Boticas Hotel Art & SPA | A autoexpressão de Pessoa e um cozido
“A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são.” Fernando Pessoa
Há uma década e uns pozinhos (para ser um pouco mais preciso no ano de 2011) surgiam em Portugal os primeiros programas "estilo MasterChef" que, impulsionados pelo sucesso alcançado noutros países, começaram a discutir com os portugueses assuntos relacionados com a gastronomia e que normalmente eram deixados para segundo (ou terceiro) plano. Começou-se a falar de espumas, reduções e esfericações, mas também de tradição, memória e emoções, servidas conjuntamente num mesmo prato.
Sempre achei que esse novo interesse pelo que comíamos levaria, com o tempo, a uma maior aproximação à arte. Esta ideia parece-vos estranha? Olhem que não!!! ;) As conversas dos espectadores mais fieis desse tipo de programas, os foddies, entre os quais eu me incluía, deixou de se centrar nos restaurantes onde se comia mais, nos restaurantes onde se comia mais barato ou nos restaurantes onde se serviam as iguarias mais extravagantes: trufas, caviar e lavagantes.
Os foddies portugueses estavam agora interessados em complementar os seus sentidos, em valorizar o prazer, em conseguir distinguir diferenças mais subtis entre ingredientes e em poderem fazer criticas mais incisivas: vários estudos científicos indicam que essa nova espécie de receptividade sensorial é a mesma que podemos encontrar na sensibilidade artística. Essa minha "previsão" baseada nos artigos que tinha lido pecou por escassa. A comida não conduziu somente os foddies à arte. A comida pensada, discutida e fotografada, em muitos momentos, substituiu a arte...
Um artigo publicado no New York Times em 2012 revelou que este novo movimento de interesse pela gastronomia assumiu as características sociológicas do que normalmente costumava ser conhecido como arte: Ambas são um interesse caro. Ambas requerem conhecimento, perícia, prática, tempo e repetição. Ambas simbolizavam poder e status: aquilo que Thorstein Veblen, o grande crítico social da Era Dourada, chamou de consumo conspícuo: gostamos porque é caro e está na moda, independentemente do prazer que dali retirámos.
Muitas vezes este elevar da gastronomia passou a roçar o esnobismo, superioridade e agressão social. Um bom exemplo deste foodismo (:P) opressor aconteceu na Universidade onde trabalho. Há uns anos uns alunos vieram-se queixar que um colega professor os rebaixava constantemente com a frase: "Nunca provaram trufa? Então não podem dizer que já viveram verdadeiramente". Na altura, para mim, trufa havia apenas a de chocolate... :P
Para muitos deixou de ser importante conhecer a elegância melodiosa e a densidade expressiva de Mozart; o realismo matemático intrigante de Leonardo da Vinci, ou a firmeza, força e "movimento estático" de Michelangelo, mas todos se apressavam em saber a diferença entre um molho, uma redução e uma ganache. Muitos artigos foram escritos sobre esta aparente sobreposição da gastronomia à arte. O que é certo, é que tirando estes excessos esporádicos resultantes de modas ou egos, a arte tem verdadeiramente muito a ver com a gastronomia, mas de modo complementar e não substitutivo.
Ambas são uma forma abnegada de paixão genuína que as pessoas gostam de compartilhar com os amigos e família. Curiosamente, esta relação entre comida e arte, é anterior ao surgimento dos foodies, muito anterior... Comer tem sido uma fonte de prazer e sustento desde o início da evolução humana. Cada grupo de pessoas de todas as esferas das diferentes sociedades, tem, ao longo dos tempos, como principal objectivo diário garantir um suprimento de alimentos, para si e para os seus.
Depois disso estar garantido, aparece tudo o resto: o sexo, o conforto, a segurança, o descanso, os laços afectivos e por aí fora. A arte esteve sempre de mãos dadas com esse processo de busca pela comida e luta pela subsistência. Olhemos para Stonehenge em Inglaterra pois é um bom exemplo disto que vos disse. É conhecido por ser um local de culto ritual, mas também foi usado como uma ferramenta "tecnológica" para prever o movimento do Sol.
Os agricultores de há 5 mil anos (podia escrever atrás mas não seria a mesma coisa :P) confiavam no Stonehenge para prever quando é que as colheitas deveriam ser plantadas ou colhidas. Nesses locais de culto relacionado com o cultivo surgiu uma arte baseada em rituais, como dançar para trazer chuva para as plantações, ou então as representações artísticas como modo de agradecimento de uma boa colheita.
Esta arte surgiu há milénios e, em algumas latitudes, ainda é usada nos dias que correm. Já antes os pintores rupestres da Idade da Pedra (há 2.5 milhões de anos!!!) usavam uma espécie de suco vegetal e algumas gorduras animais como ingredientes de ligação nas suas tintas. O que pintavam eles principalmente? Aquilo que os mantinham vivos: animais selvagens, comida e momentos de caça.
Os egípcios de há 3500 anos esculpiam frequentemente pictogramas de colheitas e pão em tabuletas hieroglíficas. A comida tinha muita importância no Egipto Antigo: para além de ser considerada sagrada (sendo oferecida aos deuses e aos mortos), os egípcios acreditavam que a maioria das doenças provinha da má alimentação.
