Os melhores de 2023 | Para a alma não ter raízes
"Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são... A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos." Fernando Pessoa
Fevereiro é o mês de "entrega" de prémios no nosso blogue, pelo nono ano consecutivo (desta vez mesmo à justa)... O ano de 2023 foi particularmente generoso connosco, mas o melhor de tudo são mesmo as memórias que nos deixou. É com grande satisfação que dedicamos esta publicação a reconhecer e a celebrar a excelência em três áreas fundamentais de qualquer experiência de viagem (pelo menos daquelas que eu acho que valham a pena :P): hotéis, gastronomia e vinhos.
A nossa família teve a honra de percorrer os quatro cantos do país, e ainda dar quatro saltos além fronteiras, descobrindo e explorando os destinos mais deslumbrantes e os estabelecimentos mais marcantes. Durante essa jornada, testemunhámos o compromisso inabalável de muitos profissionais em nos proporcionar experiências verdadeiramente memoráveis.
Em alguns hotéis, encontramos não apenas qualidade e conforto, mas também um cuidado meticuloso com os detalhes, uma atenção personalizada e um ambiente que transcendeu as expectativas. Alguns restaurantes que tivemos o prazer de visitar encantaram-nos, não apenas com suas iguarias excepcionais, mas também com sua atmosfera acolhedora, serviço impecável e uma paixão evidente pela gastronomia.
Alguns dos vinhos que tivemos a oportunidade de degustar conduziram-nos a viagens sensoriais, revelando os terroirs únicos e o talento dos enólogos por trás de cada rótulo. É por isso que, ao contrário do que diria o simpático Papa Francisco, esta publicação não é sobre "todos, todos, todos", mas sim sobre "alguns, alguns, alguns": os especiais.
Neste Os melhores de 2023 , não queremos apenas destacar os parceiros que mais nos marcaram nas suas respectivas categorias, mas também convidar-vos a vós, caros leitores, a juntarem-se a nós numa jornada de descoberta, de reconhecimento e, quiçá, de inspiração.
Afinal de contas, assim como Fernando Pessoa nos convidou a explorar os recantos da alma humana em muitos dos seus textos, os lugares/parceiros que aqui destacámos convidam-nos a explorar os vastos horizontes do mundo, assim como as riquezas que ele tem para nos oferecer. Muitas dessas riquezas materializam-se em pessoas, em gestos e em rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Esperamos que as histórias e as experiências que fomos compartilhando convosco ao longo de 2023 possam ter-vos inpirado, feito sorrir, puxar-vos para fora de casa, ainda que em pouca medida. E que tudo isso vos tenho feito embarcar nas vossas próprias jornadas de descoberta, procurando sempre o extraordinário em cada destino, cada almofada, cada refeição, cada gole de vinho.
Melhor Hotel: Hilton Porto Gaia
O Hilton Porto Gaia vai-se tornar um caso de sucesso. É uma autêntica ponte entre a tradição das caves de vinho do Porto e o luxo da decoração e interiores contemporâneos; entre a gastronomia baseada no canône gastronómico da região e a modernidade da sua interpretação; entre a azáfama da zona ribeirinha e a tranquilidade do seu Wellness Center, entre a modernidade e requinte nos materiais de construção e simplicidade das suas linhas; entre o estar perto de ambas as margens e o suficientemente longe para as poder apreciar.
Melhor 4 estrelas: Boticas Hotel Art & SPA
Fernando Pessoa defendeu que "a arte é a auto-expressão a lutar para ser absoluta", pois a finalidade social da arte não é, não pode ser, "apenas" agradar esteticamente, pois o prazer que daí se retiraria constituiria apenas uma relativa mediação visual. Assim, a arte é antes um meio através do qual ocorre a elevação por meio da beleza, uma espécie de elevador social catalisado pelos sentidos. Encontrei a mesma elevação no Boticas Hotel Art & SPA, no seu SPA, no atendimento, na sua na gastronomia e na sua constante renovação (de espaços, de propostas e experiências colocadas à disposição de quem o visita). Pelo Boticas Hotel Art & SPA não nos descrevem as coisas como elas são, querem que tudo o que nós por lá experimentemos cresça em nós como são sentidas, como se sente que elas são, pelo menos foi isso que eu senti!!!
