“Estas terras marginais são predilectas do turismo. O viajante não é turista, é viajante. Há grande diferença. Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar.” José Saramago
Começado a escrever em Fevereiro de 2007, "A Viagem do Elefante" acaba por testemunhar, na primeira pessoa, uma etapa bastante desagradável da vida de Saramago. É por esta altura que Nobel português se confronta com um grave problema respiratório que o obriga, não só a suspender a sua actividade, como também a temer pela sua própria vida. Contudo, e apesar das escassas esperanças que tinha, em Fevereiro do ano seguinte, o autor pôde retomar a escrita do livro, tendo-o terminado seis meses depois, já em 2008. Saramago morre passados 2 anos, Pilar, a sua esposa, refere muitas vezes que foi este livro que o manteve "ligado" à vida por mais uns anos.
@O Monte
Voltando ao livro, ele conta-nos uma história que se baseia em (alguns) factos reais. Em 1551, um elefante realizou uma viagem entre Lisboa e Viena, sendo escoltado inicialmente por oficiais de D. João III de Portugal, e mais tarde por subordinados do arquiduque Maximiliano da Áustria. O elefante Salomão e o seu mahout (treinador e tratador) já tinham anteriormente feito uma longa viagem marítima entre Goa e Lisboa, e permanecido alguns anos na capital portuguesa. Essa estadia é interrompida com o desejo do rei português em oferecer Salomão ao seu congénere austríaco, desejo esse incentivado pela sua esposa Catarina da Áustria. Partindo de Lisboa, o elefante passa pelo interior de Portugal, por Valhadolid em Espanha, Itália e pelos Alpes, até chegar finalmente a Viena. No romance, Salomão e seu mahout Subhro (a quem o arquiduque renomeia Fritz) percorrem todas essas diferentes latitudes, num ritmo forçadamente lento, acompanhados por vários funcionários e militares.
Ao longo do caminho encontram nómadas, aldeões e habitantes de cidades, que, de várias maneiras, vão procurar dar a sua interpretação subjectiva do súbito facto objectivo de um elefante ter entrando nas suas vidas. Essa narrativa da descoberta através das viagens, já havia sido usada antes por Saramago n'"A jangada de Pedra" (quando a Península Ibérica se separa da Europa e viaja pelo Oceano Atlântico), n'"O Ano da Morte de Ricardo Reis" (quando o protagonista passeia pela cidade de Lisboa), e no diário de viagens "Uma Viagem a Portugal".
Assim, tal como nessas outras obras, a viagem do elefante funciona não apenas como um conceito espacial, mas também como uma forma de levar o leitor a um desvio pelos corredores da memória, da história e das interpretações forçosamente subjectivas de acontecimentos fracturantes. A escrita deste conto, como Saramago faz questão de salientar, teve como inspiração um restaurante na Áustria, chamado de “O Elefante”. Saramago admite que foi a decoração sui generis do restaurante, figurativa da história que mais tarde viria a escrever, que despertou a sua curiosidade para a criação da obra literária. Contudo, "A Viagem do Elefante" não é totalmente baseada em factos verídicos, como os que enunciei anteriormente. Paradoxalmente foi necessário ficcionar para que o leitor percebesse a verdadeira história real.
Por tudo isto, este livro representa uma metáfora da vida humana, pois, tal como acontece com o elefante Salomão, também nós, seres humanos, parecemos não deter controlo sobre o nosso destino, como é expresso na citação do livro: “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”. Por vezes esse sitio corresponde ao que queríamos, noutras não. Por vezes esse sitio corresponde àquilo que esperavam de nós, noutras não. Sem ser spoiller, pois Saramago revela logo esse facto na apresentação do livro, o autor interessou-se pela história deste elefante devido ao fim que esse animal teve, quando depois de morrer lhe cortaram as patas para servir de bengaleiro à entrada do palácio de Maximiliano da Áustria, e de lá porem as bengalas, os chapéus, e as sombrinhas.
