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No meu Palato

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IX Festa do Tomate Coração de Boi | Do Colombo para o Douro, com amor

"Não deve de haver nada melhor do que colher tomates aquecidos pelo sol e cheirá-los, senti-los e examinar as suas cascas brilhantes em busca de imperfeições, sonhando com maneiras de os servir aos amigos." Jose Andres

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

A chegada do tomate à Europa, e de modo particular a Portugal, representa um marco significativo na história cultural e gastronómica do nosso velho continente. Originário das Américas, o tomate foi introduzido no Velho Mundo no século XVI pelos espanhóis, após as expedições de exploração do Novo Mundo. Alguns documentos e cartas náuticas de Cristóvão Colombo mencionam a descoberta de um fruto pequeno, de cor verde ou avermelhada, com sabor adocicado, que ele teria apresentado à monarquia espanhola. É possível (sem certezas) que Colombo tenha levado o tomate para a Europa logo em 1493, aquando do regresso da sua primeira viagem.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

O próprio nome "tomate" hoje amplamente utilizado em várias línguas, incluindo o português, parece remeter-nos para essas origens, pois deriva da palavra "tomati", da língua náuatle, falada pelos astecas no sul do México. A partir de Espanha, o tomate foi introduzido em Itália, viagem essa que foi facilitada pelas estreitas relações entre as famílias reais da época. Há também quem defenda que o fruto tenha chegado a França vindo do Peru. De qualquer modo, o certo é que, inicialmente, o tomate foi recebido com desconfiança e curiosidade na Europa. Muitas vezes, era cultivado apenas como planta ornamental, em vez de ser consumido como alimento, devido ao temor de que pudesse ser venenoso, dada sua relação com a família das Solanáceas, que engloba várias plantas tóxicas. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

A integração do tomate na culinária europeia ocorreu paulatinamente entre os séculos XVII e XVIII. A primeira menção ao tomate na literatura europeia aparece num herbário escrito em 1544 por Pietro Andrea Mattioli, médico e botânico italiano. Mattioli descreveu um novo tipo de beringela trazido para a Itália, que, quando maduro, apresentava uma cor vermelho-sangue ou dourada. IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Ele sugeriu que esse fruto poderia ser cortado em segmentos e preparado como a beringela, temperado com sal, pimenta preta e azeite. No entanto, foi apenas dez anos depois que Mattioli mencionou pela primeira vez o nome "pomi d'oro", ou "maçã dourada", referindo-se ao tomate, o que para além de o "baptizar" marcou também o início de sua aceitação e popularidade na culinária europeia.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Outro episódio, bem mais curioso, e que contribuiu também para a mudança na percepção do tomate ocorreu a 28 de Junho de 1820, nos Estados Unidos da América. Um coronel chamado Robert Gibbon Johnson desafiou as crenças populares ao comer um tomate em público, no tribunal de Salem, Nova Jersey. A multidão que se deslocou em massa, propositadamente para esse "suicídio", aguardava com expectativa os efeitos do suposto veneno. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

No entanto, quando Johnson consumiu o fruto sem sofrer nenhuma consequência, a opinião pública começou a mudar, abrindo caminho para a aceitação do tomate como alimento saudável. O tomate transformou-se mais tarde num dos ingredientes mais versáteis e amados da culinária portuguesa e europeia. De pratos simples e rústicos a criações gastronómicas sofisticadas, o tomate tornou-se essencial na dieta mediterrânea, sendo o protagonista de molhos, saladas, sopas e inúmeros outros pratos. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do DouroNo entanto e como em tudo na vida, nem todos os tomates são iguais, e é aqui que a história do Tomate Coração de Boi ganha destaque. Esta variedade  distingue-se pelo seu tamanho generoso, densidade, formato irregular, suculência e quase ausência sementes. Fazendo escala nas regiões montanhosas da Europa, o Tomate Coração de Boi encontrou no Douro um terroir perfeito para se desenvolver com características únicas. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

