Christmas Wine Experience 2016 - The Yeatman Hotel | A alegria de beber história a ouvir o vinho
"Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção dos astros, em que dia secreto
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?
Com outonos de ouro a inventaram.
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Nos invada a sua música, o seu fogo e os seus leões.
Na noite do júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E a exaltação nova que este dia lhe canto
Outrora a cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fora cinza na memória." Jorge Luis Borges
O que têm em comum Gordon Ramsay, Halle Berry , Cindy Crawford, o World Trade Center, a ponte 25 de Abril, a guerra do Vietnam e o Christmas Wine Experience? Hum ... Nada?!? Olhem que não, olhem que não :-P
O Christmas Wine Experience 2016 foi mais um evento à The Yeatman, qualquer coisa de extraordinário. Os vinhos foram mais que muitos e bons, os petiscos saborosíssimos (óptimas bifanas e irrepreensíveis sandes de queijo da serra com cebola caramelizada) e o espaço faz com que no copo também fossemos cheirando o Natal...
A entrada no evento foi melhorada (e muito) uma vez que foi aberto um acesso paralelo à recepção do Hotel e o registo foi muito mais rápido e eficaz, de modo a que pudéssemos passar sem demoras ao que interessava, aos vinhos...
Começando pelos brancos, ficou-me no palato o Pêra-Manca 2014, no copo é aristocrata com uma pulquérrima cor citrina com ligeiras pinceladas verdes, aroma a toranja, pêssego, manga, flor de laranjeira e pão tostado. Na boca é envolvente, complexo, fresco, cremoso, harmonioso e possui uma acidez irreverente. Termina sedoso, longo e com classe.
Nos tintos, fui seduzido por 4: Poeirinho 2012, Quinta do Pessegueiro 2012, Quinta do Vallado Reserva Field Blend 2014 e Abandonado 2011.
O Poeirinho Garrafeira 2012 consegue-me sempre surpreender mas ao mesmo tempo acho que já o conheço. Sempre muito sedutor, todo ele ruby com nuances violeta. O nariz é fabuloso com identidade, elegância, complexidade, revelando notas de ameixa vermelha, mirtilos, cerejas, alguma mineralidade, esteva e pinheiro que lhe dão uma frescura espectacular. Ao contrário do que aconteceu noutras provas, já encontrei nele especiarias e couro, que comprovam que está a envelhecer muito bem. Na boca é elegante e persistente, reforçando a sua finesse com taninos sedosos e uma acidez vibrante.
É fácil reconhecer um Quinta do Pessegueiro. Complexo, frutado, especiarias, chocolate e café, haverá melhor cartão de visita? Este 2012 é no entanto especial, perdeu o rubi e ganhou um violeta intenso, enriqueceu-se com sous-bois, resina e menta. Mantém a fruta deliciosa com framboesas, amoras e groselhas. É voluptuoso mas com taninos redondos e sedosos. Acaba longo e delicado.
Quanto ao Quinta do Vallado Reserva Field Blend, já o tinha dito anteriormente, é sem dúvida um dos meus vinhos favoritos. Sempre livre, misterioso e maduro... O 2014 possuí um salgado que me fascinou, tudo o resto vem das vinhas centenárias da quinta; uma cor rubi fantástica e um nariz delicado bastante concentrado com notas balsâmicas, madeira, figo, tabaco e claro ... a giesta fabulosa dos vinhos da Quinta do Vallado. É um benjamim sem medo e aguerrido, pronto para todas as batalhas que a vida em garrafa lhe reserva. Armazenou morangos, cerejas, amoras pretas, framboesas e uma agradável sensação floral de violetas e esteva. É bastante gordo (apetece morder!!!), com taninos maduros e delicados. O final é elegante, mineral, muito persistente, complexo e como eu gosto ... harmonioso.
Apesar de tudo o que disse dos outros três, o meu tinto favorito, naquela tarde, foi o Abandonado 2011.
Veste rubi intenso e invade o nosso nariz com notas de eucalipto, resina, alcatrão, sous-bois e fruta preta, vermelha e do bosque bastante madura. No palato demonstra taninos elegantemente irreverentes, acidez fascinante, complexidade, intensidade e equilíbrio. É daqueles que fica connosco, num lugar especial da nossa memória. Ia agora escrever como acaba este vinho... O problema é que ele não acaba, continua profundo, rico, poderoso e alegre. Por tudo o que deixaste em mim, nunca serás cinza na minha memória :-P
No que diz respeito aos Porto Vintage, estiveram muito bem representados. Desde o sopro perfumado e complexo do Taylors 2009 até à fruta gorda e suculenta do Guimaraens 2013, passando pela delicadeza adocicada do Graham's 2000. Mas 1985 é um ano extraordinário, nasceram muitas "coisas" exageradamente belas e encantadoras, entre elas alguns vinhos "quase" perfeitos.
Costuma-se dizer que numa mulher bonita não conseguimos elogiar isoladamente as pernas, os braços ou o rosto, uma vez que a inteira aparência é de tal beleza que não deixa espaço para apreciar as partes isoladas. Este Dow's 1985 é assim, faz sentido como um todo.
A cada gole que lhe dei ouvi a sinfonia de sons do terroir que lhe deu origem, senti o cheiro das caves onde estagiou, senti o sol a bater-me na pele, o mesmo sol que bateu nos apanhadores das uvas, bebi a água que corria no Douro e matou a sede da vinha, vi o reflexo das luas quentes de Junho que acalmaram as cepas, e sobretudo pensei em que reino, em que século, sob que silenciosa conjunção dos astros, em que dia secreto que o mármore não salvou, surgiu a valorosa e singular ideia de criar um vinho como este? Sim, porque este vinho é alegria, está muito bem resolvido com a vida e cheio de luz granada. Tem uma aurea com morangos, groselha, uvas passas, cassis, mirtilos e um toque de especiarias. Um Porto mais leve que mostra uma maravilhosa clareza e nuance de sabores. É impossível ficar indiferente a um vinho requintado como este...
Nos Tawnys gostei muito do Graham's 30 anos e do Taylor’s Very Old Single harvest 1966 Port.
O Graham's é bastante suave e delicado. O copo, tawny-alaranjado e ambar-acastanhado intenso, brilhava mais que o candeeiro da sala :-P Mostra notas de licor de café, ameixas, casca de laranja, biscoito, uva passas, crème brûlée, caramelo, nozes e amendoas. No palato tem uma acidez extraordinária, é untuoso, concentrado, rico e delicado. Termina persistente com complexidade, elegância e requinte.
O Taylor’s 1966 é outra coisa, é grande, muito grande mesmo!!! Dourado palha, com uma sugestão de verde musgo na borda. O nariz é complexo e rico com aromas de noz, avelãs, noz-moscada, madeira exótica, açúcar mascavado, figos, alperces e um fundo picante de melaço e caramelo. No palato é liso, delicado e melado. A acidez é arrebatadora e o acabamento infinitamente belo. Poderoso, grande e complexo!!!
Nos espirituosos deu para perceber que definitivamente não sou de aguardentes, embora me tenha impressionado com o caracter aveludado e delicadeza da Palácio da Brejoeira Aguardente Velha. Pelo contrário, começo a sentir "o bichinho a crescer" pelos Madeira. No Blandy's Madeira 1996 encontrei uma cor âmbar com reflexos verde-dourados, como os que se encontram num Porto Tawny mais envelhecido. O nariz está cheio de frutos secos, caramelo, mel, laranja, figo caramelizado, cacau, especiarias e ... aguardente velha :-P No palato cresce possuindo uma acidez e mineralidade muito bem conjugadas.O final é complexo, rico, longo e bastante refrescante.
Ah é verdade, já me ia esquecendo!?! O que têm em comum Gordon Ramsay, Halle Berry , Cindy Crawford, o World Trade Center, a ponte 25 de Abril, a guerra do Vietnam e o Christmas Wine Experience? Todos eles estão unidos pelo ano 1966. O Taylor’s Very Old Single harvest 1966 Port sobreviveu a uma ditadura, viu construir o World Trade Center e a ponte 25 de Abril, chorou mais tarde com o ataque ao mesmo World Trade Center, entristeceu-se com a guerra no Vietnam e acompanhou o nascimento de Gordon Ramsay, Halle Berry, Cindy Crawford. Testemunhou a altura em que os meus pais se conheceram, presenciou o casamento deles, compareceu ao meu nascimento, crescimento e sorriu quando na Igreja eu disse o "sim". Quando o bebi, olhei para o ventre que protege a minha filha. O vinho flui rubro ao longo das gerações e também é isto, ou melhor, o vinho é exactamente isto: histórias, momentos, segredos e acontecimentos dentro de uma garrafa.
Obrigado Edite Alexandre pelo convite, com ele permitiste que tenha aprendido um pouco mais da minha própria história :-P
Algumas das fotos foram tiradas pelo Renato, http://renatogoncalvesphotos.blogspot.pt/ , visitem pois vale a pena.
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