Melhor Wine Hotel: Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua
Nestas lides dos blogues por vezes dizemos coisas demasiado banais (embora eu me esforce para não o fazer), mas a magnificência do Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua obriga-me a recorrer a um cliché: este é um dos segredos mais bem guardados do nosso país. Visitem-no enquanto a aura de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ainda passeia por lá ;)
Melhor Enoturismo: Casa Amarela - Casas da Quinta
Não tenciono mudar-me permanentemente para a Casa Amarela (:P), no entanto escrevi-vos esta carta em forma de publicação para vos mostrar que para conhecer verdadeiramente o Douro não há que ser extremista, pois há que ter um pé na autenticidade, natureza, rusticidade, pureza e tranquilidade de Tormes e outro na classe, no conforto, na modernidade e no requinte de Paris. As Casas da Quinta da Casa Amarela permitem-vos tudo isso e ainda o "extra" de se deliciarem com o que de melhor a enogastronomia local tem para nos seduzir. Se Jacinto a visitasse diria com certeza: "Que belleza!!!" ;) Um beijinho para a Laura e para o Gil por estes dias passados no Douro, cheios de autenticidade, alegria, felicidade, natureza, rusticidade, pureza e tranquilidade, tudo isto, sem nos desligarmos do conforto, da classe e de uma certa garbosidade.
Hotel Revelação: Casas da Lapa - Nature & SPA Hotel
Assim como Alberto Caeiro nos convida a apreciar a simplicidade da existência e a beleza da natureza, um hotel com as características das Casas da Lapa, pode potenciar uma experiência que nos reúne com esses valores, oferecendo um refúgio tranquilo onde podemos encontrar a paz, a serenidade e a autenticidade que Caeiro tão vividamente expressou nos seus poemas. O Casas da Lapa - Nature & SPA Hotel situa-se na Lapa dos Dinheiros, uma aldeia de montanha, na encosta da Serra da Estrela. Lá fora, há pessoas atarefadas nas hortas. Há rebanhos. Há soitos. Há montes e vales a perder de vista. Lá dentro há acolhimento e autenticidade, o luxo que não se vê.
Melhor Hotel internacional: Amathus Beach Hotel (Limassol, Chipre)
Aninhado na praia, entre jardins tropicais e o mar índigo, o recém-renovado Amathus Luxury Hotel em Limassol, Chipre, é um santuário sereno de conforto de classe mundial. Como membro orgulhoso dos Leading Hotels of the World, este hotel de design de luxo oferece uma fabulosa variedade de instalações de última geração, serviços de primeira qualidade, bem como um SPA premiado. Este hotel proeminente oferece ainda um oásis tranquilo de indulgência holística para recém-casados, entusiastas de SPAs, famílias e viajantes corporativos que desejam visitar a apaixonante ilha de Chipre.
Melhor Quarto: Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua
O edifício mantém a imponente fachada e apresenta um interior ricamente decorado, com presença de azulejaria barroca, tectos trabalhados, lareiras de grande beleza arquitectónica, armas indígenas brasileiras e diversas pinturas nas paredes que nos contam um pouco da história do país e do modo de vida da nobreza da época. Cada quarto do Hotel de Charme Parador Casa da Ínsua possui um nome associado à história da casa, oferecendo grande conforto e uma atmosfera única.
Melhor Spa: Hilton Porto Gaia
Um das mais valias do Hilton Porto Gaia é o seu Welness Center, um imponente espaço de saúde e bem-estar, com um total de 1.100 metros quadrados. Por lá promove-se a Slow Beauty, numa abordagem holística do corpo, mente e espírito. Em destaque aparece a luxuosa piscina interior aquecida, caracterizada pelos tons grená e vermelho, um espelho de água e uma área de descanso e relaxamento. Nas suas mais valias surgem ainda o Fitness Center, um elegante estúdio de yoga, e outro de pilates e pilates clínico.
