"Se as coisas são inatingíveis, não é motivo para não as querer. Que tristes seriam os caminhos se não fosse a presença distante das estrelas." Mário Quintana
Era uma vez, nas vastas terras da Serra da Estrela, um pastor cujo coração suspirava com o desejo de explorar terras desconhecidas, longínquas e misteriosas, onde os horizontes se estendiam além do alcance dos seus olhos, e os segredos do mundo aguardavam ser revelados a cada passo trilhado.
Certa noite, na presença do seu fiel amigo, um cão guardião, esse pastor conduzia o seu rebanho pelas encostas acidentadas e vales serenos, quando o céu se despiu de nuvens, revelando um espectáculo de estrelas avassalador. Uma delas desceu à Terra para sussurrar algo ao pastor.
A estrela, com a sua luz cintilante, prometeu ao pastor que, se ele seguisse seu brilho, encontraria o destino que sempre almejara. Após a sua mensagem tentadora, a estrela retornou ao céu. Movidos por essa promessa celestial, o pastor e o seu cão, partiram guiados pela estrela que os abençoara naquela noite.
Passaram inicialmente dias, depois meses, e mais tarde anos. Finalmente, alcançaram uma serra majestosa e imponente, cujo pico tocava os céus. Foi ali, próximo da estrela que os guiara, que pastor e cão decidiram estabelecer o seu novo lar.
Os dois viveram felizes, conversando com a estrela todas as noites, até que o tempo os chamou para além dessa existência terrena. Por sua vez, a estrela permaneceu nos céus, imponente, ainda mais brilhante do que as demais, pois tinha conhecido o amor de um pastor e de um cão. As saudades dos dois persistiriam para sempre.
A Serra da Estrela tornou-se, assim, um símbolo de coragem, amor e superação. Assumiu-se também com uma bela metáfora para a longa jornada, que por vezes é necessária, para alcançar os sonhos mais difíceis de atingir. No entanto, ao longo do tempo, a lenda da Serra da Estrela adquiriu diversas nuances.
Algumas versões sugerem que a estrela apareceu ao pastor num sonho, enquanto outras falam da perda do cão durante a viagem. Há outras que mencionam pastores que, ao alcançarem o cume da montanha, se tornaram reis, elevando a lenda a novos patamares.
No entanto, e apesar de todas as diferenças, mais ou menos significativas, todas elas falam dos dois protagonistas principais: o pastor sonhador e a estrela falante. As interpretações sobre a origem do nome da Serra da Estrela divergem, mas cada uma delas carrega consigo um encanto peculiar.
Mas o que haverá de verdade nesta lenda? Sabemos (ou, como vão ver mais à frente, se calhar sabemos erradamente) que a designação mais antiga para a mais alta serra de Portugal continental era Montes Hermínios, nome que ainda se mantém entre os visitantes mais eruditos.
O nome Serra da Estrela terá surgido depois, e talvez se referisse apenas a uma parte dela, a do Malhão da Serra, vulgo Torre, conhecida actualmente pelas duas torres de cúpula esférica que elevam o monte até aos 2000 metros. Contudo, estas torres não terão sido as primeiras ali construídas.
O Malhão da Serra foi, ao longo do tempo, vítima de intervenção humana: os populares sempre lá quiseram colocar um marco, numa celebração à sua elevada altitude. Nesse sentido, há quem defenda que o nome estrela evoluiu de "stelae", que pode ser traduzido como coluna ou marco.
Paulo Alexandre Loução, num livro publicado em 2013, refere que na montanha existiria um templo pré-cristão dedicado a Lúcifer. Não se assustem porque neste caso não estamos a falar do mafarrico. Lúcifer teria aqui a sua acepção primitiva, enquanto portador da luz, também conhecido por Vénus.
Tendo por boa esta hipótese, Vénus, a estrela da manhã, teria inspirado o nome dado à serra. O historiador Paulo Pereira refere algo similar, apontando a estrela polar como a origem etimológica da designação corrente. Existe ainda mais uma teoria, actualmente a mais aceite e talvez a mais bonita...
Há precisamente dez anos, um astrónomo português, de nome Fábio Silva, deixou-nos uma sugestão encantadora. Começou por estudar o megalitismo próximo da Serra, nomeadamente os dólmens. Chegou à conclusão que todos eles estavam virados para a Serra da Estrela, concretamente para uma das suas encostas, e que nesta, há 6000 anos, no final de Abril, nascia a mais brilhante das estrelas da constelação Touro: a estrela Aldebarã.
O final de Abril era a altura em que todos os pastores das cercanias pegavam nos seus rebanhos e se deslocavam até ao monte. A estrela Aldebarã funcionaria assim como um despertador no calendário da pecuária primitiva. E daqui surgiria o nome Serra da Estrela, contrariando a ideia de que montes Hermínios teria sido a terminologia ancestral.
