Brancos da Quinta do Convento | O que o tempo lhes faz
"A única coisa que torna possível a identidade é a ausência de mudança, no entanto, ninguém acredita de facto que se seja semelhante àquilo de que se lembra." Gertrude Stein
A Kranemann Wine Estates lançou no mercado, no final do ano passado, novas colheitas da gama de brancos nascida da Quinta do Convento de São Pedro das Águias, a icónica propriedade do Douro que tem raízes no Séc. XII. Renovam-se, assim, referências que expressam a frescura e elegância características do terroir de altitude do Vale do Távora.
São elas um entrada de gama de perfil versátil e sedutor (Hasso Branco 2021); um colheita que se define pela frescura e mineralidade (Quinta do Convento Branco 2021); e um Reserva de enorme elegância e complexidade, que é verdadeira expressão da propriedade que lhe dá nome (Quinta do Convento Reserva 2019). Para testar uma teoria que tinha acerca destes vinhos acrescentei à prova o Hasso Branco 2019.
“Procuramos manter e apurar o perfil de vinhos muito especiais, que têm vindo a destacar-se, ano após ano, pelo carácter genuíno que demonstram, sobretudo uma linha comum de enorme frescura e elegância, que nos é garantida pelo terroir de altitude onde está localizada a Quinta do Convento de São Pedro das Águias”, começa por afirmar o enólogo Diogo Lopes.
“Entre o lado sedutor do Hasso, de fruta mais exuberante e vocação para o dia-a-dia, ou a complexidade do Reserva, temos sempre vinhos frescos, minerais, muito cativantes. O Reserva chega com especial vocação para acompanhar os tradicionais pratos de bacalhau que pedem um branco especial, elegante e com uma boa estrutura”, complementa Susete Melo, directora de viticultura e enologia da Kranemann Wine Estates.
O Hasso Branco 2021 (8.50 €, 89 pts.), com Rabigato, Viosinho, Arinto, Gouveio e Códega do Larinho, exibe uma cor amarela citrina muito leve e notas generosas de acácia-lima, flor de laranjeira, relva cortada, toranja, pêssego e alguma pedregosidade. Na boca é muito elegante, sério e muito gastronómico.
O seu irmão mais velho, o Hasso Branco 2019 (8.50 €, 89+ pts.) mostra que para um vinho envelhecer bem, não necessita obrigatoriamente de ser caro. Com a cor já amadurecida para um amarelo palha mais intenso, e para além dos aromas primários como os citrinos, flores e pedregosidade, surge também uma nuttiness (noz, avelã) que o tornam muito agradável no nariz.
Está numa fase óptima para consumo (posso ter sido sorte com a garrafa) porque à frescura, mineralidade e intensidade mostrada no palato, também somos brindamos com uma ligeira untuosidade, crocância e complexidade.
Por sua vez, o Quinta do Convento Branco 2021 (13.50 €, 90 pts.), com 30% de Viosinho, 25% de Vinhas Velhas, 20% de Cercial, 15% de Arinto e 10% Gouveio, apresenta-se no copo amarelo cítrico cristalino, passando para o nariz com pêssego, maçã, acácia-lima, lima, esteva e alguma pedregosidade (pedra molhada). Na boca é elegante (muito fresco), seco, crocante, ligeiramente salino e moderadamente longo.
O topo de gama branco da Quinta do Convento, o amarelo-citrino Quinta do Convento Reserva Branco 2019 (19.90 €, 91 pts.), com 60% de Rabigato, 40% de Viosinho e 10% de Gouveio, insinua-se ao nariz com flores selvagens, acácia-lima, toranja, ananás, xisto partido, baunilha e uma tosta muito subtil.
Na boca é seco, untuoso, fresco, longo, complexo e muito sumarento. Quer a sua acidez, quer as notas subtis da barrica dão-lhe uma aptidão gastronómica invejável, sobretudo em pratos mais untuosos e ricos. Este é um excelente exemplo do que um vinho branco do Douro deve ter: elegância, mineralidade, frescura e identidade.
Aliás, não é apenas este Reserva que mostra aquilo que um Douro deve ser, todos os outros vinhos que vos falei hoje, se bem que em diferentes patamares, são um bom representante dessa alma genuinamente duriense. Até mesmo o Hasso, um "entrada de gama" descomplicado, com o tempo ganha uma pitada de aristocracia que lhe assenta muito bem. Sugeria até, que parte destas uvas fossem seleccionadas para um maior contacto com a barrica e um maior estágio em garrafa, dariam origem a um "Grande Reserva" do caraças!!!
Saramago disse um dia, que se alguém lhe perguntasse o que era o tempo, ele declararia logo a sua ignorância. Podemos ouvir o bater do relógio de pêndulo, e a resposta parece estar ali. Mas não é verdade. Quando a corda se lhe acabar, o maquinismo fica no tempo e não o mede: sofre-o. E se o espelho nos mostrar que já não somos aquilo que éramos há um ano, nem isso nos dirá o que o tempo é. Só o que o tempo nos faz. Com os vinhos acontece algo parecido. Há aqueles que sofrem com o tempo e há aqueles que o parecem desafiar, ficando cada vez melhores no espelho do nosso palato. Acho que sabem a qual dos "grupos" pertencem os Brancos da Quinta do Convento. ;)