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No meu Palato

No meu Palato

AdegaMãe Bio 2021 | O vinho que brota da terra

“Cada novo conhecimento importante que se faz, decompõe-nos e volta a compor-nos. Se esse conhecimento for da maior importância, passamos por uma regeneração.” Hugo von Hofmannsthal

AdegaMãe BIO 2021A AdegaMãe lançou no mercado o seu primeiro vinho produzido a partir de Agricultura Biológica e Regenerativa. O AdegaMãe BIO 2021 surge de um lote quatro castas brancas portuguesas, provenientes de vinhas a um passo da adega, submetidas a uma viticultura que enquadra técnicas agrícolas sustentáveis, para defesa e restauração dos ecossistemas naturais, benefício do equilíbrio e vitalidade dos solos, da biodiversidade e da saúde humana.

AdegaMãe BIO 2021O AdegaMãe Bio 2021 resulta da vinificação de quatro variedades (Arinto, Viosinho, Fernão Pires e Alvarinho). Este é um vinho proveniente de um método agrícola que está a dar os primeiros passos, na defesa do equilíbrio dos solos, do ecossistema agrícola e, inclusivamente, da sustentabilidade do negócio.

AdegaMãe BIO 2021"Estamos a reforçar e diferenciar a nossa gama, mas igualmente a valorizar um método de produção do qual podemos retirar ensinamentos e que merece ser apoiado”, afirma Bernardo Alves, director geral da AdegaMãe. “Pretendemos que o vinho seja apenas uma expressão muito genuína do terroir de agricultura regenerativa onde nasce, por isso é um blend com uma enologia de intervenção minimalista. E assim temos um branco de frescura atlântica muito pura – mais um surpreendente branco de Torres Vedras, com notas cativantes e uma acidez que lhe sugere uma excelente evolução”, afirma, por seu turno, o enólogo Diogo Lopes.

AdegaMãe BIO 2021Nas vinhas de encosta trabalhadas pelo produtor Sérgio Nicolau, um antigo colaborador da AdegaMãe, “a cobertura vegetal, espontânea e com espécies propositadamente introduzidas, é garantia da saúde, da microbiologia e da estrutura do solo”.

AdegaMãe BIO 2021"A erosão é mínima. Os animais também são presença e ajuda preciosa. E mais do que evoluirmos na dependência de fertilizantes sintetizados, estimulamos a vinha a competir de forma saudável pelos seus nutrientes. Estamos a trabalhar e a estudar este método desde 2018 e os resultados que conseguimos aferir provam que este é o caminho”, afirma.

AdegaMãe BIO 2021O AdegaMãe BIO 2021 (7.50 €, 86 pts.) veste um bonito amarelo palha cristalino,  exibindo notas de flor de laranjeira,  limão, maçã verde,  e abacaxi. No palato é fresco, equilibrado, aguerrido, gastronómico e muito harmonioso.  Este blend de castas brancas portuguesas, com uma enologia de intervenção minimalista é uma expressão pura do terroir de Agricultura Regenerativa. Para além de tudo isto, carrega também a vibração, a acidez aguerrida,  a fruta generosa e a mineralidade salina, características dos néctares da AdegaMãe, e que por isso merece o meu aplauso. 

 

Dandy de Cidrô branco e tinto | Descomplicados à primeira vista, autênticos até à última gota

"A verdadeira felicidade vem da alegria de actos bem feitos, do sabor de criar coisas renovadas." Antoine de Saint-ExupéryDandy de Cidrô branco e tintoA Real Companhia Velha, a cumprir este ano 267 anos de actividade ininterrupta, continua com grande dinâmica e a fazer história nos vinhos do Douro. Nas últimas quatro décadas, em muito contribuiu a visão assertiva do presidente Pedro Silva Reis e, mais recentemente, a garra, paixão e sentido de missão da terceira geração da família, encabeçada pelos seus filhos: Pedro, na enologia, e Tiago, na gestão.

Dandy de Cidrô branco e tintoA mais recente aposta da Companhia,  lançada no mercado em Junho passado, passou pela criação de vinhos DOC Douro com um perfil aromático, fresco, textura leve e suave, e baixo teor alcoólico. Idealizados por Pedro O. Silva Reis – ainda um jovem na enologia, mas com uma destacada cultura vínica –, assim nasceu a dupla Dandy de Cidrô, cuja produção esteve a seu cargo e do seu mentor Jorge Moreira, director de enologia da Real Companhia Velha. Os Dandy de Cidrô branco e tinto são frescos, leves e aromaticamente muito finos. Fáceis de beber, sem formalidades e rodeios, a solo ou à mesa, são vinhos ao estilo de um Dandy, personagem de carácter cativante e encantador, divertido e com grande facilidade em agradar. Alinhado com o perfil dos vinhos está o seu preço, bastante modesto.