Obviamente que devido a este final, o livro tem a ver com a morte, mas, tem sobretudo a ver também com aquilo que acontece depois. Foi esse aproveitamento caricato das patas dianteiras do elefante que impressionou o Nobel português. «Se não houvesse esse final, talvez não tivesse escrito o livro.» disse Saramago em 2008.
Pois é esse final impactante que põe em causa tudo o que Salomão viveu anteriormente, ou melhor, tudo aquilo que através de Salomão as outras pessoas aprenderam/visionaram/debateram/apreenderam. É nesta encruzilhada entre realidade e ficção que Saramago nos puxa para o centro do trama, atribuindo-nos a função de decidir se a interpretação de um determinado personagem é, ou não, genuína. O que muitos não sabem é que em 2009, José Saramago realizou uma viagem de Lisboa a Figueira de Castelo Rodrigo, passando por paisagens e locais descritos n'"A Viagem do Elefante".
Saramago tinha a intenção de que essa jornada se tornasse um roteiro turístico, incentivando um número cada vez maior visitantes a explorarem o interior de Portugal, regiões muitas vezes indescritíveis em palavras. Ele acreditava que esses locais deviam ser vividos e descobertos pessoalmente. A Guarda é uma das cidades mais importantes no percurso de Salomão e sua comitiva em direcção à Áustria.
@In bulla
A cidade dos 5 "f's" (farta, forte, fria, fiel, formosa), conhecida pela sua elevada altitude e pelas suas características medievais, é descrita com a riqueza de detalhes que Saramago emprega para imergir o leitor nas paisagens e nas experiências vividas pelos personagens. A inclusão de Guarda no trajecto sublinha ainda a importância das cidades históricas portuguesas e contribui para o encanto e a complexidade da narrativa.
A passagem pela Guarda também destaca o contraste entre o quotidiano dos locais e o evento extraordinário da passagem de um elefante, algo que não fazia parte da vida comum das pessoas naquela época. Isso gera curiosidade e surpresa, elementos que Saramago utiliza para explorar a interacção entre as diferentes culturas e a reacção humana ao desconhecido.
Hoje falo-vos "da minha viagem do Elefante" à zona da Guarda, passando por Bodiosa, Seixo do Côa e Rebordinho. Uma vez que Saramago utilizava a comida não apenas como um recurso narrativo para mostrar a logística da viagem, mas também como uma forma de explorar a cultura e os costumes das diferentes regiões por onde passavam, a gastronomia, como não poderia deixar de ser, vai ser assumir um papel de destaque nesta crónica.
A nossa primeira paragem foi nO Monte, um restaurante dedicado a promover a região de Viseu, combinando a cozinha tradicional portuguesa das Beiras com toques de modernidade, enobrecendo a já famosa "cozinha de conforto". Foca-se na utilização produtos autóctones, como a Vitela de Lafões certificada, para construir pratos que desafiam o paladar de quem os visita, sempre com uma apresentação cuidadosa e sabores que surpreendem.
A garrafeira é um ponto de orgulho, destacando, mais uma vez, a região Dão Lafões com vinhos seleccionados de excelente qualidade e que os donos orgulhosamente apelidaram de "garrafeira com história", pois cada referência possui uma narrativa que se cruza com a do restaurante. Desde a sua abertura em 7 de Junho de 2022, o Monte Restaurante continua a tradição familiar sob a batuta do Chef Marco Marques, com o auxílio indispensável da companheira Filipa Pereira na sala. O restaurante oferece um ambiente acolhedor com capacidade para até 100 pessoas, esplanada exterior e um parque para as crianças.
@Gula
A Sopa de castanha, barriga fumada, tosta de milho e cebolinho é uma generosa introdução ao cardápio, com um equilíbrio perfeito entre a doçura das castanhas e a profundidade do sabor da barriga fumada. A tosta de milho adiciona uma textura crocante, enquanto o cebolinho proporciona uma frescura que eleva o prato. Já o Folhado de queijo da Serra, mel e nozes é uma mistura contrastante de sabores, entre a cremosidade do queijo, a doçura do mel e a crocância das nozes. O Camarão em tempura de coco com molho sweet chili é uma autêntica explosão de sabores exóticos, e o Estaladiço de queijo de cabra, maçã Bravo de Esmolfe, esparregado e presunto de vitela de Lafões é uma composição cheia de alegria, intensidade e sabor.
