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No meu Palato

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Encontro com Vinhos e Sabores 2018 | Se Fernando Pessoa morresse novo

“A água da nascente é sempre a mais pura. No caminho, o homem contamina esta água com todos os disparates e decisões erradas que toma. O que tento fazer é manter os meus vinhos o mais próximo possível desta nascente, que é a uva e a terra de onde ela vem.” Josko Gravner

Encontro com Vinhos e Sabores 2018

Aviso já que esta é a maior publicação do blogue. Acreditem que no inicio estava o dobro, mas já não consigo cortar mais ;) Hoje, o assunto é o Encontro com Vinhos e Sabores 2018 magistralmente organizado pela Revista de Vinhos – A Essência do Vinho e que decorreu no fim de semana passado. Tivemos a oportunidade de participar em dois dias do programa (sábado e domingo) e em três provas comentadas. Depois de quase 5 horas de viagem entre Guimarães e Lisboa, eu e o meu cunhado, chegamos à capital com imensa curiosidade de conhecer o maior e mais esperado evento de vinhos em Lisboa.

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Iriam estar em prova mais de 3 mil vinhos de 12 países, mais de 300 marcas presentes, 21 provas originais de vinhos comentadas por especialistas, 16 Conversas com Sommeliers, oito sessões de Restaurant Bootcamp, aos quais se juntam uma comitiva internacional que incluiu a reconhecidíssima crítica de vinhos Sarah Ahmed para uma masterclass onde apresentou aqueles que são para si os 10 vinhos portugueses mais marcantes. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Comparecemos no Centro de Congressos de Lisboa mesmo a tempo de participar na prova "A Sublime Elegância de França". De todos os vinhos provados irei destacar três, e começar pelo Chablis Grand Cru Les Clos Louis Michel 2015 . Com um amarelo mediano, começa austero e demasiado viril e intenso, tornando-se mais expressivo momentos mais tarde com aromas minerais, notas de pimenta branca e noz-moscada. Exibe ainda aromas puros e sedutores de pêssego, maçã, raspas de limão e hortelã. Na boca é muito suculento, quase a roçar a untuosidade e possuidor de uma textura incrível e mineralidade salgada. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Esta prova foi superiormente comentada por Guilherme Corrêa, que para além de exibir um conhecimento profundo sobre os vinhos, produtores e suas histórias, conseguiu passar para a audiência a parte mais subjectiva e emocional de provarmos grandes vinhos. A certa altura parecia mais uma conversa de amigos do que uma prova comentada, e isso é o melhor que se pode dizer relativamente à conduta do Guilherme. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Passando de novo aos vinhos, a distinção seguinte vai para o Chassagne-Montrachet 1er Cru Abbaye de Morgeot Pierre-Yves Colin-Morey 2016. Amarelo claro, com aromas (o nariz deste vinho é incrível) e sabores a pólvora, pedra molhada, pêra, frutos secos e pinheiro. Suave, fresco e denso e com um apaixonante toque apimentado. O acabamento é firme e bastante aromático, exibindo uma espécie de adstringência terrosa. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Apesar da boca gorda, bolha fina, limão, avelã e brioche do Champagne Coeur de Cuvée 2010 Brut 1er Cru Vilmart (provavelmente o melhor Champagne que bebi até hoje); da originalidade, menta e delicadeza do Champagne Les Pierrières Ulysse Collin 2014; do suculento sabor a fruta vermelha, frescura, mineralidade e especiarias do Beaujolais Juliénas “Côte de Bessay” Domaine Chapel 2017; e da fruta vermelha, frutos do bosque, cereja quase em rebuçado e canela do Loire Sancerre Pinot Noir Charlouise Vincent Pinard 2015, o meu último destaque desta prova vai para o Bourgogne Morey-Saint-Denis 1er Cru Cuvée des Alouettes Domaine Ponsot 2014.