Melhor Piscina: Pena d'Água Boutique Hotel
O Pena d'Água Boutique Hotel é uma autêntica casa portuguesa, que mistura o tradicional com o moderno. É acolhedor e cosmopolita. Em tempos, foi o lar de uma família no séc. XIX. Hoje, é administrado por outra família, transformando-se num hotel que preserva e compartilha histórias de geração em geração, proporcionando o conforto indispensável num hotel de charme em pleno séc. XXI. Os hóspedes têm acesso livre às instalações de lazer, incluindo a piscina exterior, a piscina interior aquecida, a sauna e o banho turco. O SPA, com sua sofisticação e funcionalidade, oferece uma experiência única. Visitem-no durante a noite que não se vão arrepender.
Melhor Pequeno Almoço: Hilton Porto Gaia
Qualidade, riqueza, frescura, diversidade, ovos mexidos e espumante, o que mais podemos querer num pequeno-almoço? :P Aos fins de semana e feriados no Hilton Porto Gaia, há ainda um delicioso brunch que inicia com uma selecção de pão e pastelaria e inclui ainda os clássicos de pequeno-almoço como os ovos Benedict (dos melhores do país!!!), Florentine ou Royal, french toast e panquecas.
Melhor Vinho: Quinta do Noval Colheita 1937
O Quinta do Noval Colheita 1937 é um autêntico "rebuçado de acidez"!!! Couro, figos secos, damasco caramelizado, maçã assada, amêndoa torrada, pedregosidade, figos secos e trufa. O paladar é super concentrado, balsâmico, delicado, harmonioso, longo e com uma bela acidez (sobre)viva. Há expressões da actividade humana – seja na arte, na literatura, música, ou nos vinhos – que achamos que são perfeitas. E depois há aquelas que são inesquecíveis. E estas são as que, podendo não ser perfeitas, mostram um carácter e uma personalidade tão vincada que sabemos logo que são inconfundíveis e inimitáveis. Este visto é um desses últimos casos. Se cada garrafa conta uma história, a desta, ainda hoje a ouço...
Melhor Tinto: Quinta do Vale Meão 2020
Adorei a esteva, as amoras, as framboesas, a caixa de tabaco, a baunilha, a complexidade, a frescura e o equilíbrio do Quinta do Vale Meão 2020 (200.00 €, 98 pts.), um vinhaço, em qualquer parte do mundo!!!
Melhor Branco: TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020
O TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020 apresenta-se amarelo-dourado com laivos alaranjados. No nariz é incrivelmente complexo com notas de limão, maçã verde, marmelo, telha de amêndoa, pão torrado, mel, flores silvestres, pedra partida e pimenta preta. No palato é musculoso, fresco (a acidez é vibrante e arrebatadora), untuoso, preciso, longo, acutilante, crocante e ligeiramente salgado.
Melhor Rosé: São Luiz Winemaker’s Collection Tinto Cão Reserva Rosé 2022
O São Luiz Winemaker’s Collection Tinto Cão Rosé 2022 veste uma bonita cor salmão-rosada e mostra no nariz fruta vermelha muito fresca (morango, groselha e romã), esteva, flores silvestres, baunilha, pedregosidade (xisto molhado) e algum fumo. Na boca cresce imenso, exibindo um equilíbrio perfeito entre acidez e açúcar, com uma pitada de austeridade robusta que lhe faz muito bem. É complexo, elegante, longo, largo e muito gastronómico.
Melhor Espumante: Adega de Favaios Grande Reserva 2013
Com um teor Alcoólico de 11,68%alc./vol., o Espumante Adega de Favaios Grande Reserva 2013 mostra-se no copo amarelo-citrino cristalino, passando para o copo com notas deliciosas a lichias, maçã, manga, flor de limoeiro, brioche, pedregosidade (xisto molhado) e avelã. No palato é cremoso, intenso, fresco e muito equilibrado.
Melhor Porto Vintage: Quinta de Ervamoira Vintage 2020
Na boca o Quinta de Ervamoira Vintage 2020 apresenta-se muito aguerrido, estruturado, complexo, com taninos invulgarmente sedosos e frescos, combinados com camadas de fruta (frutos silvestres e ameixa) e uma frescura notável. O final é fino, harmonioso e bastante aromático.
Melhor Porto Tawny: Churchill´s Tawny 40 Anos
O Churchill´s Tawny 40 Anos possui uma cor cobre-esverdeada cintilante. No nariz, as notas surgem incertas, surpreendentes, uma após a outra: caixa de charutos, figos secos, ameixa seca, avelãs, mel, anis e casca de laranja. No palato é denso, opulento, elegante, voluptuoso e inacreditavelmente fresco.
Melhor Relação Qualidade/Preço: Três Bagos Reserva tinto 2019
Este Três Bagos Reserva tinto 2019 traja uma bonita cor rubi cristalina. No nariz exibe ameixa vermelha, cereja, frutos silvestres, esteva, baunilha e um ligeiro fumado. No palato, para além de exibir uns taninos redondos e bem integrados, é também seco, fresco, carnudo, harmonioso e muito estruturado.
Vinho Revelação: Quinta Casa Amarela Laura 2017
Não é um vinho consensual mas encheu-me as medidas. De traje rubi intenso, mostra no nariz ameixa preta, cassis, cereja madura, esteva, baunilha, pimenta preta, xisto e caixa de tabaco. Na boca passeia-se com taninos por camadas, enorme estrutura, densidade, elegância, equilíbrio e complexidade.
Énologo do ano: Luís Leocádio
Aquando da apresentação do Fragmentado Branco Blend I fiquei com a impressão que o Luís Leocádio estaria a preparar algo (sobretudo mentalidades) para algo parecido com o TITAN of Távora-Varosa Daemon “Sescenti Sexaginta Sex” 2020. Para além de esculpir vinhos com denominadores comuns óbvios (complexidade, a elevada frescura, a mineralidade muito própria, a intensidade inebriante, a harmonia completamente arrebatadora e a identidade muito vincada), neste novo topo de gama este jovem e experiente enólogo arriscou elevar a noção holística que promove em todos os seus vinhos a um patamar de quase de joalharia, não deixando, no entanto, que este diamante deixasse de ter as arestas que o ano, o terroir e a própria vinificação lhe deram. O melhor branco do país tem de ter um preço que o metamoforize, neste caso, mistério rima com critério.
Produtor do ano: AdegaMãe
Uma enologia de intervenção minimalista é uma expressão pura do terroir justificaram esta distinção. Para além de tudo isto, os seus vinhos carregam também a vibração, a acidez aguerrida, a fruta generosa e a mineralidade salina, características dos néctares da AdegaMãe, e que por isso merece o meu aplauso.
Evento do ano: Porto Extravaganza 2023
Este reconhecimento vai para o Paulo Cruz, o "senhor dos toneis", que para além de manter intactas todas as qualidades que lhe destaquei anteriormente na organização deste tipo de provas avassaladoras (qualidade, profissionalismo, exigência e bom gosto) tenta sempre acrescentar algo que engrandeça a experiência. Neste ano, o espaço escolhido para o Porto Extravaganza 2023 introduziu um contexto estético-paisagístico na prova muito difícil de bater e que nos remete para um certo misticismo. Muito obrigado e até uma outra viagem no tempo ;)
Restaurante do ano: A Cozinha por António Loureiro
Amor pela gastronomia, pelas origens e pelo que somos. Só o amor pelo aquilo que fazemos permite ao Chefe António Loureiro conceber pratos, com tantos elementos, com tantas texturas, com tantas cores, com tantos contrastes, com tanta dedicação, com tantos detalhes. Tem ao lado a esposa Isabel que lhe permite ser um pouco mais todos os dias e uma equipa (parabéns Hélder Silva e Patrícia) que lhe permite ambicionar algo ainda maior que o que já alcançou em Guimarães. São especialistas, em tudo aquilo que não se vê com o olhar.
Restaurante revelação do ano: Seixo by Vasco Coelho Santos
O Seixo by Vasco Coelho Santos para além de uma proposta gastronómica assente numa tradição reinterpretada com originalidade, coerência e rigor, também é uma óptima desculpa para visitar a Quinta do Seixo que nos permite desfrutar da beleza natural do Douro, aprender sobre a produção de vinho do Porto, degustar vinhos de qualidade e mergulhar na rica história e cultura da região. Já agora, porque não ler umas páginas do "Amor de Perdição" com um Tawny 40 anos na mão e o Douro como testemunha? :P
Restaurante tradicional do ano: Stramuntana Gaia
As paredes em pedra, as máscaras e os trajes, a lareira, os utensílios da faina, a louça nas paredes, o grelhador como elemento central da sala de refeições, o quintal nas traseiras, e a comida generosa e de conforto intercalada com conversa bem dispostas e sem pressas, têm o puro dom de transformar um "simples cliente estranho" num irmão bem-vindo. O Stramuntana Gaia foi, sem margem para dúvidas, uma das melhores experiências que tivemos em restaurantes!!!