Numa perspectiva totalmente pessoal e por isso forçosamente subjectiva, esta aproximação entre arte e gastronomia atingiu o seu apogeu com Giuseppe Arcimboldo (1526 - 1593). Em pleno Renascimento, Arcimboldo, um pintor da corte dos Habsburgos em Viena e, mais tarde, da corte real de Praga, pintou retratos caprichosos semelhantes a quebra-cabeças nos quais as expressões faciais das pessoas eram enriquecidas com frutas, vegetais, flores, abóboras, cogumelos e batatas.
Os quadros de Arcimboldo são mais complexos do que aparentam pois estão recheados de simbolismos relacionados com os elementos pintados. O que há de comum em quase todos eles? Uma sensação de repasto, quase como se os olhos conseguissem comer. O quadro "Horticultor" de 1590, por exemplo, é simultaneamente uma natureza morta e um retrato. A imagem representa uma tigela com vegetais e legumes. No entanto, ao invertermos o quadro, esta imagem transforma-se num retrato de quem cultivou esses alimentos, sendo as bochechas feitas de cebolas.
A mesma lógica encontramos n'"O Cozinheiro" de 1571, em que um grotesco retrato se transforma, com o girar do quadro, num prato cheio de carne. Um cozido de leitão e galinha que vão ser cobertos para não arrefecerem. Tudo isto muito antes de se falar em surrealismo, bravo meu caro Arcimboldo!!! Quando continuo a pensar simultaneamente em comida e arte, intuitivamente surgem-me na cabeça as naturezas-mortas da Era Dourada holandesa (1584 - 1702).
Nessas pinturas gloriosas, cada superfície, desde os casacos de penas brilhantes de carcaças de pato em bandejas de prata reluzentes, até à pele orvalhada de frutas e bagas, é cuidadosamente renderizada para criar a ilusão de que o banquete está mesmo à nossa frente. Em 1600, essas pinturas atestavam a riqueza e o envolvimento intelectual dos seus proprietários que os expunham nas salas de banquetes. Os alimentos retratados tinham muitas vezes um significado simbólico, quase sempre relacionado com (con)textos bíblicos. Até mesmo a forma como os objectos eram dispostos – e quais já haviam sido consumidos – transmitiam uma mensagem sobre a natureza fugaz do tempo ou então da necessidade de moderação no consumo.
Mais tarde, durante a era da pop art (já na década de 1960), a comida tornou-se uma metáfora social. Wayne Thiebaud pintou conjuntos de tortas e bolos em tons pastéis brilhantes que faziam lembrar os anúncios de brinquedos para crianças. Apresentados em forma de menu realista de um determinado restaurante, no lugar de um contexto mais caseiro de uma refeição familiar, os seus arranjos gastronómicos, quase sempre sobremesas, reflectiam uma sociedade itinerante na sumptuosidade dessas mesmas sobremesas, e que procuravam transmitir a abundância relacionada com o sonho americano.
Com esta breve história da relação, muito próxima, entre arte e gastronomia, procurei mostra-vos que a comida não tem "apenas" sido uma fonte de subsistência para os seres humanos e também não se contém somente no circulo do prazer, no mínimo, roça a sua barriga nas costas da arte. Há milénios que a arte surgiu nas pinturas devido à caça; e que algumas esculturas glorificaram a comida, celebraram a sua forma, a sua cor, a sua textura, e revelaram a sua abundância.
Alguns fotógrafos artísticos usaram as mesmas cores, texturas e padrões que encontramos em alguns alimentos para nos "seduzir" esteticamente. Os Chefes que lutam pela estrela fazem o caminho inverso, transformam os pratos em autenticas telas, dando uma camada extra à tradicional experiência gastronómica. Essas obras baseadas em alimentos (estejam numa galeria de arte ou numa mesa de um restaurante gastronómico) conseguem também invocar valores sociais, culturais e religiosos: uma das características mais nobres associadas a um artista.
Será que esta bonita, longa e frutífera relação entre gastronomia e arte pode ainda ser enriquecida? Hoje fala-vos de um espaço que acrescenta a esse duo, o tempo, o conforto, a paz e o enquadramento paisagístico necessários para nos podermos imergir totalmente, sem pressas e com requinte, nessa dicotomia gastronómico-cultural: o Boticas Hotel Art & SPA - Luxury Hotel.
Já lá tínhamos estado há uns anos, foi de novo a comida, uma nova proposta gastronómica que nos fez regressar. O Boticas Hotel Art & SPA está situado ao lado do Centro de Artes Nadir Afonso. O edifício de arquitectura moderna é da autoria do filho do pintor, o arquitecto Artur Afonso. Este hotel-peça de arte, com alma muito particular, para além de nos proporcionar um prolongamento do contacto com a vida e obra do grande mestre da pintura portuguesa, ainda nos brinda com um misto de sofisticação e tradição na interpretação da deliciosa gastronomia barrosã, através do seu Restaurante Abstrato, agora sob a batuta de Justa Nobre.
