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No meu Palato

No meu Palato

Em busca da luz | Encontro com o Vinho e Sabores Bairrada 2016

“Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente. Eu prefiro o difícil, o impossível, o inesperado, e só. Contudo não sou completa, não. Completa lembra realizada. Realizada é acabada. Acabada é o que não se renova a cada instante da vida e do mundo. Eu vivo completando-me... mas ainda falta um bocado.”  Clarice Lispector

Depois de ter estado no 5º Festival do Vinho do Douro Superior, esta foi a segunda vez que participei neste género de encontros...

 

Se o Douro sempre foi (e acho que continuará a ser) a minha paixão a Bairrada iria passar a ser um novo amor.

 

Não foi uma surpresa total, porque alguns amigos que já frequentam estas andanças há muito mais tempo que eu, já me tinham avisado: "Se gostas de vinhos velhos, a tua praia, claramente, tem de ser o Dão e sobretudo a Bairrada", como nisto dos vinhos a experiência dita regras, esses amigos estavam certos...

 

Cheguei ao Encontro já ao final do dia, a tempo de integrar a prova “Bairrada Blend” por João Paulo Martins.

Como ainda tinha uns minutos antes dessa prova, não hesitei em tirar a pinta a alguns dos vinhos expostos na feira.

Encontro com o Vinho e Sabores Bairrada 2016 - 1ª impressão

Por não ter podido participar na visita ao produtor Sidónio Sousa que deocrreu durante a hora de almoço, escolhi o Sidónio Sousa Garrafeira 2009 como primeiro vinho, escolha muito acertada.

Percebi imediatamente que os taninos e acidez, quando bem trabalhados, podem dar origem a vinhos com uma capacidade de envelhecimento extraordinária. 

No nariz mostrou bagas silvestres gordas, ameixa preta madura, taninos vigorosos e uma acidez sedutora e mordaz, como se de uma viúva negra se tratasse. A madeira deu-lhe ainda notas de café, tabaco e fumo.  

É um vinho cheio de alma, bastante elegante, embora que, ainda um pouco austero.

 

Por sua vez o Campolargo Calda Bordalesa 2009 teve o condão de me transportar para Bordéus devido aos seus taninos bem domados, mirtilios, amora, ameixa e toques geniais a madeira nobre, chocolate e anis. Complexo, muito denso e com uma acidez poderosa, o melhor deste vinho ... ainda está para chegar.

Ainda tive tempo para provar o Quinta da Vacariça Garrafeira 2008, iria encontrar melhores vinhos durante o fim de semana, mas este ganhou um lugar especial no meu palato,  fez-me sentir falta de algo que ainda não tinha provado. No nariz mostrou-se muito floral, com eucalipto e bastante frutado. Na boca, uma tem uma acidez deliciosa, acho que a vou passar a chamar acidez bairradina, e taninos monstruosos. Nunca bebi um vinho com taninos assim, anarquicamente bem governados, muito difícil de traduzir por palavras. É ainda um benjamim, um guerreiro da Bairrada, duro, resistente e corajoso. Percebi, mais tarde, após conversa com o produtor, que as cepas deste vinho adormecem todas as noites ao lado das que deram origem aos inesquecíveis vinhos de Gonçalves Faria. Nos vinhos, raramente, alguma coisa acontece por acaso.

 

Depois deste abanão vínico, tinha chegado a hora da prova conduzida pelo homem que tem dormido a meu lado, João Paulo Martins... Tenham calma, estou a ler o "Histórias com Vinho & outros condimentos", e tenho-o por isso na minha mesa de cabeceira :-P

 

Prova “Bairrada Blend” - João Paulo Martins

 Já tinha estado com este crítico e provador noutras ocasiões, mas foi a primeira vez que participei numa prova com ele ao leme.

Muito, mas mesmo muito bom.  Conhecimento, rigor, competência e humildade. Este blend só poderia dar origem a uma pessoa carismática e excelente contadora de histórias. 

Passando aos vinhos...

De todos, o meu preferido foi o Encontro 1 Tinto 2010, apresenta uma variedade riquíssima de frutos vermelhos e licor de frutas silvestres bem conjugados com a barrica. Seguiram-se notas marcadas de resina, louro e sous-bois. Fidalgo, elegante, fresco, denso, com taninos austeros e poderosos. Acaba sedoso e persistente. Grande vinho...
Depois de tantos vinhos, o estômago já pedia algo mais ... sólido .-P

Jantar temático "Sabores da Terra" - Restaurante nova casa dos Leitões

 Tinha chegado a hora de participar no jantar temático "Sabores da Terra" elaborado pela Nova Casa dos Leitões...

Após os aperitivos, do carpaccio de Vitela e das iscas braseadas ... a entrada triunfal do par da noite, o Leitão Assado da Bairrada e a Quinta do Poço Reserva tinto 2012.

Nem só de espumantes vive o leitão, o sabor floral denso, a estrutura da barrica e a frescura dos frutos vermelhos do Quinta do Poço foi o parceiro ideal do delicioso leitão. Parece que ainda ouço o estalar do leitão a desfazer-se, estava no ponto!!!

No final era tempo de ir dormir que o dia seguinte avizinhava-se longo.

Termas da Curia Spa Resort

 

O dia amanheceu nublado e com um pouco de nevoeiro, algo comum para os lados da Bairrada por esta altura do ano.

Partimos em direcção à Quinta do Valdoeiro, das Caves Messias, uma das mais bonitas e bem organizadas propriedades agrícolas da região da Bairrada. Fomos informados por Manuel Batista, o homem das vinhas que esta quinta possui 110 hectares, 70 dos quais plantados com vinha, onde os solos de baixa fertilidade e pobres eram constituídos por uma camada superficial franco-arenosa e por outra mais profunda, argilo-calcária. 

Quinta do Valdoeiro - Caves Messias

A boa qualidade das uvas aí plantadas resulta da ondulação subtil do terreno, das encostas soalheiras e da plantação das castas em talhões. Tudo isto é conciliado com uma boa higienização das vinhas de modo a que as uvas não adoeçam. 

Destaco dois vinhos; o Messias Baga@Bairrada Bruto branco 2012 que com os seus frutos secos, morangos, cerejas, mousse cremosa e acidez viva foi um excelente acompanhamento para as ostras  e o Messias Clássico Garrafeira tinto 2013, um vinho a fazer lembrar os melhores do antigamente, um Baga extraordinário que vai evoluir muito bem em garrafa graças à sua acidez tipicamente bairradina. Pouco extraído, elegante, fresco, este vinho tem tudo para dar certo. 

 

Seguiu-se (para mim) o melhor momento de todo o  Encontro com o Vinho e Sabores Bairrada 2016, a prova "Bairrada – Três Vindimas de Excelência: 1991, 2001 e 2011" conduzida pelo director da Revista de Vinhos, Luís Lopes.

Bairrada – Três Vindimas de Excelência: 1991, 2001 e 2011" - Luís Lopes

 Já tinha ouvido falar das grandiosas  e surpreendentes provas dirigidas e comentadas por Luís Lopes, no entanto, ainda assim, no final desta, estava de queixo caído, ou melhor, de palato caído :-P

23 vinhos, 23 histórias, 23 momentos extraordinários...
Para o post não se tornar demasiado longo, vou falar-vos apenas de três desses momentos.

O primeiro, o extraordinário Confirmado Marquês de Marialva 1991 garrafa imperial; possuidor de uma cor ruby atijolada espectacular, brinda-nos mais tarde com figos secos, sous-bois, resina, amêndoas e tabaco. O nariz deste vinho é extraordinário, grandioso e aristocrata. Poliu os vinhos de uma maneira extraordinária. Sei que estou a usar esta palavra bastantes vezes, mas este vinho é ... extraordinário :-P Seco, fresco, elegante, harmonioso e bastante complexo. Adorei a conversa que tive com este vinho.

Seguiu-se o Kompassus Baga 1991 Colecção Privada João Póvoa; o parto deste vinho não foi fácil, produzido em condições bastante difíceis e quase deixado ao abandono durante dez anos numa antiga adega, ao frio e à chuva, este Baga apagou as lágrimas do rosto, cerrou os dentes, manteve a postura, cresceu e chega hoje até nós como uma fénix, renascida das cinzas. Com todo este  bullying vínico que o vinho sofreu, parece um milagre ter mantido esta cor ruby vibrante. É como se tivesse sido mantido em cativeiro, e sorrisse ao ver a luz do dia e a respirar ar puro. Encontro um paralelismo interessante entre a história deste vinho e a história da própria Baga... O nariz está repleto de fruta preta e vermelha, uvas passas, barro, verniz e caixa de tabaco. Na boca, os taninos estão amedrontados mas dóceis (depois de tanta pancada que levaram), a acidez é aguerrida e o ligeiro toque adocicado (bastante subtil) até não lhe fica mal... É um vinho díficil, que não é fácil de compreender à primeira, espero poder voltar a falar com ele, quando tiver perdido todos os traumas da sua infância. Ou muito me engano, ou será uma peça de museu daqui a umas décadas...

Por último, uma surpresa de Luís Lopes, o Espumante Quinta das Bágeiras 1991. Nem sei bem o que dizer deste vinho, existem momentos na vida da gente, em que as palavras ficam pequenas, as frases perdem o sentido e as notas de prova parecem inúteis e, por mais que tentemos arranjar uma maneira de as utilizar, elas parecem não fazer jus a esses momentos. Reparem na cor deste espumante, amarelo-palha, parece ouro, talvez seja... No nariz revelou timidamente notas de brandy, pão, puré de maçã, amêndoa, avelã e uma tosta bastante ténue.  Se o vinho anterior procurava a luz, encontrou-a neste.

‘Sabores do Mar’- Restaurante Salpoente

O jantar ‘Sabores do Mar’ elaborado pelo restaurante Salpoente foi o melhor final que este dia ter. Qualidade, cuidado, sofisticação q.b. e sobretudo boa confecção. Os meus parabéns ao chef Duarte Eira pela ousadia e por ter mostrado que o Salpoente não é especialista apenas em bacalhau :-P

Bora descansar que amanhã é o último dia deste encontro...

Hotel das Termas e Quinta de Baixo

Findo um pequeno passeio matinal pelos bonitos e especiais jardins do Hotel Termas da Curia Spa & Resort seguimos em direcção à Quinta de Baixo de Dirk Niepoort, alguma coisa grande tinha de estar para acontecer...
A ideia que Dirk tem para esta quinta é um grande desafio, criar algo especial, tipicamente bairradino, com práticas o mais naturais possíveis,  mas... com alma irreverente da Niepoort.

Quinta de Baixo - Dirk Niepoort

Começamos com uma visita interessante à quinta e à sua cave, à qual se seguiu o almoço (em que o Dirk ajudou à confecção de uma caldeirada de lulas bastante saborosa) onde tive o prazer de provar diversos vinhos espantosos.  
Poeirinho Garrafeira 2012 apareceu primeiro com uma cor ruby e nuances violeta bastante sedutoras. No nariz mostra-se com identidade, elegância, complexidade, e revela notas de ameixa vermelha, mirtilios, cerejas, alguma mineralidade, esteva e pinheiro que lhe dão uma frescura espectacular. Na boca é fino, longo e reforça a sua elegância com taninos sedosos e uma acidez aguerrida. Como a maior parte dos vinhos que provei neste fim de semana, ainda vai crescer bastante em garrafa.

Seguiu-se o Dores Simões Garrafeira 1985 com as suas extravagantes notas a frutas secas, especiarias, baga vermelha, resina, pinheiro, folha de chá preto e ... caramelo?!? Na boca, demonstrou ser bastante elegante, mais uma vez com acidez vibrante, fresco e com uvas passas e figos de intensidade avassaladora, dada a sua idade. Mineral, terroso, com taninos elegantes e a madeira bem integrada completa sublimemente o acabamento. 

A finalizar uma surpresa do Dirk Niepoort (como já estive em algumas visitas promovidas por ele, já estava à espera por este momento ... com alguma ansiedade :-P), uma velharia, um Enrico Serafino Barolo 1955...

Só de pensar que quando este vinho foi feito, o meu pai ainda não tinha nascido, fico um pouco nostálgico...

É um grande vinho, o aroma a rosas, cerejas, licor de laranja, anis, café, chá e ... couro!!! Adoro couro nos vinhos!!! É um vinho muito elegante, persistente, com uma acidez estonteante e bastante equilibrado. Dos melhores vinhos que provei até hoje, mas sabem uma coisa? Acho que a acidez do Dores Simões Garrafeira 1985, do Poeirinho Garrafeira 2012, do Kompassus Baga 1991 Coleção Privada João Póvoa, do Sidónio Sousa Garrafeira 2009 e do Quinta da Vacariça Garrafeira 2008 vai fazer com que todos estes, após umas décadas em garrafa, fiquem melhores que este Barolo 1955, haverá melhor constatação que esta? Acho que era isto que o Dirk Niepoort queria que surgisse na nossa mente.

Depois de ter ficado um pouco mais completo com esta experiência, era tempo de voltar à feira, faltava a última prova comentada, “Espumantes de Baga”, por Luís Antunes.