Dandy de Cidrô branco e tintoO Dandy de Cidrô branco 2022  (8.00 €, 84 pts.) é produzido com Cerceal (20%), mas, maioritariamente, Samarrinho (80%) – uma das nossas castas mais emocionantes; quase em extinção, a Real Companhia Velha foi pioneira e teve um papel preponderante no seu resgate. Encontrámos nesta casta, frescura e tensão, aliados a delicadeza e a um perfil aromático original. Os cachos são desengaçados e as uvas são prensadas numa prensa pneumática. Após uma decantação 24 horas, segue-se a fermentação alcoólica, em cubas de inox, a 14-16ºC. O vinho estagia em cubas inox, por um período de 6 meses até ao engarrafamento. De traje amarelo citrino, mostra no nariz pêra, melão, acácia-lima, leve resina e uma pedregosidade generosa. Na boca é fresco, alegre e directo.

Dandy de Cidrô branco e tintoPor sua vez, o Dandy de Cidrô tinto 2021 (8.00 €, 86 pts.) é produzido com três castas autóctones: Tinta Roriz (80%) e Tinta Francisca (12%), nas tintas, e a branca Viosinho (8%), conferindo exotismo e originalidade a este tinto. Optou-se por uma vindima antecipada, feita em meados de Agosto, a fim de se conseguir leveza, frescura de fruta e baixo teor alcoólico. Os cachos são desengaçados e as uvas levemente esmagadas, seguindo-se a fermentação alcoólica do mosto, feita em cubas de inox, a 24-26ºC. A prensagem decorre a um terço da fermentação acabar, numa extracção suave a fim de evitar o contacto com as películas.

Dandy de Cidrô branco e tintoO Viosinho é adicionado ao lote final, contribuindo para suavizar o palato e conferir exotismo, volume e amplitude de boca. Um vinho que seduz pela complexidade aliada à pouca concentração. O estágio é feito em balseiros de carvalho francês, durante 8 meses. Rubi suave no copo, passa para o nariz com frutos silvestres, esteva, pimento, canela e um couro muito subtil. Na boca é ponderado, leve, descomplicado e muito gastronómico. 

Estes Dandy de Cidrô, quer o branco quer o tinto, são simples à primeira vista, mas transportam o Douro até a última gota. Gostei muito!!!

Tasquinha da Linda | Homo ouriçapiens

"O ouriço-do-mar é como o mundo: redondo, frágil, escondido, molhado, secreto e hostil. O ouriço-do-mar é como o amor." Pablo Neruda

Tasquinha da LindaEstamos naquilo que hoje em dia chamámos África do Sul, há 200-150 mil anos atrás, e existem apenas 900 hominídeos. A humanidade enfrenta uma extinção eminente. Mas como chegamos ao chamado gargalo populacional, aquele momento em que a humanidade quase se perdeu para sempre? Alguns dos nossos primeiros ancestrais humanos foram confrontados com um evento climático que mudou a vida como a conheciam. Registos fósseis sugerem que o planeta, nessa altura, entrou num longo período glacial. Isso expandiu os desertos, tornou a atmosfera fria e seca, e causou uma grande queda na população de uma espécie conhecida como Homo sapiens

Tasquinha da LindaEsse evento climático que se revelou catastrófico para muitos Homo sapiens originou também um fenómeno interessante: a baixa diversidade genética da nossa espécie, que permaneceu até aos dias de hoje. Na nossa maioria somos o mesmo, pretos e brancos, altos e baixos, europeus e orientais, israelitas e palestinianos. Todos nós descendemos desses 900 Homo sapiens. Aliás, é por causa desse gargalo que somos das espécies animais que menor diversidade genética exibe. 

Tasquinha da LindaCom base em provas fossilizadas, parece que todos nós podemos ser rastreados até esse pequeno gargalo. Devido à localização geográfica deste acontecimento fracturante, ocorre outra coisa extraordinária com esses 900: um aumento desmesurado dos cérebros do Homo sapiens e consequentemente da sua inteligência (tendo em conta a percentagem de peso corporal, o cérebro humano é 15 vezes maior do que o de um gorila).

Tasquinha da LindaEste grande cérebro é a característica definidora dos seres humanos, dando origem à nossa capacidade incomparável de pensar, lembrar, formar abstrações, ser ... humano. O professor Michael Crawford, do Imperial College de Londres, defende em vários artigos científicos, conferências e no seu livro sobre nutrição evolutiva, “The Driving Force”, que temos “evidências incontestáveis” de que esse rápido crescimento cerebral do Homo sapiens (e da nossa dependência do DHA, uma das gorduras ómega-3, para a saúde do cérebro) deveu-se provavelmente a uma dieta rica em produtos do mar, mais especificamente, marisco.

Tasquinha da LindaO professor Crawford desafia, deste modo, a ênfase dada à teoria do Homo sapiens caçador. Ele chama a atenção para o facto de que ainda hoje, com as ferramentas modernas, a caça na savana africana é um desafio que requer funções cognitivas complexas, isto para já não falar da fabricação de ferramentas muito precisas. O facto dos seres humanos poderem abrir marisco com uma simples ferramenta afiada, ou até mesmo esmagá-lo com uma pedra, tornou esta rica fonte de alimento disponível para os nossos primeiros antepassados (não estando acessível aos outros animais). Basicamente,  precisamos de cérebro para caçar. E nos anos desse gargalo, ainda não tínhamos muito cérebro.

Tasquinha da LindaEsse pequeno bando de 900, expulso das planícies áridas e agrupado ao longo da costa sul-africana, tinha à sua disposição marisco, que empunhando pedras e ferramentas primitivas, conseguiam abrir e comer. Os primeiros restos humanos fossilizados da região de Pinnacle Point, na África do Sul, indicam claramente que o marisco era um alimento básico crucial da dieta ancestral, juntamente com as crias e os ovos de aves marinhas.

Tasquinha da LindaE os cérebros do Homo sapiens, já um pouco maiores que os de outros hominídeos, começaram a crescer rapidamente, e a partir daí sim, começarem a caçar. Tendo tudo isto em consideração, parece que os humanos foram salvos por mexilhões, amêijoas, vieiras, ostras e ouriços do mar.

Tasquinha da LindaAquilo que hoje somos, devemos-o à genética, ao ambiente em que crescemos, à educação que fomos submetidos, à nutrição (ou à falta dela), à exposição frequente a estímulos cognitivos e a uma boa saúde mental. Mas a tudo isto, temos de juntar ... o marisco ;)

Tasquinha da LindaAprendi grande parte do que vos escrevi acima, na procura de algo para vos contar acerca dos ouriços-do-mar. E porque é que era importante uma história sobre estes ouriços? Porque aquando da preparação da nossa visita à Tasquinha da Linda em Viana do Castelo, optou-se, ao contrário do que costumámos fazer, por colocar o foco nesse produto, mais concretamente na sua "versão" Arroz de Ovas de Ouriço-do-Mar. Sérgio Ramos, filho da dona Deolinda Ferreira, disse-nos que este era um prato que merecia ser desfrutado, com tempo, barriga e atenção. 

Tasquinha da LindaA Tasquinha da Linda está localizada à beira do cais do Lima, ao lado do Forte de Santiago da Barra, num antigo armazém de pesca, transformado num magnifico restaurante onde serve os seus clientes com o melhor marisco e peixe fresco de Viana do Castelo. Sérgio dá também uns toques na sala e é o sommelier do restaurante. Oferece uma impressionante variedade de vinhos, totalizando mais de 350 referências, incluindo 40 da região dos vinhos verdes. 

Tasquinha da LindaA mãe Deolinda, a Linda que empresta o nome ao restaurante, tem uma ligação quase umbilical ao mar, e sua herança familiar estende-se até seu bisavô, que também era pescador. Antes de entrar no sector da restauração, Deolinda Ferreira administrou uma empresa de venda e exportação de peixe. Toda esta experiência banhada a mar, muniu-a de uma vantagem significativa na selecção dos ingredientes que serve aos seus clientes, garantindo a máxima qualidade e frescura. Neste negócio familiar, é a filha Anaisa Ramos, pasteleira, que trata das sobremesas.

Tasquinha da LindaMas voltemos aos ouriços, que foi por isso que fomos a Viana. Dentro dessas criaturas espinhosas em forma de globo há um canal alimentar simples e cinco grandes lóbulos de ovas. As ovas têm textura escorregadia, porém cremosa e amanteigada, com sabor fresco e salgado de frutos do mar, com um final limpo e subtil. Na Tasquinha da Linda usam-nas para fazer um arroz caldoso delicioso, que é, gastronomicamente, o mais próximo possível a darmos um mergulho no mar. 

Tasquinha da LindaO rico e delicado Arroz de Ovas de Ouriço-do-Mar da Deolinda, encerra uma elegância, cuidado e intensidade de tal calibre que mereceram harmonização com um vinho de igual finesse e sofisticação, o Champagne Laurent Perrier Ultra Brut. Para já, leva o prémio de melhor harmonização do ano. 

Tasquinha da LindaPara além deste Arroz de Ovas de Ouriço-do-Mar completamente assombroso, desfrutamos ainda da frescura de umas Amêijoas à Bulhão Pato (simples, marinhas, um pouco salgadas e ligeiramente adocicadas, cujo sabor era acentuado pelo alho e coentros, e equilibrado pelo limão: viciantes!!!) e de um Polvo à galega (saboroso, rico, untuoso e com uma textura incrível) como entradas e de uns deliciosos Chocolates Caseiros feitos pela Anaisa e harmonizados com um Sandeman 20 anos. Ainda assim, o Arroz de Ovas de Ouriço-do-Mar, roubou para si todo o merecido protagonismo. É daqueles pratos que justifica por si só uma viagem. Sabor, textura, tradição, saber, generosidade, requinte, intensidade e .... mar, muito mar. Eu pelo menos voltarei, com muita fome, para prestar homenagem aqueles que nos deram origem: os Homo ouriçapiens :P