Para que possamos aproveitar em pleno a experiência artístico-gastronómica, o hotel apostou (forte) no conforto dos quartos (também eles com quadros de Nadir Afonso), no relaxamento induzido por uma vista arrebatadora da piscina exterior no piso superior, e na activação sensorial proposta pelo renovado e relaxante SPA (com piscina interior, sauna, banho turco, centro de fitness, banhos Vichy e sessões de massagem: a solo e em casal).
Das renovadas propostas gastronómicas destacamos nas entradas a riqueza marítima da Sopa de Santola; a originalidade e conforto da Sopa de camarão com espinafres; a elegância e tradição dos Bilharacos de alheira em sementes de papoila e maionese de pimentos; e a simplicidade salivante da Tosta de queijo chèvre com nozes, mel de urze e salada verde. Nos peixes gostei muito da mistura de mar e horta do Filete de Peixe galo em crosta de amêndoas e migas de tomate; e do Polvo no forno com batata a murro, chalotas e couve salteada em que os tentáculos crocantes por fora, quase que levemente confitados, eram complementados pelo fundo vegetal, fresco e perfumado da couve e pela ligeira doçura das chalotas.
Nas carnes, a Empada de vitela barrosã e legumes da estação estava cheia de intensidade, suculência e sabor; a Posta de vitela barrosã, batata rijada e legumes possuía uma textura incrível e estava muito saborosa, harmoniosa e rica (o suco que brotava incessantemente do seu interior era delicioso). Passando para os doces (talvez seja neste momento que mais tenhamos notado a evolução do menu): o Creme brûlée de baunilha com compota de maça reineta coberto por uma camada crocante de caramelo é cremoso, suave e doce, mas devido à compota é também ácido, sumptuoso e sedoso; o Fondant de abóbora com gelado de nata estava alicerçado no sabor da abóbora e os sabores transportavam muita intensidade, delicadeza e uma boa dose de soberba; a Tarte de castanhas e avelãs foi a minha favorita pois tornava requintado um produto regional e era muito rica, equilibrada e algo arriscada ao nível da texturas; o Bolo de chocolate com gelado de baunilha e coli de framboesa fez as maravilhas dos mais pequenos.
Para último guardo aquilo que mais me marcou neste fim-de-semana artístico-gastronómico: um cozido. Mais concretamente o Cozido Barrosão. Tido por muitos como um prato "simples", o certo é que para essa aparente simplicidade resultar à mesa ... é necessário muito trabalho.
O cozido é a especialidade da Chefe Justa Nobre, que usa nele produtos genuínos da terra (de Trás os Montes e enriquecidos com os do Barroso): vitela, entrecosto bísaro, orelha, chispe, rabinhos e joelhos de porco, batata (incluindo a doce), nabo, cenoura, feijão branco, couve, arroz de farinheira e ainda um vasto leque de enchidos (que ainda hoje me fazem salivar :P). Tudo com uma diversidade, qualidade e quantidade muito difícil de reproduzirmos em casa. Assim, este Cozido Barrosão by Justa Nobre é a desculpa perfeita para celebrarmos a família com tempo, tranquilidade e partilha, aquecendo o corpo e a alma, construindo memórias alicerçadas à mesa.
Toda esta pompa e circunstância, em volta de um "simples cozido", acabou por envolver a Bia nas lides da restauração, transformando-a por momentos numa mini Justa Nobre, as fotos demonstram o porquê... :P Mais recentemente surgiu o Piquenique Barrosinho nas experiências propostas pelo hotel, um cesto que inclui presunto e salpicão fatiado; pão de centeio e d'avó; queijos variados; mel de urze; bola de carne; pastéis de Chaves; bolo caseiro; fruta variada, 1 garrafa de vinho da região, sumos, água e café. Aconselhamos a biodiversidade, envolvimento paisagístico e tranquilidade do Boticas Parque para esse piquenique.
Voltando ao Boticas Hotel Art & SPA há ainda um pequeno almoço delicioso (acompanhado por um belo espumante da região) e um ambiente muito "family friendly" por todo o hotel com salas de jogos, menus infantis, actividades para crianças e um conceito "open space" que nos permite tirar o máximo partido de todas as mais valias do hotel. Como já vos disse anteriormente, no Verão há ainda uma piscina no ultimo piso com uma vista panorâmica incrível.
Fernando Pessoa defendeu que "a arte é a auto-expressão a lutar para ser absoluta", pois a finalidade social da arte não é, não pode ser, "apenas" agradar esteticamente, pois o prazer que daí se retiraria constituiria apenas uma relativa mediação visual. Assim, a arte é antes um meio através do qual ocorre a elevação por meio da beleza, uma espécie de elevador social catalisado pelos sentidos.
Encontrei a mesma elevação no hotel, no seu SPA, no atendimento, na sua na gastronomia e na sua constante renovação (de espaços, de propostas e experiências colocadas à disposição de quem o visita). Pelo Boticas Hotel Art & SPA não nos descrevem as coisas como elas são, querem que tudo o que nós por lá experimentemos cresça em nós como são sentidas, como se sente que elas são, pelo menos foi isso que eu senti!!!