Tintos Ravasqueira | Alentejo a cada gole e um vinho que tem a mania que é gente
"Quem me dera encontrar o verso puro, o verso altivo e forte, estranho e duro..." Florbela Espanca
Desde 1943, uma casa de família erguida no meio dos vastos horizontes do Alentejo, abraça com carinho e dedicação uma extensão de 3000 hectares. Este espaço singular não é apenas um lar, mas também um berço para a produção de vinhos de qualidade superior, marcados por uma herança única e um microclima que, desde 1998, acaricia as vinhas com a sua bênção singular.
Nesta jornada, a história que se tece a cada colheita foi sempre marcada pelo zelo meticuloso, pela busca incessante da excelência e pela atenção dedicada aos mínimos detalhes. Em cada garrafa, uma narrativa que se desdobra, soltando o conto de uma paixão que se transformou em realidade: os vinhos da Ravasqueira, nascidos de um sonho, ganham vida através do compromisso diário em honrar essa visão.
No rótulo de cada garrafa, uma homenagem a José Manuel de Mello, cuja paixão e dedicação à arte de produzir grandes vinhos ainda ecoam nos vinhedos. Os seus nobres ensinamentos são lembrados com saudade, mas também com a responsabilidade de perpetuar um legado de qualidade e excelência.
Isto parece querer extravasar os limites de uma "simples" empresa, pois nela procura-se criar valor para todos os envolvidos, sustentados por uma cultura enraizada na busca pela sustentabilidade e nos valores da inovação, competência e desenvolvimento humano. O objectivo é claro: ser uma referência incontestável na produção e comercialização de vinhos de identidade única.
É através do trabalho árduo e dedicado de cada pessoa, seja nas vinhas, nas adegas, nos escritórios ou nos mercados de exportação, que os vinhos Ravasqueira ganham vida, levando consigo um pedaço do Alentejo para paladares ao redor do mundo. Hoje falo-vos de 5 tintos por lá produzidos, 3 deles provados em estilo "micro-vertical" ;)
Comecemos então pelo Vinha das Romãs, uma das referências mais conhecidas e aguardados da marca, cuja história tem criado raízes na mente dos consumidores. No local, em Arraiolos, onde a parcela que dá nome ao vinho foi plantada, em 2002, existia um pomar de romãzeiras. Nesses 7,5 hectares de solo único, projectados para a prática de uma viticultura de precisão, foram plantadas cepas de Touriga Franca e Syrah, cujas raízes se foram entrelaçando nas das romãzeiras que ali ficaram a enriquecer o solo.
Nascia, assim o Vinha das Romãs Tinto, um lote de perfil especial que é reconhecido e amplamente apreciado pelo mercado de consumidores mais exigentes. Sempre com a mesma promessa de qualidade e as mesmas duas castas, do mesmo local. A percentagem vai variando ao longo do tempo, mas a tradição e a excelência mantêm-se. Para perceber, um pouco, da sua capacidade evolutiva provei 3 anos: 2015, 2020 e 2021.
O Ravasqueira Vinha das Romãs Tinto 2021 (18 €, 89 pts.) exibe um traje rubi denso passando timidamente para o nariz com amoras maduras, frutos vermelhos, cacau, resina, cedro, baunilha e cardamomo. Na boca é sumarento, fino e aguerrido. Com um ano a mais de evolução em garrafa, o Ravasqueira Vinha das Romãs Tinto 2020 (18 €, 91 pts.) mantém a mesma cor fechada mas no nariz muda a fruta para uma predominância de frutos vermelhos, onde surgem também alguns frutos bosque, pimenta branca, urze e sous-bois, Na boca é generoso, equilibrado, fresco e mais uma vez, super elegante.
No Ravasqueira Vinha das Romãs Tinto 2015 (18 €, 91 pts.), a cor mudou ligeiramente para um rubi com laivos vermelho-acastanhados, mas a sua grande evolução occore no nariz. Aos primários (amora silvestre e ameixa preta madura) e secundários (baunilha, tosta e cacau), juntam-se o couro, as folhas secas e um ligeiro café. A boca é muito elegante, fresca, equilibrada e muito gulosa. Ainda está longe de iniciar a sua fase descendente.
Seguiu-se o Ravasqueira Reserva da Família Tinto 2021 (15 €, 88 pts.), um vinho essencialmente para ser apreciado à mesa. Engarrafado no final do ano, depois de 60% do lote ter estagiado em barrica nova de carvalho francês durante 12 meses, tem como objectivo a extracção da estrutura do Syrah; e da frescura, exuberância de fruta e elegância da Touriga Nacional. De porte rubi quase opaco, mostra no nariz amoras silvestres, ameixa preta madura, pimenta preta, pimento, cacau e tosta. Na boca é tenso, aguerrido, fresco, austero e especiado.
Para último, o vinho que mais gostei, o Ravasqueira Touriga Franca 2019 (15 €, 92 pts.). Esta é uma casta de grande importância na produção de vinho do Porto e que adquire no Monte da Ravasqueira, a partir da vindima de 2012, a relevância merecida tanto em blend, como a solo.
É um monovarietal 100% Touriga Franca com uvas originárias de duas zonas distintas de declive médio dentro do terroir da Ravasqueira. Foram escolhidas as áreas em que os bagos apresentavam menor dimensão, mais acidez e maior teor em compostos fenólicos.
No copo mostra-se ruby bastante escuro, passando para o nariz, paulatinamente, com sous-bois, rosas, amoras silvestres, compota de frutos pretos, azeitona e alguma pedregosidade (senti falta disto nos outros vinhos). Na boca é intenso, largo, volumoso, carnudo, especiado, austero e muito equilibrado. É altivo e forte, estranho e um pouco duro. Gostei bastante, sobretudo desse porte altivo que manteve em toda a prova, quase parecia ter a mania que era gente.
Assim, estes vinhos são muito mais do que meras bebidas; são o puro reflexo do terroir, uma expressão autêntica e única da sua origem. Cada garrafa é o resultado de uma busca incessante por microterroirs dentro das vinhas, uma jornada de descoberta e expressão artística da viticultura e enologia em perfeita harmonia com o ambiente que os rodeia. São vinhos de carácter singular, exclusivos e cativantes, que capturam a essência do Alentejo em cada gole.