Restaurante internacional do ano: Rechberg 1837 (Zurique, Suiça)
7 pratos, um menu. Utiliza apenas produtos regionais que existiam por volta de 1837 (ano da construção da casa), ou seja, antes da industrialização. O menu é acompanhado de vinhos da região. O prato vegetariano (couve-flor, batata e miso) foi dos melhores que provei até hoje. É incomparavelmente sustentável, exclusivamente local, o ambiente é aconchegante e atendimento é eficiente charmoso.
Restaurante tradicional internacional do ano: Gourmet Taverna (Paphos, Chipre)
A Gourmet Taverna em Paphos - Chipre, que oferece uma experiência gastronómica excepcional com vista para o mediterrâneo e um menu inspirado em receitas e ingredientes locais/regionais verdadeiramente magníficos. Todos os pratos são cuidadosamente elaborados tendo em mente uma filosofia alimentar sazonal, com forte foco na utilização de produtos cultivados, caçados ou pescados localmente. Foi o melhor restaurante da roadtrip de verão: diversidade, texturas, sabores e muita qualidade no produto.
Chefe do ano: Rui Paula
Já por diversas vezes destaquei a excelência do que vai fazendo por todos os lugares por onde vai passando. Excelência essa assente no conhecimento, na destreza e na cozinha com memória e para as memórias. O que ele está a fazer no DOP (esta foi sem dúvida a melhor experiência gastronómica que lá tivemos) só vem reforçar o que já achava dele: que é um predestinado. A excelência é um acto que se cultiva diariamente, em qualquer local, situação, contexto ou etapa do menu de degustação. Neste, não falhou nada...
Chefe revelação: Rui Martins
Cada cultura possui suas próprias tradições, rituais e valores que são transmitidos através da comida. Ao reconhecer e compreender esses detalhes na gastronomia, somos capazes de apreciar e respeitar a diversidade culinária, mergulhar em diferentes culturas, conectarmo-nos com pessoas de diferentes origens e arriscar novos sabores. Quando esses detalhes nos entram pelo palato a dentro, enquanto que os que ficam cá fora (as mesas, os talheres, os copos, a decoração, as fardas, a iluminação, os menus, ...) nos colocam no habitat de onde a matéria prima é originária, a experiência gastronómica cresce em valor, sentido e profundidade. O Chefe Rui Martins para além de tratar esses detalhes com pinças, não perde a ligação com o objectivo primordial da gastronomia: o sabor. Trabalha como poucos o ponto do sal, o picante (quando visitarem o Culto ao Bacalhau exagerem na sua utilização pois não se vão arrepender) , a acidez e as texturas.
Chefe em destaque: Justa Nobre
O cozido é a especialidade da Chefe Justa Nobre, que usa nele produtos genuínos da terra (de Trás os Montes e enriquecidos com os do Barroso): vitela, entrecosto bísaro, orelha, chispe, rabinhos e joelhos de porco, batata (incluindo a doce), nabo, cenoura, feijão branco, couve, arroz de farinheira e ainda um vasto leque de enchidos (que ainda hoje me fazem salivar :P). Tudo com uma diversidade, qualidade e quantidade muito difícil de reproduzirmos em casa. Assim, este Cozido Barrosão by Justa Nobre é a desculpa perfeita para celebrarmos a família com tempo, tranquilidade e partilha, aquecendo o corpo e a alma, construindo memórias alicerçadas à mesa.
Prato do ano: Coelho do campo com puré de feijão e gelatina de cenoura (António Loureiro)
O Coelho do campo com puré de feijão e gelatina de cenoura brindou-nos com um coelho delicado, tenro, suculento e saboroso. Mas para além disso teve o condão para remeter para uma monumental epopeia sobre memórias que me sentou de novo à mesa com os meus pais e irmão umas décadas atrás (não acredito que já envelheci o suficiente para poder dizer estas coisas :-P). Voltei a viver aqueles dias de menino, em que passava o inverno na aldeia, povoada de frio, nevoeiro, cheiros, sons e sensações, quase que era capaz de vos jurar que este coelho tinha o aroma da caruma que ardia na fogueira feita pelos meus avós.
