Titan Daemon 666 | O mistério da estrada de Sernancelhe
"A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. Ele é a fonte fundamental de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa emoção é estranha, que não consegue mais parar e ficar envolto em êxtase, é como se estivesse morto: os seus olhos estão fechados." Albert Einstein
O vinho, na sua essência, é uma experiência sensorial única, onde cada garrafa guarda segredos que apenas são revelados aqueles que se aventuram a experimentá-la. Assim como um bom mistério, o vinho revela-se aos poucos, à medida que as suas camadas vão desvendando narrativas inesperadas, complexas e intrigantes.
A primeira pista desse mistério vínico está na cor, um enigma visual que antecipa a riqueza que está prestes a ser revelada. O amarelo dourado cristalino, tal como as páginas de um romance policial, pode sugerir uma trama rica e cheia de nuances. À medida que o copo se move em direcção ao nariz, o aroma, por vezes subtil, dá-nos a pista seguinte. Um convite olfactivo que instiga à curiosidade e nos desafia a decifrar cada nota, como quem procura pistas num cenário enigmático.
O palato é a parte central desse VSI (Vinho sob Investigação :P), onde as nossas papilas gustativas são desafiadas a decifrar os sabores complexos que se entrelaçam como personagens de uma narrativa bem elaborada. A acidez inicial pode ser um isco, escondendo a doçura que surge como uma reviravolta inesperada. Os taninos, personagens robustos, também procurar deixar sua marca, enquanto a persistência do sabor é o epílogo que perdura na memória.
Todos este mistério banhado a etanol é também um desafio de paciência, que apenas se aclara com o tempo. O mesmo sucede nos bons livros de mistério, onde quase tudo é revelado apenas no final, para quem se manteve sereno. Cada gole é uma página virada, revelando um novo capítulo do enigma que é o vinho, uma bebida que guarda consigo os segredos da terra, do tempo e da arte do enólogo. Hoje falo-vos de um vinho (bem, na verdade vão ser dois) que eleva essa relação entre vinho e mistério, a um novo patamar.
O TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex”, é um vinho branco da colheita de 2020, proveniente de uma vinha velha no Concelho de Sernancelhe, com mais de 140 anos, plantada a 850 metros de altitude, com mistura de castas, mas predominância de Cerceal, num solo de granito e quartzo e com uma área de 0,80 hectares.
Nesta nova gama de vinhos de luxo, Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” (666), somos transportados para o tal mistério, para a dimensão do oculto e da superstição. Esta é uma série limitada a 666 garrafas, com o valor de venda recomendado de 666 €. Tem o design do gabinete Rita Rivotti, produção da Etiquel, é apresentado numa embalagem que além de servir de caixa é também um candeeiro com luz LED, criação da Maxibox e tem a criação audiovisual da Goldenanimation.
A vinificação foi feita com bastante simplicidade e de modo pouco interventivo: uvas frescas no seu ponto ideal de maturação, apanhadas à mão para caixas de 20 kg e transportadas para a adega onde foram sujeitas a uma criteriosa escolha manual, desengace e suave esmagamento.
Sem prensagem, seguiu directamente para barricas novas de carvalho francês, onde realizou a fermentação alcoólica, a fermentação maloláctica e prosseguiu estágio por mais 24 meses, com levantamento das borras finas regularmente, a temperatura e humidade controladas.
O TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020 (666 €, 98 pts.) apresenta-se amarelo-dourado com laivos alaranjados. No nariz é incrivelmente complexo com notas de limão, maçã verde, marmelo, telha de amêndoa, pão torrado, mel, flores silvestres, pedra partida e pimenta preta. No palato é musculoso, fresco (a acidez é vibrante e arrebatadora), untuoso, preciso, longo, acutilante, crocante e ligeiramente salgado.
Até hoje a melhor nota para um branco havia sido para o Fragmentado Branco Blend I, também de Luís Leocádio. As arestas do TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” ; a sua acidez enérgica, incisiva e penetrante; e a expressão genuína de terroir fazem deste demónio vínico, o novo rei na sua categoria. Confesso que desconfiei do mistério que este 666 poderia carregar (parte dessa desconfiança relacionada com o preço inflacionado que alguns vinhos apresentaram no último par de anos), no entanto essa suspeita não se confirmou. É, de longe, o melhor vinho branco português que provei até hoje.
Aquando da prova do TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020 tive ainda a oportunidade de provar o TITAN of Távora-Varosa Daemon 2020 (22.50 €, 92 pts.). De cor amarelo-palha bastante viva e cristalina, exibe notas contidas mas expressivas (conceitos aparentemente contraditórios, mas que neste vinho não o são) a lima, fumo, chá Earl Grey, brioche, granito molhado e sous-bois. Na boca é um vinho super completo, tenso e equilibrado, onde a enorme estrutura está assente numa acidez elegante.
Chamo-vos a atenção também para o Molho Picante Titan Daemon (10.50 €). Um picante natural que tem por base um óleo alimentar 100% natural e extraído por prensagem a frio de grainhas provenientes de uvas utilizadas na produção de vinhos. De aroma neutro e suave, a este óleo é adicionado para uma longa maceração, uma panóplia de botânicos e picantes (Satan´s Kiss, Diablo Grande e Jindungo), todos eles plantados e colhidos pelo Titan. Um produto gastronómico de excelência, de aroma muito complexo e sabor picante suave. Este é um picante pensado para quem gosta de vinhos!!! :P
Aquando da apresentação do Fragmentado Branco Blend I fiquei com a impressão que o Luís Leocádio estaria a preparar algo (sobretudo mentalidades) para algo parecido com o TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020. Para além de esculpir vinhos com denominadores comuns óbvios (complexidade, a elevada frescura, a mineralidade muito própria, a intensidade inebriante, a harmonia completamente arrebatadora e a identidade muito vincada), neste novo topo de gama este jovem e experiente enólogo arriscou elevar a noção holística que promove em todos os seus vinhos a um patamar de quase de joalheria, não deixando, no entanto, que este diamante deixasse de ter as arestas que o ano, o terroir e a própria vinificação lhe deram. O melhor branco do país tem de ter um preço que o metamoforize, neste caso, mistério rima com critério.