Carlos Bastos vinhos | Alegria selvagem
"Dizes-me: tu és mais alguma cousa que uma pedra ou uma planta. Dizes-me: sentes, pensas e sabes que pensas e sentes. Então as pedras escrevem versos?" Fernando Pessoa
A região de Trás-os-Montes, conhecida pelas suas serras, planaltos e vales selvagens, tem um terroir único que mune o seus vinhos com características ímpares, vinhos esses que são conhecidos não só pela sua enorme diversidade mas também pela sua elevada qualidade.
A sua riqueza reflecte esta diversidade única, cultivada desde o tempo dos romanos, que para além dos vinhos deixaram na região inúmeros moinhos construídos nas rochas e que permanecem imaculados até aos dias de hoje. É claro que outro factor determinante na excelência destes vinhos tem a ver com os vários hectares de vinhas velhas que têm permitido a afirmação pela diferenciação e produção de vinhos realmente originais.
Há quem defenda que as águas termais abundantes nesta região, também contribuem para a especificidade dos vinhos transmontanos, mas isso é algo que carece de fundamentação cientifica. Certo é que o clima mediterrânico com influência continental, agreste, frio e com grande exposição solar; e os solos ora xistosos ora de um granito arenoso, dotam os vinhos de uma sedutora mineralidade e uma frescura vincada e alegre.
No entanto, na minha opinião, o que mais diferencia/valoriza um vinho transmontano, tem a ver com a sua produção "quase artesanal" complementada por uma enologia de precisão e baixa intervenção. Há um trabalho enorme na vinha, para que na adega seja "apenas" necessário deixar o vinho se expressar.
Hoje vou escrever-vos sobre 3 vinhos criados com todo este legado de características, produzidos por Carlos Manuel Alves Bastos: o Quinta Serra D'Oura Reserva Rosé 2017, o Head Rock Colheita Selecionada Branco 2016 e o Quinta Serra d'Oura Reserva Tinto 2016. Conheci os seus vinhos aquando de uma visita ao G Restaurant da Pousada de Bragança, e a partir daí fui-me interessando cada vez mais por eles.
Os projectos Head Rock Wines e Quinta Serra d’Oura, nasceram em 2007 com a compra dos terrenos que hoje acolhem as vinhas e que passam para as uvas a alegria selvagem tão única deste terroir. Sendo que o primeiro vinho surgiu apenas em 2011, um ano, como sabemos, muito "fraquinho". ;) Por entre toneladas de pedras (granítico, quartzo e saibro), surgem uvas frescas, com uma acidez vincada, e elevada expressão aromática.
O Quinta Serra D'Oura Reserva Rosé 2017 (15.00 €, 85 pts.), de cor salmão profunda, tem um nariz muito complexo com morangos, frutos silvestres, violetas, jasmim e uma leve baunilha que lhe fica muito bem (só é pena que os morangos tenham um pouco de destaque a mais, caso contrário a nota seria outra). Na boca é um vinho seco, levemente mineral (granito molhado) e a acidez é muito vincada e alegre. É um vinho que pede, incessantemente, por comida. ;)
O Head Rock Colheita Selecionada Branco 2016 (9 €, 88 pts.), de traje amarelo-palha está claramente no ponto ideal para ser consumido. No nariz o seu principal predicado é uma elevada mineralidade (granito molhado), jasmim, flor de limoeiro, maracujá, líchias e um anisado muito suave.
O palato mostra uma frescura irreverente e pronunciada, intensidade, elegância e uma ligeira untuosidade. O preço deste vinho está completamente desajustado (para baixo), entrega-nos muito mais do que aquilo que é suposto... Por sua vez, o rubi Quinta Serra d'Oura Reserva Tinto 2016 (15 €, 89 pts.) exibe no nariz notas deliciosas a mirtilos, framboesas, morangos, tília, baunilha e almíscar. Na boca é muito fresco, denso, intenso e mostra taninos arredondados e super elegantes. Tal como os outros dois, pedia comida, e por isso "dei-lhe" uns Petits Pâtés de veado, cogumelos shitake, Salame de Nápoles, rojões de redenho e redução de vinho do Porto.
Todas aquelas toneladas de granito, quartzo e saibro, que compõe o poema geológico de Trás-os-Montes, aliados a um terroir agreste, a uma viticultura artesanal e uma enologia de precisão permitiram o surgimento de vinhos como estes, únicos e fieis ao legado histórico que carregam; e munidos de uma alegria (acidez) selvagem contagiante.
Petits Pâtés de veado, cogumelos shitake, Salame Napoles, rojões de redenho e redução de vinho do Porto: