traja um bonito amarelo citrino, passando para o nariz com notas de chá, flores silvestres, maracujá e alguma pedregosidade. No palato é fresco, focado e alegre.
Por sua vez, o Casa Velha Samarrinho 2022 (6.00 €, 85 pts.) é produzido a partir de uvas colhidas manualmente numa única parcela de vinha localizada a 650 metros de altitude. Nesta edição de estreia, em 2022, a vindima foi feita no final de Agosto. Após colheita as uvas são preservadas no frio antes da selecção em tapete de escolha. Segue-se o esmagamento e maceração pré-fermentativa a frio durante 72 horas. A fermentação decorreu integralmente em inox prolongando-se por 20 dias. O estágio foi também em cuba de inox durante 6 meses. Mostra uma cor amarela-cítrica cristalina e aromas de maçã verde, pêra, damasco, pimento vermelho e alguma perigosidade. No palato é fresco, longo e persistente.
O Casa Velha Reserva 2021 (6.00 €, 88 pts.) é um lote das castas Viosinho, Gouveio e Rabigato e nasce no seguimento do trabalho desenvolvido pela adega para a produção de vinhos DOC Douro através da selecção das melhores parcelas e clones, bem como de um acompanhamento mais próximo dos viticultores associados que fornecem as uvas. Este esforço culmina na vindima manual para pequenas caixas de 20kg, cuidadosamente vinificadas, e posteriormente, na selecção dos melhores lotes de vinhos. O estágio de um ano ocorreu em barricas de terceiro ano (70%) e cuba de Inox (30%). De cor amarela citrina cristalina, este vinho apresenta aromas de maça, ameixa amarela, damasco, acácia-lima, ligeira pedregosidade e baunilha. No palato mostra-se fresco, seco, untuoso, com boa estrutura e muito equilíbrio.
Por último, o Casa Velha Grande Reserva 2021 (15.00 €, 89 pts.) resulta das uvas/parcelas que oferecem, de forma sistemática, os melhores resultados, ano após ano. Com as castas Gouveio, Viosinho, Arinto e Rabigato, colhidas a uma altitude entre os 600 e 700 metros, este Grande Reserva branco da Adega de Favaios tem estágio de um ano em barricas de 1º e 2º ano (90%) e cuba de inox (10%). De porte amarelo citrino cristalino, mostra no nariz lima, pêssego, maçã verde, limonete, baunilha e anis. Na boca é untuoso, seco, fresco mostra muita garra. Peca pela falta de harmonia que só a garrafa lhe pode dar.
Por tudo isto, em Favaios aquecimento global para significar oportunidade a agarrar ;)