"O que realmente quero para o Natal? Quero a minha infância de volta. Sei que ninguém me pode dar isso. Posso, no entanto,  guardar essa memória para mim mesmo, se eu tentar. Eu sei que isto não faz muito sentido, mas desde quando é que o Natal é para ter sentido? É sobre uma criança, há muito tempo e muito longe, e é sobre a criança de agora. Em ti e em mim. Que um dia, agarrados a nossos corações, esperamos atrás da porta para que algo maravilhoso acontecesse." Robert Fulghum

 Dezembro é certamente um dos meses mais movimentados do ano para muitos de nós:  o que fazer nas férias, presentes para escolher, prazos apertados no trabalho e inúmeros amigos e familiares para rever. E claro, é o mês do Natal, o mês de voltarmos a ser crianças, em que alguns de nós ainda esperam atrás da porta para que algo maravilhoso aconteceça. Outra coisa que também me agrada muito nesta altura, é que está carregada de sabores. É uma explosão no nosso palato. Uma batalha épica entre o "Não, eu não deveria" e o "Que se lixe, é apenas mais um!".  

 Para mim o Natal também tem muito a ver com vinho (quer na escolha para a ceia, quer nos presentes que se possam receber :-P), e por esse motivo entro verdadeiramente no espírito Natalício aquando do Christmas Wine Experience do The Yeatman Hotel, que costuma acontecer lá pelo inicio de Dezembro. Neste ano convenci a família e amigos a irem um pouco mais cedo (:-P) e enquanto esperava impacientemente que se dessem início às hostilidades, percebi que estes momentos despertam em mim um sentimento parecidos aos da noite de 24 de Dezembro, ansiando pelo abrir dos presentes da manhã seguinte. Eu sei que isto não faz muito sentido, mas desde quando é que o Natal e os vinhos são para ter sentido?  E por falar em vinhos, vamos começar a falar deles, nos brancos gostei mesmo muito do Cartuxa 50 anos 2012. 

50 é uma referência histórica aos anos passados depois de Vasco Maria Eugénio de Almeida ter criado a Fundação Eugénio de Almeida para promover o desenvolvimento social cultural, educativo e espiritual da região eborense. O peso do álcool e os 25 dias de curtimenta dão-lhe um pulso que a falta de madeira lhe poderia retirar. Muito complexo com aromas florais especialmente a flor de laranjeira, toranja, pêssego, manga, resina e com a irreverência da fruta madura em calda. Na boca é envolvente, irreverentemente fresco, cremoso e equilibrado. Termina acetinado, longo e com classe.

 Enquanto contemplava a vista magnífica que o The Yeatman permite, conversei um pouco com um par muito interessante: o Quinta da Gaivosa e o Abandonado, ambos de Alves de Sousa, e ambos de 2013. Já vos disse anteriormente que gosto muito do Abandonado,  aliás, sou mesmo fã. Muito estruturado, pintado com precisão, sedutoramente complexo, intenso, elegante e equilibrado. No nariz mostra eucalipto, alcatrão, ameixa, mirtilos e amora silvestre. Junta músculo e elegância na mesma garrafa, o que nem sempre é fácil e óbvio. É um gladiador com coração de menino. 

 No Quinta da Gaivosa a complexidade mantém-se, o músculo diminui e aumenta a elegância. Aromas a frutos silvestres, folha de eucalipto, violetas, baunilha, pinha, ameixas e especiarias. A mineralidade, elegância e equilíbrio tornam-no aparentemente frágil, mas não o é, é um menino que sonha em ser gladiador :-P

 Depois um clássico, Chryseia, este de 2015. Chryseia significa "d'ouro" em grego antigo, e tal como o rio, mantém-se fiel a um estilo muito próprio: equilíbrio e elegância, aqui não há gladiadores :-P  No nariz exibe ameixas, cerejas e groselhas maduras escondidas no seu manto violeta. Esta fruta é equilibrada pela frescura e pelos taninos muito maduros, discretos, mas presentes.  É intenso, focado e preciso, muito ao estilo de Bordéus. Não está demasiado marcado pela madeira, talvez pela fruta ter um maior peso que na edição de 2014, dando-lhe maior elegância. Agora, finalmente, percebo porque este vinho tem a fama que tem e porque se chama Chryseia :-P