A Espuma de boletos com crocante de presunto, gema de ovo, queijo de cabra e trufa é um hino à voluptuosidade elegante; e a Truta, vieira e carabineiro com texturas de cheróvia uma celebração dos frutos do mar apresentada de maneira sofisticada e inovadora. Antes das sobremesas o Tornedó de Lafões com puré de azeitona, boletos, foie gras e demi-glace acaba por ser uma boa metáfora para a experiência gastronómica que o restaurante promove. A carne tenra e suculenta é complementada pelo puré de azeitona saboroso e pelos boletos terrosos, enquanto o foie gras adiciona uma riqueza luxuosa e o demi-glace une o prato com profundidade e sabor.
As sobremesas são, quanto a mim, o que verdadeiramente distingue O Monte (para ser justo, os produtos de Lafões também) e que merecem uma visita por si só. O Brownie de chocolate com caramelo salgado, suspiro de café e gelado de alecrim é uma combinação muito bem conseguida de sabores doces e salgados, com o gelado de alecrim a proporcionar um toque refrescante e inesperado. O Pão de ló húmido com espuma de queijo de cabra é uma delícia etérea, coma textura leve e arejada do pão de ló a contrastar maravilhosamente com a cremosidade ligeiramente ácida da espuma de queijo de cabra.
A Tartelete de limão, gengibre e mel oferece equilíbrio organoléptico, onde o calor do gengibre se mistura com a doçura suave do mel. Finalmente, a lindíssima e arrojada Pedra, uma sobremesa que combina chocolate em várias texturas com frutos silvestres e outros ingredientes secretos, é uma verdadeira surpresa para os sentidos. Cada elemento é meticulosamente preparado para oferecer uma variedade de sabores e sensações que culminam numa experiência inesquecível, com um bom toque dramático. Visitem o Monte, pois não se vão arrepender: cozinha de autor, tradição e inovação, haverá melhor combinação?
A viagem seguiu para aquela que seria a nossa "casa" durante 3 dias, o In Bulla, cujo nome significa "na bolha" em latim, é um projecto familiar de reconstrução de edifícios degradados na pequena aldeia de Seixo do Côa, no concelho de Sabugal, Beira Interior. Este hotel rural, inaugurado em Outubro de 2023, visa criar um espaço acolhedor e harmonioso, combinando a simplicidade do ambiente rural com sofisticação e conforto de um 5 estrelas. Localizado numa aldeia com pouco mais de meia centena de habitantes, o In Bulla oferece uma experiência de tranquilidade e imersão na vida rural, proporcionando aos visitantes a sensação de viver dentro de uma autêntica aldeia portuguesa.
@In Bulla
O alojamento dispõe de oito quartos com diferentes tipologias, todos com design contemporâneo e linhas direitas, garantindo um ambiente simultaneamente acolhedor e contemporâneo. Alguns quartos, entre os quais o que ficámos, possuem lareiras, prontas para serem acesas nos dias frios, aumentando ainda mais o conforto dos hóspedes. Quanto a nós, o maior destaque do In Bulla é o seu Spa, equipado com uma piscina infinita, sauna, banho turco, fonte de gelo, jacuzzi e salas de tratamentos que oferecem massagens chinesas.
A piscina, aquecida de modo a permitir a utilização durante todo o ano, está dividida entre o interior do Spa e o exterior, junto ao jardim, proporcionando um ambiente relaxante e revigorante. O alojamento oferece ainda a opção de reservar refeições, com cada casa equipada com uma kitchenette. O pequeno almoço, de índole sazonal, é entregue numa cesta no quarto.
O In Bulla reflecte o vínculo às raízes e a essência da família que o criou, combinando conhecimento e experiência adquiridos ao longo dos anos com a genuinidade e simplicidade da aldeia. Os hóspedes têm a oportunidade de usufruir do melhor que as técnicas ancestrais de saúde e bem-estar podem oferecer, de forma orgânica e sustentável. Seja em regime de alojamento livre ou participando em programas personalizados, o In Bulla está preparado para nos/vos receber com hospitalidade, conforto e com aquele toque rústico que torna as coisas mais "caseiras".
