Christmas Wine Experience 2018 | Bichinho álacre e sedento
"Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso... Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento..." António Gedeão Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, escreveu através do seu pseudónimo literário, António Gedeão, um dos mais belos hinos à liberdade, à amizade e ao sonho; do qual escolhi o excerto com que introduzi este texto: o poema Pedra filosofal. E porquê?
Porque como Gedeão postulou, o sonho também é vinho. E o Christmas Wine Experience 2018 pretendeu enfatizar isso mesmo. Nele podemos reunir em torno do vinho, os bons amigos e a família para celebrar a vida, recordar fantasias de criança - as do tempo da bola colorida, e exaltar a alegria da liberdade de podermos até sonhar.
Afinal não é sobre isto que o Natal se trata? Foi embebidos neste espirito que participamos, mais uma vez, neste evento que já se tornou uma bonita tradição de Natal na cidade do Porto.
Neste ano a grande celebração dos vinhos portugueses ganhou novos protagonistas. O número de produtores duplicou nesta que já foi a oitava edição, colocando à prova mais de 200 vinhos especialmente seleccionados para a quadra natalícia.
Esta lufada de ar fresco nos aromas vínicos fez com que conhecêssemos coisas novas como o jasmim, casca de laranja, líchia e elegância cítrica do Quinta de Sanjoanne Superior Branco 2009 e a maçã verde, lima, cremosidade e untuosidade do Oboé Som de Barrica Branco 2016.
É claro que também deu para rever velhos conhecidos e perceber a sua evolução, de que são exemplo a compota de laranja, flor de laranjeira e frutos secos do Anselmo Mendes Tempo 2015.
Esta prova natalícia foi acompanhada por um buffet de queijos, enchidos e azeites portugueses de elevada qualidade, tudo num ambiente de muito conforto, requinte e tranqulidade (se isto vos soa a algo estranho, é porque provavelmente foram no sábado, para o ano sigam o conselho do blogue e vão no domingo ;)). Continuando nos habitués, podemos voltar a conversar com os mirtilos, ameixa, chocolate preto, pimenta, violetas, alfazema e uvas passas do Gloria Reynolds Cathedral 2004. Um vinho muito profundo, com carácter, maduro, elegante e persistente, quase como um rebuçado sem açúcar. Revela ainda uma excelente estrutura, equilíbrio e sublime complexidade.
Depois, não o melhor vinho, mas sem dúvida alguma, a maior surpresa. Pasmo esse ainda realçado pela diferença abismal entre o nariz e a boca deste néctar. No aroma o Duas Quintas Reserva 1997 é todo terceário, com couro, frutos secos e tinta da China (não me lembro de outra "coisa" para descrever "aquilo".). Surpreendentemente do copo parece espreitar um bichinho álacre e sedento de curiosidade por ver como se encontrava o mundo duas décadas depois de se ter escondido. Após perder a timidez, mostra com orgulho ameixa, amora, figos, boa acidez e ainda alguma mineralidade. Confesso-vos que não estava nada à espera, há que o provar de novo ;) Acompanhou que nem uma luva um presunto de cura longa. No que diz respeito aos generosos, antes da abertura oficial das portas para a prova, houveram dois workshops paralelos, dedicados ao Vinho do Porto, néctar de eleição da quadra festiva. O desafio foi demonstrar a versatilidade deste vinho na sua conjugação com chocolate e na criação de cocktails.
Nessa família vou destacar 2 colheitas, 1 Madeira e 2 Porto Vintage (como não poderia deixar de ser ;)). Começando pelo Graham's Single Harvest Tawny 1994 que traja uma sedutora e densa cor âmbar, mostrou-se muito complexo: com mel, caramelo, especiarias, flores silvestres, mirtilos, figos secos, nozes e café. Termina delicado, longo e equilibrado.De uma geração anterior, apareceu o Barão de Vilar Colheita 1970 que trouxe consigo aromas muito elegantes de caramelo, caixa de charuto, baunilha, alperce e uvas passas. O final é muito intenso, equilibrado e fino.Continuando na década de 70 do século passado, uma coisa completamente diferente. Algas (??!!??), figos secos, tabaco, chocolate, nozes, casca de laranja confitada e gengibre. A boca é incrivelmente consistente, seca e dinâmica. Quase como um vaivém que parece desaparecer mas que depois regressa com energia, caracter, intensidade e pujança. Por tudo isto é muito difícil de perceber quando termina. Assim é o Blandy's Verdelho Madeira 1979, um daqueles amigos que convém ir conversando de vez em quando ;)
Nos Porto Vintage deliciei-me com a ameixa, amora, cereja, folhas secas, cassis, e sobretudo com a envolvência, equilíbrio e classe do Graham'sVintage 2000; e com a ameixa, cereja, violetas, chocolate e pimenta Sichuan do Taylor´s Vintage 2003. No entanto, acho que estes dois Vintages, acabaram de acordar, e que depois de se espreguiçarem bem, o melhor do que carregam chegará ;)
Ainda assim, e como já devem de ter percebido, o vinho que mais me ficou no palato foi o Duas Quintas Reserva 1997. Curiosamente do ano de lançamento do livro "Harry Potter e a ... Pedra Filosofal". Porque tudo neste dia teve a ver com esse poema, A Pedra Filosofal, um brinde a esse bichinho álacre e sedento, que faz com que sempre que um homem brinda ... o mundo pula e avança ... como bola colorida entre as mãos de uma criança ;)Até para o ano, e já agora, um bom Natal para todos. Que nesta época tão especial, possamos recordar de copo na mão, mais uma vez, a criança, de há muito tempo e muito longe, que um dia, agarrado ao coração, esperava atrás da porta para que algo maravilhoso acontecesse ;)