Dom Ponciano | Um português suave em três mosqueteiros
“Há situações que os homens captam com o instinto, mas são incapazes de comentar com a inteligência. O maior poeta, neste caso, é aquele que solta o grito mais veemente e espontâneo. As pessoas tomam esse grito por um relato completo, e têm motivos para se contentarem com isso, e mais motivos ainda para julgarem-lo sublime quando é autêntico.“ Alexandre Dumas
"Unus pro omnibus, omnes pro uno" é uma frase escrita em latim cujo significando em português é "Um por todos, todos por um" . Toda a gente a conhece por ser o lema dos Três Mosqueteiros no eterno romance de Alexandre Dumas. Esta frase é também o lema da Suíça, mas neste último caso a explicação talvez tenha a ver com chocolates ou então com contas bancárias ;)
No início da história (passei muitos dias da minha infância ansiando por ver os episódios que no inicio da década de 90 passavam na RTP), D'Artagnan chega a Paris, vindo da Gasconha e envolve-se em três duelos distintos com os três mosqueteiros Athos, Porthos e Aramis. Os quatro tornam-se amigos tão íntimos que, quando D'Artagnan passa a ser aprendiz de mosqueteiro, cada um desses seus amigos ia assumindo, à vez, o dever da sua guarda. As ousadas aventuras dos quatro camaradas acontecem por entre intrigas na corte francesa envolvendo o poderoso cardeal Richelieu.
Os Três Mosqueteiros é o mais famoso dos cerca de 250 livros de Dumas (e dos seus 73 assistentes !!???!). Alguns de vocês também devem conhecer outra das suas obras, O Conde de Montecristo. O que provavelmente já não saberão é que ele é também o responsável pelo Grande Dicionário da Cozinha. Nesse dicionário, Dumas percorre um a um, os diferentes alimentos e bebidas, começando no absinto e acabando no vinho Zorzal. É um dos mais importantes e influentes livros da culinária mundial e um dos que mais me marcou. Nele podemos encontrar cartas, relatos na primeira pessoa, história com estórias e inúmeras receitas. No final apercebemos-nos que acabamos de levar uma valente lição de cozinha, de bem escrever, de tradições, de costumes e de História.
Há quem diga que Dumas esteve a "treinar" em todas as suas outras obras, para afinar a escrita para esse grande dicionário, que seria a sua obra-prima. É por este motivo, também, que a relação estreita com a comida e com o vinho de Dumas transparece, e muito, na falta de moderação dos mosqueteiros. Em inúmeros festins que acontecem um pouco por todo o livro, os 4 amigos pedem várias garrafas de vinho e, a uma certa altura, um deles consome ... uma adega inteira. A frase “Volte para onde estava; pegue nesses vegetais horríveis que trouxe e ... vá buscar uma lebre banhada em tinto, um capão gordo, uma perna de carneiro com alho e quatro garrafas da velha Borgonha." resume bem o espírito eno-gastronómico destes malandros.
Foi também por isso, que escolhi Dumas para me ajudar a contar-vos uma história sobre os vinhos Dom Ponciano. Estes vinhos começaram a ser produzidos no século XIX, pelos pais de Ponciano de Abreu que vinificavam Alvarinho nas suas propriedades situadas nas encostas de Paderne, em Melgaço, na zona Noroeste de Portugal. Para além de consumo próprio, o vinho servia para pagarem favores aos médicos e advogados e até as contas da botica. As condições excepcionais do solo, clima e exposição solar, repercutiam-se na qualidade do vinho, que começou a ganhar fama nesta região.
Já no início do século XXI, Rui Esteves, neto de Ponciano, retomou o projecto de uma forma profissional, tendo decidido passar a comercializar o seu Vinho Verde Alvarinho com a marca "Dom Ponciano". Estes vinhos, obtidos através das mais modernas tecnologias de vinificação, apresentam-se frescos, balsâmicos e muito expressivos na boca, onde surgem poderosos, com acidez firme e um final persistente, sendo os parceiros ideais para um Bacalhau à Brás com crocante de toucinho.
Dom Ponciano, assume três capas: Alvarinho, Alvarinho Colheita Seleccionada e Espumante Grande Reserva. O Dom Ponciano Alvarinho 2018 (11€, 86 pts.) exibe-se amarelo-cítrico cristalino e com aromas a maracujá, lichia, jasmim e flor de laranjeira. No palato é suave, delicado e fresco.
Por sua vez o Dom Ponciano Colheita Seleccionada 2013 (30€, 93 pts.) de cor palha levemente amarelada é resultante de parcelas de vinha velha de Alvarinho de ramada e estágio prolongado em inox (borras finas), 6 meses em madeira e posterior envelhecimento por 36 meses em garrafa. O seu nariz é muito complexo com limão, toranja, pêssego, maracujá, relva cortada e uma baunilha muito subtil. No palato é untuoso, largo e intenso, mas sem perder a suavidade, equilíbrio e elegância .
Para último ficou o surpreendente Dom Ponciano Alvarinho Natural Bruto Espumante 2013 (35€, 93 pts.). No copo mostrava-se amarelo-cítrico límpido e com bolha finíssima. Transportava aromas a clementina, acácia-lima, maracujá e um inesperado brioche que catapultou a complexidade para outro nível.
Na boca confirma os excelentes predicados da fruta mostrados no nariz, acrescentando persistência, ponderação, equilíbrio, intensidade e muita finesse. Não estava nada à espera de levar uma "estalada" assim... Acompanhou, de maneira sublime, uma conversa no final de uma sardinhada em casa dos meus pais (a primeira deste ano: a sardinha ainda precisa de pelo menos um mês para estar no ponto).
E sublime é algo que caracteriza muito bem a suavidade, elegância e jovialidade destes três vinhos mosqueteiros, sublime ... porque todos eles são autênticos: um por todos, todos pela delicadeza do Alvarinho ;)
Nota: Um dia destes parto um copo ou uma garrafa por causa de fotografias como esta última :)
Bacalhau à Brás com crocante de toucinho
-Cozam o bacalhau ( 3 postas boas sem deixar ferver) durante 15 minutos e reservem até arrefecer;
-Entretanto descasquem duas cebolas, três dentes de alho e piquem tudo juntamente com um pouco de pimento verde e couve. Levem tudo ao tacho com azeite até tudo estar cozinhado;
-Desfiem o bacalhau e juntem ao preparado anterior;
-Batam 5 ovos com o leite, juntem sal, pimenta, noz moscada e um pouco de brandy e acrescentem ao tacho da etapa anterior;
-Juntem a batata palha (com pouco sal), envolvendo tudo. Deixem cozinhar, mexendo sempre;
-Tostem (quase até queimar ;)) algumas fatias de bacon/toucinho fumado num tacho (não há necessidade de acrescentarem azeite ou margarina, a gordura da carne basta). Retirem do tacho e piquem em pedaços bem pequenos;
-Polvilhem o bacalhau com salsa picada, as azeitonas e o toucinho crocante.