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Apresenta-se com um nariz maduro e complexo, expondo notas de groselha vermelha, ginja, especiarias, metal e aromas deliciosamente terrosos. No palato é bastante harmonioso, tenso, fresco, limpo e firme.  O final levemente mineral, delicado e bem equilibrado é algo introspectivo e pouco conversador. Há qualquer coisa de apaixonante nesse mau-humor vínico ;)

Encontro com vinhos e sabores 2018

 E assim dissemos adeus ao primeiro dia, e olá ao segundo ;) Depois de uma corrida matinal (realmente efectuada apesar de haver quem pensasse o contrário) entre a Ponte 25 de Abril e a Torre de Belém, de confortar o estômago com um (ou dois, ou três...) pastel de Belém e de um excelente almoço, era chegada a hora de regressar ao Encontro com Vinhos e Sabores. Dia este que iria ser marcado por um momento de revelação. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Mas já lá iremos a ele. Antes, os destaques dos vinhos que o público em geral teve a oportunidade de provar no encontro. Nos espumantes seleccionámos o Cartuxa Évora Espumante Bruto 2012, pela excentricidade, bolha elegante e fina, tosta, cremosidade e palato amanteigado.

Encontro com vinhos e sabores 2018

Nos brancos, uma paixão já antiga ;) A ameixa amarela, esteva, violetas, baunilha, cravinho, rocha molhada, especiarias sedutoras, acidez firme, equilíbrio, complexidade,  densidade e elegância do Mirabilis Grande Reserva branco 2017. É um branco que apetece morder :)

Encontro com vinhos e sabores 2018

Nos tintos, ênfase para uma surpresa: Quinta da Falorca Noblesse Oblige Tinto 2011. A Touriga Nacional, a Tinta Roriz e a Rufete muito bem conjugadas, deram origem a um vinho muito equilibrado, complexo e bastante harmonioso, com muitos frutos silvestres, framboesas, groselhas e amoras, conjugadas com baunilha, canela, figos, trufa branca e  mineralidade granítica. Na boca exibe uns taninos deliciosamente sedosos e excelente estrutura. O "carimbo" Noblesse transmite muito bem aquilo que é: elegante, nobre e aristocrata.  

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 Nos generosos, um Madeira, porque de Portos ... bem ... o melhor é falarmos um pouco mais adiante. O Blandys Colheita Malmsey 1999 possui uma acidez incrível e um nariz arrebatador com noz, avelã, caramelo, cacau, figos secos, hortelã-pimenta e sous-bois. Na boca surgem também raspas de laranja e noz-moscada, para além de exibir muito equilíbrio, elegância e finesse.  Tem ainda qualquer coisa a "pasteis de Belém", será que são apenas memórias da manhã? ;)

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Regressando às provas especiais, a primeira do dia seria a "Ícones de Itália", de novo com o grande Guilherme Corrêa.  É muito difícil ficar indiferente à persistência dos aromas a brioche, maça madura, pêra, calcário salgado e chocolate branco do Giulio Ferrari Riserva del Fondatore 2007;  à trufa branca, cogumelos, fabulosa fruta vermelha e couro do Barolo Riserva Bussia Barale Fratelli 2011; e à textura aveludada,  cerejas pretas, ameixa seca e especiarias do Brunello di Montalcino Riserva Adalberto Caprili 2012.  

Encontro com vinhos e sabores 2018

 O momento de revelação ocorreu depois, ao provar o Ribolla Gravner 2009. Josko Gravner na sua procura pela verdade vínica, pela busca incessante da perfeição e com o objectivo de criar um vinho que expressasse a terra, o ano, o lugar, e a uva, começou a estudar e a pesquisar. Leu sobre a origem do vinho, visitou a Geórgia e conheceu ânforas que na antiguidade serviram para produzir vinho. Arrancou as vinhas de mais de 60 anos de Chardonnay e plantou Ribolla Gialla, uva ancestral e nativa do Friuli. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

O corolário foi um néctar com uma cor amarela intensa (um vinho âmbar, não laranja) indicativo da natureza complexa dos taninos e frutas. É um dos vinhos que mais me marcou até hoje: aromas e sabores de trufas brancas, mineralidade salgada, raspas de laranja, mel, especiarias e frutas maduras com uma estrutura densa e rica. TOP ;)

Encontro com vinhos e sabores 2018

Continuando nas estreias, provei pela primeira vez um Amarone, neste caso o Amarone Classico Ravazzol Ca’ La Bionda 2012.  Vestindo um vermelho rubi profundo, o nariz mostra-se rico e complexo, com aromas de ginjas, espargos, amoras, tabaco e frutas cristalizadas.