Voltemos aos pratos. Entrar no Restaurante Gula, na Guarda, é revisitar os fenómenos sociais dos anos 90: globalização, cultura POP, urbanismo, tecnologia, interconectividade, activismo, mudança e experimentalismo. Os elementos decorativos do Restaurante Gula têm a particularidade e função de apresentar aos visitantes Toni e Rui, os mentores do Gula. Amigos de infância, partilharam grande parte das suas vidas. Decidiram partilhar também parte das suas vidas pensando no futuro, com o Gula.
@Aquarius
A esposa do Chefe Toni, Andreia, é nutricionista de formação e desenhou o menu pensando na globalização que caracterizou a sua adolescência, mas também nas propriedades nutricionais de cada ingrediente, com o objectivo de oferecer refeições equilibradas e saudáveis. Andreia também é pasteleira. As sobremesas da casa são fruto da sua imaginação e amor pela arte. O ambiente é descontraído, clean e bem organizado. Concebido para que quem visita o Gula, seja para almoçar ou jantar, possa esquecer, ainda que por alguns momentos, o mundo e a vida lá fora e estar num tipo de universo paralelo, onde o ambiente, no geral, é uma homenagem à condição humana. Aquando da visita o que nos esperava lá fora era um forte nevão ;)
O Camarão borboleta com molho sweet chilli foi um começo fantástico. O camarão, suculento e cozinhado no ponto, combinou maravilhosamente com o molho agridoce, criando um equilíbrio perfeito entre o picante e o doce, que despertou o paladar e deixando-nos ansiosos pelo que viria a seguir. As Asas de frango caramelizadas em molho de soja, mel e sementes de sésamo foram um verdadeiro deleite. O frango estava macio e suculento, com uma caramelização perfeita que lhe conferiu uma crosta untuosa e saborosa. As sementes de sésamo adicionaram um toque crocante adicional, enquanto o molho combinava a salinidade da soja com a doçura do mel, criando um sabor rico e complexo.
Os Croquetes de fumeiro com molho de mel e mostarda foram uma agradável surpresa. O sabor fumado era complementado pelo molho de mel e mostarda, que adicionou uma doçura equilibrada e um toque de acidez, resultando numa combinação bastante harmoniosa e rica. O Bao de camarão em panko, maionese de coco, lima e pickles foi, sem dúvida, o melhor prato. O camarão crocante envolto numa cobertura leve de panko, a suavidade da maionese de coco, o frescura floral da lima e a acidez dos pickles criaram um conjunto de sabores e texturas que nos conquistou. Este é daqueles que se lambe os dedos no final :P
O Bife de alcatra com molho de presunto e espargos salteados manteve a bitola. A carne estava cozinhada na perfeição, tenra e saborosa, e o molho de presunto acrescentou uma profundidade de sabor irresistível. Os espargos salteados, frescos e crocantes, complementaram o prato, não o tornando cansativo. Para finalizar, o Jardim de Inverno foi uma sobremesa memorável.
A esponja de pistácio e alecrim, combinada com chocolate e creme de citrinos, ofereceu uma variedade de texturas e sabores que surpreenderam e encantaram. A suavidade do pistácio e do alecrim, a riqueza do chocolate e a acidez refrescante dos citrinos criaram um equilíbrio perfeito que encerrou a refeição de forma sublime. Fica evidente, que no Gula cada prato é preparado com uma atenção meticulosa aos detalhes e uma paixão evidente pela culinária. É um local onde a tradição, descontracção e a inovação se encontram, resultando numa experiência que merece ser repetida.
@In Bulla
Paragem seguinte, talvez o restaurante mais afamado da Guarda: o Aquarius. O Restaurante Aquarius é um espaço elegante e acolhedor, situado na cidade da Guarda, onde o ambiente familiar e a elevada atenção ao cliente garantem todo o conforto e tranquilidade. Este local concilia a mestria na confecção com os mais genuínos produtos da cozinha portuguesa, disponibilizando um menu único e variado que promete satisfazer até os paladares mais exigentes.
