JNcQUOI Avenida | Um piscar de olhos ao que ainda está por vir
"Muitas vezes precisamos ser iguais ao golfinho, sair de nosso mundo apenas por instinto e sem perder nossas origens." Ricardo Reis
"O Ano da Morte de Ricardo Reis", de José Saramago, conta-nos a história do regresso de Ricardo Reis, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, a Lisboa, em 1936, após muitos anos de exílio no Brasil. Ricardo Reis, médico e poeta, é um homem imerso numa Lisboa em transição, marcada por tensões políticas e sociais, com o crescimento do fascismo e a iminência da Guerra Civil Espanhola.
O livro explora a dicotomia entre o passado e o presente, entre o velho e o novo, numa cidade onde a modernidade começa a infiltrar-se lentamente, mas onde as tradições permanecem firmemente enraizadas.
Reis, uma figura melancólica, contempla a passagem do tempo e a transitoriedade da vida, caminhando por uma Lisboa que é ao mesmo tempo histórica e contemporânea. Num certo dia encontra o fantasma de Fernando Pessoa e passa a viver numa constante tensão entre a memória do passado e o inevitável avanço do futuro.
A sua vida é marcada por uma profunda reflexão sobre a coexistência de mundos: o mundo da acção e o da contemplação, o da morte e o da vida, o da permanência e o da mudança. E é precisamente aqui, nesta dicotomia, entre o que fomos e o que seremos, que encontro uma ponte metafórica para vos falar do JNcQUOI Avenida.
Tal como Ricardo Reis, o JNcQUOI Avenida existe num ponto de intersecção entre o ontem e o amanhã. Localizado no histórico edifício Tivoli, o restaurante preserva o pé direito alto e a decoração clássica, ao mesmo tempo que se deixa influenciar pela contemporaneidade, criando uma harmonia entre o antigo e o moderno.
O JNcQUOI Avenida, à semelhança do protagonista de Saramago, dá uma mão à tradição enquanto com a outra se prende à inevitabilidade da inovação. Ao entrar no restaurante, quase que experimentamos a mesma tensão poética que Ricardo Reis sentiu ao regressar a Lisboa: uma fusão entre o intemporal e o moderno.
Os tectos altos e os elementos decorativos clássicos remetem para um passado que não queremos esquecer, mas, ao mesmo tempo, a decoração contemporânea dá-nos um vislumbre de uma nova abordagem ao luxo e à elegância.
É quase como se estivéssemos a passear pelas ruas de Lisboa na companhia de Ricardo Reis, onde cada esquina nos segredava uma história de tempos antigos, mas também nos empurrava para frente, para uma nova era.
Curiosamente a cozinha do JNcQUOI também parece querer reflectir essa intersecção temporal. O menu chama orgulhosamente a si o canône gastronómico tradicional, mas sempre com um toque surpreendente, assumindo-se assim como um lugar onde a tradição culinária portuguesa não é apenas celebrada, mas também reinventada: um lugar em que a gastronomia sai do seu mundo, mas "apenas" por instinto e sem perder as suas origens.
Da Paletilha com arroz de forno e grelos reinterpretada às influências internacionais que surgem nos pratos mais contemporâneos, cada refeição é uma metáfora para o próprio livro de Saramago: uma celebração daquilo que nos liga ao passado, mas sempre com os olhos postos no futuro.
Falemos então da gastronomia que por lá encontrámos. O Carabineiro al ajillo com alho e malagueta é uma explosão de sabores intensos, com a suculência do camarão a destacar-se a cada dentada. O alho confere um sabor aromático profundo, complementado pela malagueta que adiciona um calor equilibrado, sem dominar. Na boca, a textura firme e tenra do carabineiro harmoniza-se perfeitamente com o ligeiro crocante do alho dourado.
O Petit royal de marisco, Lavagante, caranguejo do Alasca e camarão proporciona uma experiência mais requintada, onde a doçura delicada do dos diferentes mariscos se entrelaçam numa textura luxuosamente tenra. O sabor fresco e oceânico relembrou-me o icónico Boston lobster roll, que tive o prazer de provar no final do ano passado em Boston, com a cremosidade suave a realçar cada nota marítima.
A Burrata dop com com presunto, tomate e manjericão é simples mas muito saborosa. A suculência suave da burrata contrasta com a delicada salinidade do presunto, enquanto o tomate fresco e o manjericão adicionam um toque de leveza e frescura. Cada elemento é equilibrado, sem exageros, permitindo que os sabores brilhem de forma natural e autêntica.
A Paletilha com arroz de forno e grelos foi o ponto alto do jantar, trazendo uma vasta panóplia de sabores rústicos e reconfortantes. A carne tenra e suculenta, com o seu sabor profundo foi uma bela companhia para o arroz de forno, aromático e envolvente, enquanto os grelos introduziram um toque de amargura necessário para harmonizar o conjunto.
Este prato fez-me olhar para trás, para a cozinha, para ter a certeza que não tinham trocado o Chef Gonçalo Ribeiro por uma daquelas cozinheiras transmontanas cuja sabedoria culinária, transmitida de geração em geração, transforma ingredientes aparentemente modestos em autênticos manjares de conforto, memória e tradição.
Nas sobremesas, o Mil-folhas JNcQUOI, Massa folhada caramelizada, creme mousseline, baunilha, compota de framboesa e framboesas frescas assumiu-se como uma bela evocação da doçaria francesa. A textura crocante e delicada da massa dançou harmoniosamente com a suavidade do creme, enquanto a acidez subtil das framboesas controlava a doçura.
O serviço, meticuloso e atento às necessidades individuais de cada comensal, destacou-se entre os melhores que tivemos em Portugal. A harmonização vínica foi impecável, um mérito do Sommelier Diogo Yebra. Diogo, com sua habilidade de avaliar nosso nível de conhecimento e preferências, ajustou as sugestões de forma subtil e refinada, através de uma conversa agradável e bem-humorada. Embora tenha mencionado o nome do Diogo por ter sido aquele com quem mais conversámos, é justo dizer que o mesmo nível de atenção e competência foram demonstrados por todos os funcionários com quem tivemos o prazer de interagir.
Apesar de ser conhecido por atrair figuras proeminentes do desporto, das artes e da comunicação, bem como uma clientela financeiramente abastada, o JNcQUOI Avenida é muito mais do que um ponto de encontro para os famosos. Este restaurante oferece uma atmosfera envolvente, onde o clássico e o contemporâneo se encontram em perfeita harmonia, criando um pano de fundo ecléctico e sofisticado.
A comida, embora reconfortante, é apresentada com elegância, serenidade, bom gosto e cuidado. Tudo o resto é apenas isso, o resto. O foco está onde sempre deveria estar, na gastronomia e no cliente.
Cada momento servido à mesa do JNcQUOI Avenida é uma viagem pela história, mas com um piscar de olhos ao que ainda está por vir.