Entre um copo e outro convém ir forrando o estômago com alguma comida para evitar males maiores :-P A comida serviu também como "corta-sabores", permitindo uma melhor passagem para os licorosos... O primeiro foi o Moscatel Favaios 1980.  O rótulo desenhado pelo Arquitecto Siza Vieira combina na perfeição com a sua cor âmbar escura.  Muito denso, cítrico, equilibrado e rico . O estágio em madeira deu-lhe  cedro, mel, noz, uvas passas,  figos secos e cacau, muito Natalício ;-P

Depois uma "coisa" totalmente diferente e o vinho mais caro em prova. Aviso já que a nota de prova vai ser também "diferente". Tem marmelada, casca de laranja, chocolate, damasco e amêndoas, é muito picante, fresco, salgado e seco. Puro, vibrante e aristocrata, acho que é por isto que o Robert Parker defende que esta casta tem um potencial de envelhecimento ... imortal.  

À primeira estranha-se, depois entranha-se. Como se costuma dizer na Madeira, se tens uma coisa muito boa faz como quem tem Terrantez: Bebe-o, não o vendas nem o dês :-P

Nos Porto dois Vintage memoráveis de 1983 e 1985, ou não fosse 1983 o meu ano, e 1985 o ano da minha princesa mais velha. E no que a estes Porto diz respeito, por enquanto, estou em desvantagem ... por enquanto... :-P

O envelhecimento enobreceu o Graham´s 1983. Aroma muito rico, com as violetas e o eucalipto a juntarem-se à fruta bastante madura, ao couro e às especiarias. O paladar é encantador, cheio e sedoso, com taninos redondos e uma óptima acidez que lhe dão um bom potencial  de envelhecimento. Nectarino, untuoso, sensual, denso e complexo. É um vinho realmente muito bom e erudito. 

Disseram-me que em provas cegas, o Graham's 1983 supera invariavelmente os seus concorrentes, 1983 é assim :-P O "problema" do 1983 é que apesar destas características, ainda não conversa totalmente connosco, está lá tudo, falta apenas que perca a timidez. Algo que já aconteceu com o Dow's 1985...

Este Dow's 1985 é como uma mulher bonita, uma mulher bonita de 1985 (como a minha princesa ;-)), faz sentido como um todo. É a alegria em forma de morangos, groselha, uvas passas, cassis, mirtilos, resina, café e um toque de especiarias. Uma sinfonia de sabores realmente incrível. Um Porto mais leve que mostra um maravilhoso foco e diversidade de sabores, que está no seu apogeu...

 E agora vamos fazer marcha-atrás, de volta aos tintos, para vos falar do vinho que mais me encantou nesta tarde de celebração.  Não é Douro, não é um blend, tem Alicante Bouschet, ou seja, tinha tudo para eu não me apaixonar, mas apaixonei... O Gloria Reynolds Cathedral 2004, a primeira edição deste vinho, é muito profundo, maduro e elegante, com mirtilos e ameixa, chocolate preto, pimenta, violetas, alfazema e uvas passas.

 É muito persistente, quase como um rebuçado sem açúcar, com uma excelente estrutura, equilíbrio e muito mas mesmo muito complexo. Tem carácter, delicadeza, energia, frescura e magia... Fiquei a saber que o meu vinho favorito tem um primo alentejano ;-P

 E como o Natal é mesmo uma época de família, amigos, comida e vinhos fabulosamente festivos, nada melhor que celebrar com eles a memória de uma criança, de há muito tempo e de muito longe, e que ela nunca se perca, em ti e em mim.

 Que um dia, agarrados a nossos corações, esperamos atrás da porta para que algo maravilhoso acontecesse. Uma criança pura, utópica, simples e terrivelmente vulnerável à alegria, que aprendeu a gostar de vinho ;-P

Uma palavra também para a organização, várias coisas melhoraram, comparativamente a edições anteriores, o preço subiu um pouco mas acho que limitaram (e bem) as entradas, desta forma foi muito fácil percorrer todos os espaços e quase que não havia fila para os vinhos (que cada vez são mais variados e de gama elevada), tudo isto para que se proporcionasse um ambiente descontraído, mas com requinte. Parabéns ;-)