 Nos dias de hoje, esse tomate não é apenas uma parte essencial da nossa dieta, mas também um símbolo cultural e um elemento de identidade regional. A importância do Tomate Coração de Boi na cultura portuguesa é evidenciada todos os anos através do Concurso do Tomate Coração de Boi do Douro, realizado, este ano, na majestosa Casa de Mateus. Este evento celebra o tomate na sua forma mais pura e valoriza a produção local e a qualidade desse fruto, que encontra nas terras do Douro condições ideais para se desenvolver com excelência. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

A combinação de muita luz solar, solos austeros e as grandes amplitudes térmicas conferem a esta variedade uma textura macia, um sabor doce e complexo, e uma suculência que o torna irresistível. A transição do tomate comum para o Tomate Coração de Boi é, portanto, uma evolução qualitativa natural dentro do cultivo do fruto, onde a adaptação ao meio ambiente e a selecção cuidadosa resultaram num produto de qualidade excepcional. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Em 2024, a Casa da Quinta de Ferreiros foi coroada vencedora do concurso, destacando-se entre 25 produtores da região, e mostrando o quanto este fruto é valorizado por aqueles que o cultivam com dedicação. Mas o verdadeiro triunfo do concurso vai além da competição; é uma celebração da cultura local e um reconhecimento da importância de preservar e promover produtos autênticos e de alta qualidade.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

A abrilhantar a edição deste ano estiveram alguns dos melhores vinhos das Quintas durienses que participaram no concurso e os Chefs Renato Cunha e Alípio Branco, conhecidos de outras paragens, que prepararam, no pote, uns deliciosos, intensos e concentrados Rojões com milhos e Tomate Coração de Boi do Douro  e uma surpreendente sobremesa assente em dicotomias e à base de Compota Tomate Coração de Boi do Douro e Queijo Fresco.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Outra figura em destaque na edição deste ano foi a italiana Erika Zandonai, que trouxe à discussão um ponto crucial: como prolongar a celebração do tomate para além da sua curta temporada de verão? A resposta está na passata. Curiosamente a minha sogra já fazia algo parecido com isto para aproveitar todo o tomate que a terra lhe vai dando.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

A passata é um molho de tomate caseiro, que preserva o frescura e o sabor do tomate ao longo do ano. Exige apenas tomates bem maduros e saudáveis, frascos esterilizados e a técnica de criação de vácuo, garantindo assim que o sabor vibrante do tomate possa ser apreciado mesmo nos meses mais frios. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Este método de conservação, comum na Itália, é uma prática que os organizadores do Concurso do Tomate Coração de Boi do Douro querem ver adoptada em Portugal. Como destacou Edgardo Pacheco na apresentação do livro Tomate Coração de Boi do Douro- A outra Riqueza do Vale Mágico, é essencial mudar mentalidades e valorizar o que é local e autêntico, garantindo que a riqueza e versatilidade do tomate sejam usufruídas durante todo o ano. 

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

O vice-presidente da CCRDN, Jorge Sobrado, reforçou a importância de apoiar as pequenas produções, que muitas vezes são ignoradas em favor de grandes investimentos. Ele falou do "elogio da pequena escala", onde o cuidado e a atenção aos detalhes podem transformar produtos locais em verdadeiros tesouros gastronómicos.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

 A história do tomate, desde a viagem atlântica com Colombo até a sua celebração moderna no Douro, é um exemplo vivo de como algo aparentemente simples pode se tornar um símbolo cultural, social, económico e culinário de grande importância.

IX Festa do Tomate Coração de Boi do Douro

Por isso, é fundamental que haja um apoio público contínuo e sólido para produtos como o Tomate Coração de Boi, que carregam consigo uma história rica e desempenham um papel crucial na nossa alimentação e identidade cultural. Valorizá-los e preservá-los não é apenas uma questão de orgulho regional, mas também uma garantia de que as futuras gerações continuarão a desfrutar daquilo que de melhor a nossa terra tem a oferecer.

Parabéns aos organizadores, Celeste Pereira e Edgardo Pacheco e um obrigado à Celeste pelo convite. A festa foi bonita ;)