Aceitando esta versão, não podemos deixar de considerar (no minimo) curiosas as semelhanças que existem entre os factos históricos (os pastores que seguiam uma estrela até à Serra) e narrativas lendárias (o pastor que, com o seu cão, ouve um apelo de uma estrela que o levou à Serra).
Estamos a falar de uma história que terá sobrevivido milhares de anos e que, com todos os pontos que se vão acrescentando de geração em geração (pois quem conta um conto acrescenta um ponto), nunca perdeu a essência do seu significado mais real. A história do pastor e da estrela na Serra transcende os séculos, criando um vínculo etéreo entre o Homem e o cosmos.
Essa narrativa não é apenas uma lenda; é um eco das tradições, da história e dos valores que moldaram a região ao longo do tempo. A lenda e as suas múltiplas interpretações ecoam nos vales e montanhas da Serra da Estrela, influenciando o modo de vida e os preceitos da região.
Como nisto das lendas (e bem) há sempre alguém a procurar fazer negócio, já existe um turismo de nicho, impulsionado pela curiosidade em torno desta história, que leva os visitantes a trilharem os mesmos caminhos que o pastor e o seu cão terão percorrido há séculos. Muitas dessas caminhadas culminam nos sabores da região, especialmente no Queijo da Serra, que se transformou numa experiência sensorial única.
Tal como a lenda, o queijo produzido artesanalmente, reflete a tradição e a autenticidade da vida na Serra. Cada mordida é uma viagem no tempo, uma celebração dos métodos passados de geração em geração, de conto em conto. Desta forma, o modo de vida na Serra da Estrela é marcado pela simplicidade, determinação e respeito pela natureza.
Os pastores continuam a conduzir seus rebanhos pelos mesmos pastos que testemunharam a jornada lendária. O ciclo da vida, com suas estações e ritmos, é respeitado como uma dança eterna entre o homem e a Terra. Os valores da região são enraizados na conexão com a natureza, na apreciação das tradições e no entendimento de que, assim como as estrelas que iluminam o céu nocturno, a verdadeira luz vem de dentro, da honestidade, solidariedade e amor ao próximo.
Hoje falo-vos de três sítios que tornam esse legado bem contemporâneo. O primeiro deles, o Pena d'Água Boutique Hotel é uma autêntica casa portuguesa, que mistura o tradicional com o moderno. É acolhedor e cosmopolita. Em tempos, foi o lar de uma família no séc. XIX. Hoje, é administrado por outra família, transformando-se num hotel que preserva e compartilha histórias de geração em geração, proporcionando o conforto indispensável num hotel de charme em pleno séc. XXI.
Com uma decoração exuberante, tectos altos, madeiras nobres e tecidos aconchegantes, o hotel reinventa-se a cada detalhe, procurando um equilíbrio hospitaleiro, inspirado na natureza da Serra. Ficámos na Suíte Familiar durante a nossa estadia, um espaço cuidadosamente projectado para proporcionar bem-estar tanto para adultos quanto para crianças, com uma casa de banho cheia de detalhes e espaçosa, sala de convívio e sofá-cama, ideal para reunir/brincar em família.
Além disso, os hóspedes têm acesso livre às instalações de lazer, incluindo a piscina exterior, a piscina interior aquecida, a sauna e o banho turco. O SPA, com sua sofisticação e funcionalidade, oferece uma experiência única. Visitem-no durante a noite que não se vão arrepender. O Bar & Lounge procura envolver os visitantes numa atmosfera de puro conforto. Este é um local onde tradição rima com sofisticação.
No Pena D’Água encontrámos ainda um palco repleto de experiências inesquecíveis que procuram transformar a nossa estadia em momentos únicos e memoráveis. Seja por entre provas de vinhos autóctones e trilhas encantadoras, vistas panorâmicas ou visitas guiadas, actividades desportivas ou momentos de descontracção, há um pouco de tudo, pensado para elevar a nossa experiência.
Adentrar no Pena d'Água Boutique Hotel é como folhear as páginas da história, onde exploradores e diplomatas dos Descobrimentos deixaram sua marca indelével. Isso é particularmente visível no coração do Pena D’Água, no Edifício Arte Nova que abriga o requintado restaurante Açafrão.
Esta valiosa especiaria dourada, que nos Descobrimentos fascinou a realeza de toda a Europa, continua a ser o ingrediente ilustre que dá vida à culinária do restaurante. Lá, somos convidados a explorar sabores locais com uma visão alargada do mundo, uma verdadeira cozinha de autor que se revela como uma experiência gastronómica única e refinada. Cada prato conta uma história rica em memória.