No Aquarius, há a possibilidade de apreciar autênticas obras de arte enquanto desfrutamos de uma refeição requintada, acompanhada por uma selecção musical cuidadosa. Com 25 anos dedicados à arte gastronómica e aos melhores vinhos, este restaurante e galeria de vinhos estimulam todos os sentidos dos seus visitantes. Sob a direcção de Jorge Silva, o Aquarius tornou-se uma referência nacional, reconhecida pela sua dedicação à excelência e inovação culinária. Uma refeição aqui é uma autêntica viagem gastronómica que combina tradição e modernidade, num ambiente que convida a relaxar e apreciar cada momento.
Desde as entradas despretensiosas mas soborosíssimas, até aos pratos principais cuidadosamente elaborados pelo chef Paulo Fonseca, cada refeição é uma celebração dos sabores da região. O restaurante, que pode parecer escondido à primeira vista numa zona movimentada da Guarda, revela-se uma autêntica bola de sabão gastronómica, onde a azáfama exterior se transforma em qualidade, paz e requinte no interior.
Como vos disse anteriormente, além da excelente gastronomia, o restaurante destaca-se pela sua vasta e selectiva carta de vinhos, especialmente com as referências da Beira Interior, que complementam de modo indelével os pratos servidos. A experiência começa com o Estaladiço de queijo de cabra acompanhado de doce de abóbora e puré de maçã, uma entrada que cativa pelo contraste entre a crocância do queijo e a suavidade do puré de maçã, equilibrado pelo doce de abóbora. Esta combinação de temperaturas, sabores e texturas é uma verdadeira delícia.
@deRaíz
A Tábua serrana, composta por queijo, presunto e lombo cabeceiro, é uma celebração dos sabores tradicionais da região, proporcionando uma viagem gastronómica pela autenticidade dos produtos locais. As Gambas flamejadas com alho são outro dos destaques, apresentando-se suculentas e bem temperadas, com o alho a realçar o sabor natural do marisco. A Salada gourmet de salmão, tosta e maçã brinda-nos frescura e leveza, perfeita para os amantes de pratos mais saudáveis. A combinação do salmão com a maçã e a crocância da tosta é refrescante e harmoniosa. No que toca aos pratos principais, o Bacalhau à lagareiro é preparado segundo manda o canône gastronómico da região, mantendo a suculência e a textura característica deste prato tão português. Na Posta de corvina do Atlântico, servida com açorda de peixe, estaladiço de bacon e grelos a frescura do peixe une-se ao sabor intenso do bacon e à riqueza da açorda de modo muito deleitoso.
Os Nacos de vitela jarmelista são uma verdadeira tentação, destacando-se pela qualidade da carne e pela sua preparação irrepreensível. Para os mais aventureiros, o Canguru com mistura de pimentas oferece uma experiência exótica e surpreendente, com a carne tenra e bem condimentada. As sobremesas caseiras do Aquarius são o final perfeito para este repasto. A tarte de amêndoa, em particular, destaca-se pela sua textura crocante, aroma fumado e sabor intenso. Por tudo isto, Aquarius é, sem dúvida, um destino imperdível para os amantes da boa mesa e da arte de bem receber.
A última paragem ocorre no, até ao momento, restaurante revelação do ano para o blogue. O Restaurante DeRaiz, situado em Rebordinho, Viseu, está assente numa casa antiga reconstruida, onde o linho e o granito se fundem, apresentando uma experiência culinária única que transporta os clientes para memórias antigas e revela o legado dos antepassados, sempre com um olho na modernidade.
Quando Inês Beja e Nuno Fonte decidiram investir na simpática e pacata localidade de Rebordinho, muitos duvidaram do sucesso do empreendimento. No entanto, e fazendo jus à máxima "quem não arrisca, não petisca", desde a sua inauguração no Verão de 2019, o Restaurante DeRaiz tem-se afirmado como um verdadeiro ponto de encontro no que à gula diz respeito, atraindo inúmeros apaixonados pela boa gastronomia. Formados na área da gastronomia e com experiência em restaurantes de renome, como o estrelado Mesa de Lemos, Inês e Nuno souberam criar clientela e conceito com uma proposta diferenciada. A todos os clientes, o restaurante oferece uma cortesia de uma flute de espumante ou vinho regional, estabelecendo desde logo um elevado padrão de hospitalidade, saber fazer e cortesia.
O espaço foi renovado com cuidado e esmero, mantendo o charme de uma casa tipicamente beirã com granito, lareira e objectos que nos remetem para as casas do antigamente, criando um ambiente acolhedor e familiar. A cozinha do DeRaiz destaca-se pela utilização de produtos maioritariamente regionais, seguindo a filosofia de fazer tudo de raiz, desde caldos e molhos até ao pão de massa-mãe. O nome do restaurante é também uma bonita homenagem ao legado dos costumes, das tradições e das receitas, agora "vestidas" com traje de gala.
Entre as entradas emblemáticas, destacamos os Ovos Verdes da Avó Raquel, apresentados com criatividade num ninho de alho francês frito, e que revelam um equilíbrio perfeito entre a crocância do alho e o sabor delicado dos ovos verdes; os Pastéis de Massa Tenra da Avó Nazaré, cuja massa tenra e o recheio suculento nos transportam para as memórias de refeições familiares; a Tarte de Figo, Cebola e Presunto de Porco Preto Alentejano (divinal!!!) que é uma combinação sofisticada de sabores doces e salgados (quase a roçar o decadente, no bom sentido da expressão) , e o Pastel de Javali, cheio de profundidade e sabor. Já o Polvo do Algarve, cozinhado com vinho tinto do Dão e servido com aipo, batata doce e coentros, é uma ode à cozinha regional com um empratamento elegante e contemporâneo.
O Pato assado com arroz de forno, salada de laranja e pinhão tostado destaca-se pela sua combinação harmoniosa de texturas e sabores. A carne tenra do pato, o arroz perfumado e a frescura da salada de laranja com o toque crocante dos pinhões criam uma experiência gustativa muito prazerosa. Nas sobremesas, o destaque vai para o Pão de Ló Húmido com Azeite DeRaiz, Flor de Sal e Gelado de Iogurte de Cabra. Surpreende pela sua simplicidade sofisticada, onde o pão de ló húmido encontra a riqueza do azeite e a suavidade do gelado de iogurte. Cada prato no DeRaiz não evoca "só" a tradição, mas também apresenta uma surpresa e um toque estético que nos remete para a alta gastronomia francesa, tornando cada refeição uma verdadeira viagem sensorial.
Assim, este restaurante é um verdadeiro tributo à essência da cozinha portuguesa, onde cada refeição é uma celebração do passado, um brinde ao presente e uma promessa de regresso ao futuro. A dedicação de Inês e Nuno à gastronomia de qualidade e à recuperação dos sabores tradicionais, aliada à inovação e à atenção aos detalhes, fazem do DeRaiz um destino obrigatório para os amantes da boa comida e das experiências autênticas. Com tempo, este casal, verá um céu mais estrelado. Vai uma aposta? :P O DeRaiz acaba por ser, também, um bom símbolo para o que vivemos nos dias a que se refere esta crónica.
A citação de Saramago, "É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós", encapsula perfeitamente a essência do que vivemos nesta nossa "viagem do Elefante". Todos os amigos que visitámos, situados em pequenas aldeias, vilas e cidades longe dos grandes centros urbanos, oferecem uma pausa revitalizante do quotidiano, permitindo que os visitantes redescubram e apreciem a riqueza das tradições, a autenticidade dos sabores e a beleza da simplicidade rural. Ao sair das nossas rotinas e imergir nestes refúgios de tranquilidade e cultura, conseguimos ver e valorizar não apenas a região e os seus tesouros gastronómicos, mas também a nossa própria essência, numa viagem que nos reconecta com as nossas raízes e nos oferece uma nova perspectiva sobre o que significa bem-estar e hospitalidade. Nestas terras, o viajante não é turista, é viajante. Há grande diferença.