Encontro com vinhos e sabores 2018

 O palato ainda é melhor:  rico e intenso com taninos finos e um comprimento excepcional. Estava a gostar tanto da prova, que comentei com o Luís, o meu cunhado: olha isto está tão bom, que se não formos à prova de Vintages, que se lixe, estava tão enganadinho ;)

Encontro com vinhos e sabores 2018

 A prova "Vintage Porto 2016, uma declaração clássica" foi conduzida de uma forma muito dinâmica, conhecedora e apaixonada por Alexandre Lalas, Luís Costa e Célia Lourenço. Curiosamente já tinha provado os três primeiros: os figos, café, chocolate e elegância do  Quinta do Noval Vintage Port 2016; a resina, pinheiro, fruta preta e elegância (tal como o anterior) do Sandeman Vintage Port 2016; e a força, alma selvagem, violetas e framboesa do Quinta do Portal Quinta dos Muros Vintage 2016.

Encontro com vinhos e sabores 2018

 Os últimos 4, provavelmente são os melhores vintages novos que provei até hoje. O que têm em comum? Pertencerem todos à Symington Family Estates e terem beneficiado do poder adivinhatório/sorte/conhecimento para a data da vindima. A maior parte dos produtores, com o anunciar das chuvas de 13-14 de Setembro, apressaram-se a vindimar. Os Symington resolveram esperar, e tiveram sorte ... tiveram muita sorte. O amadurecimento adicional, baixa de temperatura (devida à chuva) e tempo solarento das duas semanas seguintes, criaram condições para a vindima perfeita. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

 O resultado deste momento "bola de cristal": o desconcertante, intenso e nada consensual Quinta do Vesúvio Capela Vintage 2016 (força e elegância em forma de cereja, chocolate, rosmaninho, eucalipto e bivalves?!!??); o sedutor Graham's Vintage 2016 (fruta preta, resina, chocolate, hortelã, a surgirem camada após camada, com equilíbrio, complexidade e elegância); o aristocrata e ainda pouco conversador Dow's Vintage 2016 (violetas, alecrim, ameixa, raspas de laranja, figos, alcaçuz) e ainda um vinho com alma de outro mundo...

Encontro com vinhos e sabores 2018

O Graham's The Stone Terraces Vintage 2016 com os seus frutos pretos, ameixa, mirtilo, esteva, flor de laranjeira, damasco?!?, tabaco, taninos sedosos e impecavelmente integrados, estrutura sublime e uma acidez inebriante é tão grande que ainda o estou a tentar perceber... Consegue ser sedoso, macio e fino, e ao mesmo tempo opulento, austero e indomável. O final ... nunca mais acaba, é impressionante!!!

Encontro com vinhos e sabores 2018

Apercebi-me ao final do dia, que tudo aquilo que tinha gostado no Encontro com Vinhos e Sabores 2018, desde a revelação (enquanto outros procuram vinhos mais consensuais) com o Ribolla Gravner 2009, até ao arriscar pela perfeição (enquanto outros vindimavam mais cedo por precaução) dos Symington Family Estate até à organização com identidade, empenhada, comprometida e perfeccionista do maior evento do género, estava preso ao poema Se Eu Morrer Novo de Fernando Pessoa. 

Encontro com vinhos e sabores 2018

A atitude de Pessoa neste poema é particularmente estóica, pois ele parece querer dar a entender que, se por ele tentar fazer as coisas da sua maneira, com pureza e busca pela perfeição morresse cedo e sem ser lido, é porque o destino assim o entendeu e nada haveria a lamentar, uma vez que havia respeitado a sua natureza, a própria natureza da poesia, não tentando, por comodismo e modas, uma natureza mais consensual que o afastaria da verdade, da fonte do saber e da pureza.

Fernando Pessoa não morreu novo, e tenho a certeza que concordaria com Gravner quando nos diz que a água da nascente é sempre a mais pura. No caminho, o homem contamina esta água com todos os disparates e decisões erradas que toma. Este evento colocou-me um pouco mais perto dessa nascente. Obrigado Ana Moura por isso, e também pelo convite ;)

Desculpem o tamanho do texto, mas acho que perceberam que foi um fim de semana especial, e que gosto de partilhar estas coisas convosco. 

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