As propostas de menus de degustação vão desde o Menu Lã (com quatro momentos de degustação, a 35 euros por pessoa) ao Menu Pêro da Covilhã (oito momentos de degustação, a 70 euros), passando pelo Menu Serra (seis momentos, por 55 euros). O Snack é uma harmoniosa sinfonia de sabores e é composto por uma delicada Tarlette com húmus de feijoca, porco e noz moscada que contrasta harmoniosamente com a intensidade e excentricidade da Chamuça de Borrego e canela; e que culmina na explosão de texturas e notas subtis do Cracker com requeijão, doce de abóbora e pó de cardamomo.
Com o Pão (broa de milho, pão de alecrim e pão de cereais) surgiu a manteiga caseira, a manteiga de ovelha, uma pasta de milho, o azeite virgem extra e um viciante escabeche de perdiz. O Queijo de cabra panado, com a sua crosta dourada e textura cremosa, encontrou a combinação perfeita na compota de cebola e vinho do Porto, ao passo que o presunto desidratado adicionou uma pitada de indulgência sofisticadamente salgada.
O Hambúrguer de rabo de boi revelou-se uma experiência gastronómica excepcional, onde a suculência do rabo de boi se entrelaçou de forma sublime com a intensidade do queijo da Serra, enquanto o presunto crocante trouxe uma textura irresistível, criando uma explosão de sabores que redefine a clássica indulgência do hambúrguer.
Por sua vez, o Bacalhau confitado em azeite, mergulhado em nuances salgadas e suculentas, descobriu uma elegante complementaridade no bisque de camarão, à medida que as ervilhas frescas e os bivalves promoviam uma saborosa explosão de elementos do mar.
A Bochecha de vitela, cozinhada lentamente até atingir a perfeição, desfazia-se numa melodia de sabores ricos, complementada pela sedosidade do puré de batata Ratte, a frescura do aipo, a acidez revigorante da maçã Granny Smith e a subtileza do queijo de ovelha.
Nas sobremesas destacámos a sinfonia complacente de texturas e sabores do Chocolate com nougat de avelã, gelado de whisky, caramelo salgado de café e avelã tostada; e a inusitadamente prazerosa Bavaroise de requeijão, doce de abóbora, gelado de tangerina e bolacha de cerveja que colocava no mesmo tom doçura, acidez, amargues e voluptuosidade.
Não é fácil equilibrar um menu tão cheio de tudo, dou os meus sinceros parabéns ao Chef Gonçalo Santos Filipe por o ter conseguido de modo sublime, embrulhando toda a experiência gastronómica em identidade, autenticidade e sabor, sempre com as especiarias e uma certa orientalidade como laço. O potenciador de toda esta excelência (a preço bastante moderado para a qualidade que apresenta) é Ricardo Ramos, também proprietário da taberna A Laranjinha. Esta taberna consta do Guia Bib Gourmand, sinónimo de espaços com uma excelente relação preço/qualidade.
Por lá encontrámos o encanto de uma taberna autêntica, onde cada detalhe é uma celebração dos sabores locais. Com uma variedade irresistível de petiscos e tapas, queijos e vinhos cuidadosamente seleccionados, esta taberna tradicional é mais do que um local para refeições típicas - é uma experiência gastronómica que nos transporta para o coração da Serra.
A simplicidade acolhedora do seu interior, com ardósias, madeiras, enchidos e barris de vinho, cria um ambiente rústico, enquanto as toalhas de mesa xadrez e os objecto antigos contam histórias do antigamente. Lá, a cozinha regional é apresentada com amabilidade, oferecendo petiscos deliciosos e especialidades locais que prometem uma experiência verdadeiramente autêntica.
Destacámos a generosidade organoléptica do Estaladiço de morçela Beirã, maçã, cebola caramelizada e creme de salsa; a riqueza aromática da Chamuça de perdiz em escabeche de Maçã Bravo de Esmolfe; a untuosidade do Pernil de Borrego cozinhado a baixa de temperatura que era acompanhado por um belo risotto de cogumelos silvestres, por um queijo da Serra com cura de 18 meses e molho de carne (uma delicia!!!); e o Cremoso de Requeijão com doce de abóbora e amendoim crocante, rico, aveludado e cheio de contrastes harmoniosos.
Assim, em conjunto, o Pena d'Água Boutique Hotel, o Restaurante Açafrão e a Taberna A Laranjinha, relembram-nos através da sua oferta hoteleiro-gastronómica que a Serra da Estrela não é apenas um lugar; é uma experiência, uma imersão na lenda, do pastor e da estrela, que se parece querer tornar realidade. Esse salto pragmático é dado através dos sabores, dos aromas e da hospitalidade beirã, onde cada detalhe - das torres que tocam os céus à gastronomia autóctone mas que gosta de se vestir de gala, passando pela memória associada ao conforto da casa portuguesa tradicional - conta uma parte da história que continua a ser escrita sob o manto das estrelas.