Prato tradicional do ano: Naco de entrecote com Batata rústica e Cuscus Transmontanos. (Stramuntana Gaia)
A carne estava no ponto (na verdade com os três pontos de carne) e cheia de sabor; a batata era viciante, no entanto, o destaque foi para a pureza, o carácter e a riqueza dos Cuscus em estilo arroz malandrinho. Uma delicia!!! Só estes Cuscus justificam uma viagem.
Sobremesa do ano: Mil Folhas de Bacalhau com Doce de Ovos (Rui Martins)
Uma combinação interessante, improvável e certeira de sabores e texturas. O bacalhau salgado seco no início contrastava com o sabor adocicado e rico, com notas de baunilha do doce (quase que pareciam estar a digladiar-se pelo protagonismo no prato) mas depois ambos começaram a conversar, enobrecendo e realçando as mais valias um do outro. Uma combinação inusitada que ainda me faz salivar.
Sobremesa tradicional do ano: Pão de Ló e queijo de cabra (Seixo by Vasco Coelho Santos)
O Pão de Ló e queijo de cabra oferecia uma interacção prazerosa entre o doce e o salgado e acabava por servir de metáfora para a cozinha que o Chef Vasco Coelho Santos propõe no Seixo. Uma cozinha assente na tradição, propulsionadora de contrastes, indutora de momentos de partilha, alegre, descomplicada, mas assente, sempre, no rigor. É tudo isto, mas sem perder o "ADN Vasco" que o catapultou para as luzes da ribalta, o da coerência, o da complexidade disfarçada de simplicidade, o da extracção máxima de sabores, o da brasa, o dos toques defumados e o de algumas pitadas irreverentes de influências de cozinhas além-fronteiras.
Harmonização do ano: Corvina | Acelgas | Belgroegas | Champagne e Rascunho by Quinta de Santiago 2019 (DOP - Chef Rui Paula)
A emulsão de Champagne estava fresca, rica e untuosa, mas ao mesmo tempo, equilibrada, fina e delicada. A esta obra de arte degustativa, era acrescentado o peixe de sabor suave, textura firme e notas levemente adocicadas; acelgas; beldroegas; e uma cobertura de azeitona e tomate seco no topo da corvina que lhe dava um fundo érvaceo/vegetal que colocava todo o prato a dançar ao mesmo ritmo. Tem tudo: sabor, identidade, apresentação, trabalho, equilíbrio e complexidade. Esse tudo cresceu com as notas cítricas, a acidez, a garra e a intensidade do Rascunho by Quinta de Santiago 2019.
Sommelier do ano: Elisabete Fernandes
A distinção não se deve apenas ao serviço de excelência que promove no restaurante gastronómico (o menu de harmonização premium é verdadeiramente assombroso!!!) mas também ao dinamismo, primor e empenho que transporta para iniciativas no The Yeatman como a loja de vinhos, o Christmas Wine Experience, as Sunset Wine Parties, o clube de vinhos, ou os jantares com produtores.
Mais uma vez, obrigado a todos vós, colaboradores, pelas emoções que nos proporcionaram em 2023. Um obrigado também, a vocês, queridos leitores. Aqui fica o nosso mais profundo agradecimento por nos acompanharem nesta jornada. É também por vocês que buscamos incansavelmente os melhores destinos, as melhores refeições e os melhores vinhos para esmiuçarmos em cada publicação. Porque se não fossem vocês, não haveria blogue e isso seria uma chatice :P
E assim, em 2024, renovamos nosso compromisso de continuar a procurar, a descobrir e a compartilhar as maravilhas que a vida nos tem para oferecer. Assim como Fernando Pessoa nos ensinou a procurar o desconhecido e a abraçar as surpresas que a vida nos oferece, seguiremos em frente com a mesma curiosidade e entusiasmo, prontos para novas descobertas e novas experiências: para que a nossa alma, não crie raízes ;)