 

“Espumantes de Baga” - Luís Antunes

 Foi um momento interessante, que permitiu perceber as diferentes maneiras de interpretar a Baga em espumante, todas tiveram actuações bonitas, a que mais me impressionou foi o Baga@Bairrada Bruto 2009 São Domingos. Nele podemos encontrar um nariz bastante elegante e complexo, destacando-se as notas subtis a erva, frutas tropicais e madeira tostada. A bolha no copo mostrou-se muito fina e a mousse delicada.  Licoroso e com uma acidez fantástica na boca, finaliza com um final de boca com muita identidade. 

A única coisa que tinha para lamentar é que ... o Encontro tinha chegado ao fim...

Foi um fim de semana muito bonito em que aprendi que não podemos tentar fazer da Baga aquilo que ela não é. Ainda bem que é difícil e irreverente, porque sinceramente ela é assim, diferente. Prefiro estes vinhos difíceis, quase impossíveis, levam com chuva, Sol, são mal tratados, mas o inesperado acontece... Contudo é óbvio que a Baga não está completa, não. Completa lembra realizada. Realizada é acabada. Acabada é o que não se renova a cada instante da vida e do mundo. Acho, ou melhor, não tenho a menor dúvida, que nas próximas décadas, a Baga e a Bairrada se tornarão numa das grandes potencias vínicas ... mundiais!!!

 

Eu sou como a Baga, vivo completando-me, à procura da luz... mas ainda falta um bocado. Obrigado Sra. Generala Joana Pratas por, com o teu convite, ajudares esse bocado a ter ficado um pouco mais pequeno :-P

 

 

Deixo-vos com a lista de premiados Encontro com o Vinho e Sabores Bairrada 2016...


CATEGORIA Espumantes com estágio até 24 meses 

OURO M&M Gold Edition, Beira Atlântico Espumante branco Cave Central da Bairrada A3

PRATA Argau, Beira Atlântico Espumante branco Casa dos Barbas 
PRATA Marquês de Marialva, Beira Atlântico Espumante Bical e Arinto branco 2014 Adega Cooperativa de Cantanhede

CATEGORIA Espumantes com estágio igual ou superior a 24 meses
OURO Encontro Special Cuvée, Bairrada Espumante branco 2011 Quinta do Encontro
OURO Lopo de Freitas, Bairrada Espumante branco 2011 Caves do Solar de São Domingos
OURO Milheiro Selas, Bairrada Espumante branco 2012 António Assunção Coelho Selas
OURO Quinta dos Abibes Sublime, Bairrada Espumante branco 2012 Quinta dos Abibes
OURO Rama Blanc de Blanc Special Cuvée, Bairrada Espumante branco 2012 Jorge Manuel Ferreira Rama
OURO São Domingos Velha Reserva, Bairrada Espumante branco 2011 Caves do Solar de São Domingos

PRATA Quinta dos Abibes Sublime, Bairrada Espumante branco 2010 Quinta dos Abibes

 

CATEGORIA Espumantes brancos de casta BAGA
OURO Marquês de Marialva Blanc de Noir, Baga@Bairrada Espumante branco 2014 Adega Cooperativa de Cantanhede

CATEGORIA VINHO BRANCO
OURO Marquês de Marialva, Bairrada Reserva Arinto branco 2015 Adega Cooperativa de Cantanhede
OURO Volúpia, Bairrada branco 2015 Caves do Solar de São Domingos

CATEGORIA VINHO TINTO
OURO 2221 Terroir Cantanhede, Bairrada tinto 2011 Adega Cooperativa de Cantanhede
OURO Aliança Baga, Bairrada tinto 2009 Aliança Vinhos de Portugal
OURO Porta dos Templários, Bairrada tinto 2014 Caves Arcos do Rei
OURO Quinta da Lagoa Velha Premium, Bairrada tinto 2015 Carlos Silva Neto
OURO Tagarela, Bairrada tinto 2015 Carlos Silva Neto
OURO Vale da Brenha, Beira Atlântico Reserva Baga e Bastardo tinto 2013 Manuel Jesus Silva

PRATA Kompassus, Bairrada Reserva tinto 2013 Kompassus
PRATA São Domingos Grande Escolha, Bairrada tinto 2012 Caves do Solar de São Domingos
PRATA Vale da Brenha, Beira Atlântico Reserva Baga e Bastardo tinto 2012 Manuel Jesus Silva

CATEGORIA GRANDE OURO
Grande Medalha de Ouro Encontro Baga, Bairrada tinto 2011 Quinta do Encontro A3

 

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